Uma análise geral do Sínodo

Publicado em 01/11/2012 | Categoria: Notícias |


Entrevista com o Superior Geral dos Jesuítas

O padre geral dos jesuítas participou do Sínodo dos Bispos sobre “A Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã”, que terminou no dia 28 de outubro. Publicamos a entrevista que o padre Adolfo Nicolás concedeu, às margens do evento, à Sala de Imprensa da Cúria Generalícia da Companhia de Jesus.

 

 

 

Uma análise geral do Sínodo

 

Devo confessar que eu tinha alguns temores sobre o Sínodo antes do seu início. Eu me perguntava: moveremo-nos na direção de falar sempre das mesmas coisas ou seremos capazes de seguir em frente com coragem e criatividade?

 


 


A realidade do Sínodo foi nas duas direções. Posso indicar:


1) alguns aspectos positivos, inspiradores e encorajadores, e 2) algumas insuficiências que indicam campos em que a Igreja, ou ao menos a consciência dos bispos e dos outros padres sinodais, incluindo eu, ainda tem caminho a percorrer.

Podemos dividir os aspectos positivos em três categorias:

 

a) Contribuições geográficas. Esse aspecto refere-se à apresentação que nos deu o justo sentido da situação, dos argumentos e, muitas vezes, dos sofrimentos de alguns países, em particular o Oriente Médio, a África ou a Ásia. Um dos melhores aspectos do Sínodo é o próprio fato de que os bispos de tantas nações têm a possibilidade de se comunicar e de trocar livremente as experiências e o pensamento.

b) Iniciativas originais em andamento, especialmente as baseadas nos projetos de cooperação, de trabalho em rede e de intercâmbio em nível internacional, nos quais os leigos e os movimentos estão envolvidos a fundo e comprometidos. E isso não apenas através das intervenções nas sessões plenárias, mas sobretudo nas trocas informais e nos comentários sobre as próprias iniciativas fora das sessões.

c) Reflexões sobre os fundamentos, o significado e as dimensões da Nova Evangelização. Aqui podemos constatar uma grande convergência em alguns pontos, incluindo:

•A importância e a necessidade da experiência religiosa (o encontro com Cristo);

•A urgência de uma boa formação espiritual e intelectual dos novos missionários;

•O papel central da família (Igreja doméstica) como lugar privilegiado para o crescimento na fé;

•A importância da paróquia e das suas estruturas que precisam ser renovadas para se tornarem cada vez mais abertas a um compromisso e ministério dos leigos mais amplo;

•A prioridade à evangelização, em vez da expressão sacramental, como afirma São Paulo de si mesmo: “Enviado a evangelizar e não a batizar”. E assim por diante.

Entre as “insuficiências” podemos indicar o seguinte:

 

a) A voz do “Povo de Deus” não tem espaço para ser escutada. É um Sínodo de bispos e, portanto, não há muito espaço para a participação dos leigos, mesmo que tenha sido convidado um certo número de “especialistas” e de “observadores” (auditores). Isso me fez pensar na afirmação de Steve Jobs que dizia estar interessado em ouvir mais a voz dos clientes, em vez da dos produtores. E no Sínodo todos éramos “produtores”.

b) E assim foi difícil não pensar que essa era uma reunião de “homens da Igreja, que reafirmavam a Igreja”, o que é bom em si mesmo, mas que não reflete o que precisamos em tempos de Nova Evangelização. Há o perigo real de produzir sempre a mesma coisa.

c) Falta de reflexão sobre a Primeira Evangelização e, consequentemente, uma escassa consideração para saber se e o que aprendemos com a longa história passada e com os aspectos positivos dela, assim como com os erros que cometemos. Essa omissão poderia ter consequências muito negativas.

d) Pouca consciência e/ou conhecimento da história da evangelização e do papel que nela tiveram os religiosos e as religiosas. Em certos momentos, a vida religiosa foi ignorada ou foi lembrada apenas de passagem. Não que nós, religiosos, precisamos de afirmações adicionais, mas quero expressar a minha preocupação com o fato de que a Igreja corre o risco de perder a sua própria memória.

e) Talvez o ponto mais fraco do Sínodo foi a metodologia que foi seguida, muito semelhante ao modo pelo qual nós também levávamos adiante as nossas Congregações Gerais. Eu espero, no entanto, que a complexa realidade e as necessidades do futuro ajudem a Igreja a reorganizar os seus modos de proceder em vista de maiores frutos apostólicos.

Vocês podem entender que foi um tempo de muita reflexão, de aprendizado e de desafios. O convite a aprofundar a nossa fé, proposto pelo Santo Padre, pode nos ajudar a levar adiante uma dimensão mais profunda da Nova Evangelização. A realidade que nos circunda se tornou muito mais complexa, porque podemos abordá-la individualmente, e o desafio original da nossa missão de servir as almas e a Igreja continua e se desenvolve intensamente.

Espero que os jesuítas enfrentem os novos desafios com a profundidade que provém da nossa apropriação da espiritualidade inaciana e da análise séria do nosso tempo.

Eu rezo para que a reflexão sobre o Ano da Fé nas nossas comunidades e formas de apostolado nos ajude a renovar o nosso espírito e a nossa missão.

Na sua intervenção ao Sínodo, o senhor falou dos “sinais de santidade europeus”. O que quis dizer? Não são esses, talvez, sinais cristãos universais?

Naturalmente. Os sinais que descobrimos em um Santo são valores universais e expressam diversas dimensões da vida divina assim como ela se torna visível entre nós. Falamos aqui da caridade, da compaixão, do serviço aos que sofrem, que estão em necessidade, que estão solitários e aflitos. O que eu quis dizer é que nos acostumamos com esses sinais e estamos inclinados a pensar que não há outros. Se esse for o caso, não tornaremos Deus muito limitado, previsível e até mesmo reduzido à capacidade europeia de “ver” sinais familiares da sua presença e ação? Sem dúvida alguma, eu defendo que esses sinais são bons, críveis e sólidos. A minha interrogação refere-se ao que podemos ter perdido não descobrindo outros sinais, por não estarmos surpresos e em admiração pela ação criadora de Deus em “outros”, em pessoas de diferentes culturas, tradições e filiação étnica. Pouco antes do Vaticano II, o padre Jean Daniélou escreveu um livro intitulado Santos Pagãos, um livro que era um desafio e uma inspiração, e talvez aqueles santos não eram tão pagãos, no fim das contas.

Pode nos indicar alguns sinais do que o senhor considera como uma santidade “asiática”?

Com prazer. Como dado de fato, antecipando essa pergunta, eu consultei alguns especialistas asiáticos sobre esse tema e posso dizer que a consulta foi muito frutífera. Gostaria de dar alguns exemplos: a piedade filial, que às vezes alcança níveis heroicos, a intensa busca do Absoluto e o grande respeito por aqueles que estão envolvidos nessa busca, a compaixão como estilo de vida, enraizada na consciência da fraqueza e fragilidade humana, o desprendimento e a renúncia, a tolerância, a generