A tarefa dos leigos na missão da Igreja

Publicado em 10/10/2012 | Categoria: Destaques Editorial |



                                            Quando se fala da missão da Igreja, corre-se o risco de pensar que é um assunto que diz respeito apenas àqueles que falam diante do altar. Mas a missão que Cristo encomenda aos seus discípulos há de ser levada a cabo por todos os que constituem a Igreja. Tal como nos princípios do Cristianismo, o mundo atual necessita de que os leigos, cumprindo a obrigação que contraíram pelo próprio Batismo, se empenhem em transmitir a Boa Nova com o seu exemplo e com a sua palavra na família, no trabalho, e em todos os âmbitos da convivência humana

A tarefa que aquele punhado de homens recebeu no Monte das Oliveiras, perto de Jerusalém, numa manhã primaveril lá pelo ano 30 da nossa era, tinha todas as características de uma “Missão Impossível”: Recebereis o poder do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia, na Samaria e até os confins da Terra (At 1, 8). As últimas palavras pronunciadas por Cristo antes da Ascensão pareciam uma loucura. De um canto perdido do Império Romano, uns homens simples — nem ricos, nem sábios, nem influentes — teriam que levar ao mundo todo a mensagem de um homem que fora condenado à morte e executado.

Menos de trezentos anos depois, grande parte do mundo romano já se tinha convertido ao cristianismo. A doutrina do crucificado vencera as perseguições do poder, o desprezo dos sábios e a resistência a certas exigências morais que contrariavam as paixões. E apesar dos vaivéns da História, ainda hoje o cristianismo continua sendo a maior força espiritual da Humanidade. Só a graça de Deus pode explicar isso. Mas a graça atuou através de homens que tinham consciência de estarem investidos de uma missão e a cumpriram.

Cristo não apresentou aos seus discípulos essa tarefa como uma possibilidade, mas como um mandado imperativo. Assim lemos em São Marcos: Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado, será salvo; mas aquele que não crer, será condenado (Mc 16, 15 16). E São Mateus recolhe as seguintes palavras de Cristo: Ide e ensinai a todas as gentes, batizando as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e ensinando as a guardar tudo o que vos mandei. Eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo (Mt 28, 19 20). São palavras que trazem à nossa memória umas outras, pronunciadas por Jesus na Última Ceia — Como Tu me enviaste ao mundo, assim Eu os envio ao mundo (Jo 17, 18) —, sobre as quais o Concílio Vaticano II fez o seguinte comentário: “Esse mandado solene de Cristo, de anunciar a verdade salvadora, a Igreja o recebeu dos Apóstolos com o encargo de levá lo até os confins da Terra”.


TAREFA DE TODOS


 

Quando se fala da missão da Igreja, corre se o risco de pensar que é um assunto que diz respeito apenas àqueles que falam diante do altar. Mas a missão que Cristo encomenda aos seus discípulos há de ser levada a cabo por todos os que constituem a Igreja. Todos — cada um de acordo com a sua própria condição — hão de cooperar de modo unânime na tarefa comum. “A vocação cristã — precisa o Concílio Vaticano II — é, por sua própria natureza, vocação para o apostolado lt;…gt;. Na Igreja há diversidade de funções, mas uma única missão. Cristo conferiu aos Apóstolos e aos seus sucessores o ministério de ensinar, de santificar e de governar em Seu nome e com a Sua autoridade. Os leigos, por sua vez, por participarem da função sacerdotal, profética e real de Cristo, cumprem no mundo a sua função específica dentro da missão do Povo de Deus”. Todo cristão assimila se a Cristo pelo Batismo, e participa da Sua missão redentora; é dever de todos e de cada um dos batizados colaborar ativamente na transmissão aos homens de todos os tempos da palavra pregada por Jesus.

A dimensão apostólica da vocação cristã esteve sempre presente na vida da Igreja; mas houve um longo período em que a realização da sua missão salvadora pareceu estar encomendada a uns poucos cristãos; o resto era tão somente sujeito passivo da mesma. O Concílio Vaticano II representou nesse ponto um retorno às origens, ao ressaltar repetidamente a universalidade dessa chamada ao apostolado, que não consiste apenas numa possibilidade entre outras, mas num autêntico dever: “Foi imposta, portanto, a todos os fiéis a gloriosa tarefa de se esforçarem para que a mensagem divina de salvação seja conhecida e aceita por todos os homens de qualquer lugar da Terra”.

ONDE SÓ OS LEIGOS CHEGAM

Mas cabe aos leigos alguma parcela concreta dentro dessa missão? O Concílio Vaticano II já dera algumas precisões. Os fiéis correntes — lê se na Constituição Lumen Gentium — “são chamados por Deus para contribuírem a partir de dentro, a modo de fermento, para a santificação do mundo mediante o exercício das suas tarefas próprias, guiados pelo espírito evangélico, e assim manifestarem Cristo aos outros, principalmente com o testemunho da sua própria vida e com o fulgor da sua fé, esperança e caridade”. E mais adiante: “Os leigos estão particularmente chamados a tornarem a Igreja presente e atuante nos lugares e condições onde ela não pode ser sal da terra a não ser por meio deles”. Ou seja, num hospital, a Igreja não está presente unicamente pelo capelão: atua também através dos fiéis que, como médicos ou enfermeiras, procuram prestar um bom serviço profissional e uma delicada atenção humana aos pacientes. Num bairro, o templo será sempre um ponto de referência indispensável: mas o único modo de chegar aos que não o freqüentam será através de outras famílias.

A Exortação Apostólica Christifideles laici, recolhendo o trabalho realizado no Sínodo de 1987, aprofundou nessa doutrina. Referindo se à função dos leigos, o Papa recordava dois perigos que poderiam apresentar se ao tentar defini la: “a tentação de reservar um interesse tão forte aos serviços e tarefas eclesiásticas, de chegar com freqüência a um prático esquecimento da sua específica responsabilidade no mundo profissional, social, econômico, cultural e político; e a tentação de legitimar a indevida separação entre a fé e a vida, entre a recepção do Evangelho e a ação concreta nas mais diversas realidades temporais e terrenas”. Perante esses dois extremos, o Papa advertia que o que distingue os leigos é “a índole secular”, pois Deus os chamou para que “se santifiquem a si mesmos no matrimônio ou no celibato, na família, na profissão e nas várias atividades sociais”.

Desse modo o Sínodo tratou de evitar esse duplo risco apontado pelo Papa: ao estimular a tarefa dos leigos nos assuntos temporais, evita a tentação de se refugiarem nas estruturas da Igreja, em face de uma sociedade hostil ou indiferente; e ao pedir uma forte coerência entre a fé e a vida, quer impedir uma dissolução da identidade cristã. Pois para ser sal da terra é preciso estar no mundo, mas também é preciso não tornar se insípido.

A missão específica dos leigos fica assim claramente descrita: trata se de levar a mensagem de Cristo a todas as realidades terrenas — a família, a profissão, as atividades sociais… — e, com a ajuda da graça, convertê las em ocasião de encontro de Deus com os homens.

OS PRIMEIROS CRISTÃOS

Não seria, porém, conforme à realidade considerar tudo o que até agora foi exposto como se fosse uma novidade posterior ao Concílio Vaticano II. Os cristãos da primeira hora, os que conviveram com Jesus e com os Apóstolos ou pertenceram às gerações subseqüentes, foram muito conscientes da sua missão. A sua conversão os levava a um maior empenho em cumprir os deveres correspondentes à sua posição no mundo. Tertuliano, por exemplo, escreve: “Vivemos como os outros homens; não deixamos de freqüentar as praças, os açougues, as termas, as tabernas, as oficinas, as hospedarias, as feiras e os demais comércios. Convosco também navegamos, convosco somos soldados, lavramos o campo, comerciamos, entendemos de ofícios e expomos as nossas obras para vosso uso”.

E num venerável documento da Antigüidade cristã lemos: “Os cristãos não se distinguem dos outros homens por sua terra, nem pelo seu modo de falar, nem pelos seus costumes: não habitam cidades exclusivamente suas, nem falam uma língua estranha, nem levam um gênero de vida diferente dos outros lt;…gt;. Habitando cidades gregas ou bárbaras, conforme a sorte que coube a cada um, e adaptando se à vestimenta, à comida, ao gênero de vida e aos usos e costumes do país, dão mostras de um teor peculiar de conduta que é admirável e, na opinião de todos, surpreendente”. O que se escreve pouco adiante nesse mesmo documento nos fará compreender que, permanecendo no seu lugar, os primeiros cristãos haviam mudado notavelmente de conduta. “Casam se como todos; como todos geram filhos, mas não abandonam os que nascem lt;…gt;; estão na carne, mas não vivem segundo a carne; passam o tempo na terra, mas têm a sua cidadania no céu. Obedecem às leis estabelecidas, mas com a sua vida superam as leis lt;…gt;. Para dizê lo resumidamente, o que é a alma para o corpo, isso são os cristãos para o mundo”.

Como conseqüência dessa atitude e da sua zelosa atividade apostólica, o cristianismo se estendeu em pouco tempo de modo assombroso: sem dúvida aqueles irmãos nossos contavam com a graça de Deus, mas juntamente com isso sabemos que a sua resposta foi sempre heróica: não só diante dos tormentos, mas também nos melhores momentos da sua vida. Não é de estranhar, portanto, que o mesmo Tertuliano pudesse escrever: “Somos de ontem e já enchemos o orbe e todas as vossas coisas: as cidades, as ilhas, os povoados, as vilas, as aldeias, o exército, o palácio, o senado, o foro. Para vós, deixamos apenas os vossos templos”.

O ESPÍRITO DO OPUS DEI

Permitam me agora uma digressão que me parece de justiça. A chamada universal à santidade e ao apostolado, tão clara nos primeiros cristãos e recordada pelo último Concílio, é uma das realidades que estão na base do espírito da Prelazia do Opus Dei. Desde 1928, o seu Fundador, o Servo de Deus Josemaría Escrivá de Balaguer, não cessou de repetir que a santidade e o apostolado são direito e dever de todo batizado. Assim, por exemplo, escrevia em 1934: “Tens obrigação de santificar te. — Tu também. — Alguém pensa, por acaso, que é tarefa exclusiva de sacerdotes e religiosos? A todos, sem exceção, disse o Senhor: «Sede perfeitos, como meu Pai Celestial é perfeito»”. E, referindo se ao apostolado, escreve: “Ainda ressoa no mundo aquele clamor divino: «Vim trazer fogo à terra, e que quero senão que arda?» — E bem vês: quase tudo está apagado… Não te animas a propagar o incêndio?”

Portanto, Mons. Escrivá pode justamente ser considerado um pioneiro dos ensinamentos do Concílio Vaticano II nesse campo. Afirma o claramente o Cardeal Poletti no Decreto de Introdução da Causa de Beatificação do Fundador do Opus Dei com as seguintes palavras: “Por ter proclamado a vocação universal à santidade, desde que fundou o Opus Dei em 1928, Mons. Josemaría Escrivá de Balaguer foi unanimemente reconhecido como um precursor do Concílio, precisamente naquilo que constitui o núcleo fundamental do seu magistério, tão fecundo para a vida da Igreja”.

COM O EXEMPLO E A PALAVRA

Num mundo cada vez mais materializado, o labor do cristão do século XX assemelha se ao que tiveram que realizar os primeiros discípulos de Cristo. Como eles, terá que transmitir a Boa Nova com o seu exemplo e com a sua palavra.

Nunca poderemos conhecer completamente nesta vida os efeitos da nossa atuação — o bom exemplo que demos ou o escândalo que causamos — nas pessoas que estão à nossa volta. Há uma obrigação primeira e essencial para qualquer cristão: agir de acordo com a sua fé, ser coerente com a doutrina que professa. Vós sois a luz do mundo. Não se pode ocultar uma cidade construída sobre um monte, nem se acende uma lâmpada para pô la debaixo do alqueire, mas sobre um candeeiro, para que ilumine todos os que estão na casa. Brilhe assim a vossa luz diante dos homens, para que vendo as vossas boas obras glorifiquem o vosso Pai que está nos céus (Mt 5, 14 16).

Não basta, porém, só o exemplo. “Esse apostolado não consiste somente no testemunho de vida. O verdadeiro apóstolo busca ocasiões para anunciar Cristo com a sua palavra: quer aos não crentes, para levá los à fé, quer aos que já são fiéis, para instruí los, confirmá los e estimulá los a um maior fervor de vida”.

Não se trata de um assunto para “especialistas”. O Concílio Vaticano II recordou a obrigação que cada um dos leigos tem de fazer apostolado individualmente: “O apostolado que as pessoas singulares devem realizar, brotando abundantemente da fonte de uma verdadeira vida cristã, é a primeira forma e a condição de todo o apostolado dos leigos, inclusive do associado, e é insubstituível. A esse apostolado, sempre e em toda parte frutífero, mas em certas condições o único adequado e possível, são chamados e obrigados todos os leigos de qualquer condição, inclusive se lhes falta a ocasião ou a possibilidade de colaborar nas associações”.

As ocasiões em que esse apostolado pode ser realizado são inúmeras: na realidade, toda a vida há de ser um contínuo apostolado. Gostaria no entanto de centrar me em duas das circunstâncias que constituem os eixos da vida da maioria das pessoas: o trabalho e a família.

 

ATRAVÉS DO TRABALHO PROFISSIONAL

Entre os diversos motivos pelos quais os homens se relacionam, travam amizade, encontra se sem dúvida o exercício da própria profissão. Poderia parecer que esse âmbito de apostolado é reduzido, mas não se deve esquecer que é normalmente aí onde se estabelecerão relações profundas de confiança, que em muitos casos permitirão ajudar de forma decisiva as pessoas com as quais cada um se relaciona.

Alguns trabalhos — penso, por exemplo, nos relacionados com a docência ou com os meios de comunicação — constituem uma oportunidade de transmitir idéias a centenas ou milhares de pessoas. Mas seria um erro pensar que somente essas profissões podem ser ocasião de apostolado: em qualquer ocupação, em qualquer circunstância, o cristão deve ajudar os outros a dar um sentido cristão à sua vida. Ordinariamente não será necessário fazer grandes discursos, mas levar a cabo aquilo que o Fundador do Opus Dei chamava de “apostolado de amizade e confidência”, que descrevia nos seguintes termos: “Essas palavras que tão a tempo deixas cair ao ouvido do amigo que vacila; a conversa orientadora que soubeste provocar oportunamente; e o conselho profissional que melhora o seu trabalho universitário; e a discreta indiscrição que te faz sugerir lhe imprevistos horizontes de zelo… Tudo isso é «apostolado da confidência»”.

Esse empenho converte se em interesse real por cada pessoa e encarna normalmente numa conversa pessoal com o amigo. “O apostolado cristão — refiro me agora ao de um cristão corrente, o do um homem ou da mulher que vive como um a mais entre os seus iguais — é uma grande catequese, na qual, através do trato pessoal, de uma amizade leal e autêntica, se desperta nos outros a fome de Deus e se os ajuda a descobrir horizontes novos: com naturalidade, com simplicidade, disse, com o exemplo de uma fé bem vivida, com a palavra amável mas cheia da força da verdade divina”.

Um empenho apostólico que, através da iniciativa livre e responsável dos cristãos, se manifestará também no esforço por conseguir que as estruturas sociais facilitem aos outros a aproximação a Deus. Desse modo se realizará a animação cristã da ordem temporal que, como vimos, o Concílio considera a missão característica dos leigos. Nesse contexto podem ser entendidas as chamadas que, na Exortação Apostólica Christifideles Laici, o Papa dirigiu aos leigos empenhados na Ciência e na Técnica, na Medicina e na Política, na Economia e na Cultura, para que não abdiquem da sua responsabilidade em tornar o mundo mais humano e, portanto, mais cristão.

Para isso contam com as inspirações e princípios apresentados pela doutrina social da Igreja. Mas essa doutrina só se tornará vida através dos homens e mulheres que, em Wall Street ou num pequeno comércio de bairro, concebam o seu trabalho como algo mais do que uma simples fonte de lucros ou um meio de galgar postos; através de cidadãos que, na prefeitura ou na associação de bairro, se preocupem de tornar a sociedade mais acolhedora; através de intelectuais que, na Universidade e na escola, criem cultura com sentido cristão.

 

COMEÇAR PELA FAMÍLIA

Ao lado de todo esse labor apostólico em torno do trabalho — da profissão de cada um — ocupa um lugar fundamental aquele que se realiza através da família. No caso dos pais, esse é o seu primeiro campo de apostolado, o lugar em que foram postos por Deus para realizar uma tarefa insubstituível: a educação dos filhos.

A família é “a célula primeira e vital da Sociedade”, e da sua saúde ou doença dependerá a saúde ou doença de todo o corpo social. A Sociedade será mais fraterna se os homens aprenderem na família a sacrificar-se uns pelos outros. Haverá mais tolerância e respeito nas relações humanas na medida em que pais e filhos se compreendam. A lealdade ganhará terreno na vida social se também for valorizada a fidelidade entre os cônjuges. E o materialismo baterá em retirada quando o norte da felicidade familiar não for o consumo cada vez maior.

Quanto à atenção aos próprios filhos, cumpre recordar novamente o papel primordial do exemplo. João Paulo II, numa das raras ocasiões em que falou de si mesmo, comentava referindo se ao seu pai: “Meu pai foi uma pessoa admirável, e quase todas as minhas recordações de infância e adolescência referem se a ele lt;…gt;. O simples fato de vê lo ajoelhar se teve uma influência decisiva nos meus anos de juventude. Era tão severo consigo próprio que não necessitava sê lo com o seu filho: bastava o seu exemplo para ensinar a disciplina e o sentido do dever”. E o cardeal Luciani — mais tarde Papa João Paulo I — escrevia: “O primeiro livro de religião que os filhos lêem são os pais. É bom que um pai diga ao filho: «Neste momento há um confessor na igreja: você não acha que poderia aproveitar a oportunidade?». Mas muito melhor seria se lhe falasse desse modo: «Vou à igreja confessar: quer vir comigo?»”. O exemplo oferecido nas mais diversas facetas da vida — exemplo de lealdade com os amigos, de laboriosidade, de sobriedade e de temperança, de alegria perante as contrariedades, de preocupação pelos outros, de generosidade — ficará gravado de forma indelével nas almas dos filhos.

E juntamente com o exemplo, a atenção generosa à educação. “O negócio de que mais tendes que cuidar — costumava dizer o Fundador do Opus Dei aos homens de empresa — é a formação dos vossos filhos”. Uma educação que será eficaz se os pais souberem fazer se amigos dos seus filhos; se desde pequenos estes se acostumarem a confiar neles, a abrir o coração quando tenham alguma dificuldade. Escrevia São Tomas More: “Quando chego em casa, é preciso falar com a mulher, fazer uma graça aos filhos, trocar impressões com os criados. Tudo isso forma parte da minha vida quando é preciso fazê lo, e é preciso fazê lo, a não ser que queiras ser um estranho na tua própria casa. É preciso entregar se àqueles que a natureza, o destino ou nós mesmos escolhemos como companheiros”.

O ritmo da vida moderna parece não favorecer essa dedicação. Cada vez temos mais de tudo, exceto de tempo. E corre se o risco de que os pais fiquem absorvidos pelo trabalho, mesmo com a nobre intenção de assegurar ao máximo o porvir dos filhos. Mas esse porvir dependerá mais do tempo que lhes dediquemos pessoalmente do que do conforto que lhes ofereçamos. De fato, quando os filhos se queixam, não é por causa daquilo que seus pais não lhes deram, mas porque não souberam dar se eles mesmos.

A FAMÍLIA, ABERTA AOS OUTROS

Isso tudo já é muito, mas ainda não é tudo. Um cristão consciente da sua missão de fermento na massa não se pode conformar com a atenção aos seus. Certamente, num mundo competitivo e duro, é normal buscar na própria família o afeto e a segurança que muitas vezes falta fora. Assim como também é compreensível que entre os diversos tipos de família que hoje existem na sociedade, os pais cristãos tratem de proteger e conservar o seu. Mas a família cristã é uma família “aberta”.

“A família — dizia Paulo VI —, assim como a Igreja, deve ser um espaço onde o Evangelho é transmitido e a partir do qual é irradiado lt;…gt;. Uma família assim torna se evangelizadora de muitas outras famílias e do ambiente em que ela vive”. O exemplo de uma família cristã que tenta — apesar das suas limitações e dificuldades — viver o seu ideal é sempre atraente, inclusive do ponto de vista humano. Sobretudo se essa família está aberta à amizade com outras — com as famílias dos parentes, dos colegas, dos vizinhos, dos amigos dos filhos — e animada por um espírito apostólico. Desse modo se fará realidade o ideal que propunha João Paulo II ao dizer que “a Igreja doméstica (a família) está chamada a ser um sinal luminoso da presença de Cristo e do Seu amor mesmo para os «afastados», para aquelas famílias que ainda não crêem, e para as famílias cristãs que não vivem de modo coerente com a fé recebida”.

Por outro lado, toda família está sujeita às influências exteriores, que provêm das leis, da escola, da opinião pública. Por isso um cristão, tanto para proteger a própria família como para ajudar os outros, deve preocupar se com que exista na sociedade um clima favorável à instituição familiar. “As famílias — lê se na Exortação Apostólica Familiaris Consortio — devem ser as primeiras a procurar que as leis e instituições do Estado não só não ofendam, mas sustentem e defendam positivamente os direitos e deveres da família. Neste sentido, as famílias devem crescer na sua consciência de serem «protagonistas» da chamada «política familiar», e assumir a responsabilidade de transformar a sociedade”.

Evangelizar nos novos areópagos da evangelização, isto é, as novas praças e “locais” onde a Igreja deve dar sua devida atenção

PERANTE UMA NOVA EVANGELIZAÇÃO

Os primeiros cristãos souberam mudar a sociedade, pondo todo o seu esforço a serviço do mandado de Cristo: eles então partiram e pregaram por toda parte, e o Senhor estava com eles, confirmando a palavra com os prodígios que a acompanhavam (Mc 16, 20).

Às portas do terceiro milênio, perante uma sociedade que parece fugir loucamente de Deus, os cristãos deste século fomos chamados a realizar uma nova evangelização “em e a partir das tarefas civis, materiais, seculares da vida humana. Deus nos espera cada dia: no laboratório, na sala de operações de um hospital, no quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, no seio do lar e em todo o imenso panorama do trabalho. Não o esqueçam nunca: há algo de santo, de divino, escondido nas situações mais comuns, algo que a cada um de vós compete descobrir”.

E, com palavras de João Paulo II, “isso só será possível se os fiéis leigos souberem superar em si mesmos a fratura entre o Evangelho e a vida, recompondo na sua atividade cotidiana na família, no trabalho e na sociedade aquela unidade de vida que encontra no Evangelho inspiração e força para se realizar plenamente”. O mundo está à espera de cristãos sem fissuras, cristãos de uma só peça. Com falhas, com erros, mas com a firme vontade de retificar quantas vezes seja preciso, e seguir adiante, de mãos dadas com a Virgem Maria, no caminho que nos leva ao Pai através de Cristo, Caminho, Verdade e Vida.

Fonte: Revista Mundo Cristiano

 Por Álvaro del Portillo

Tradução: Quadrante



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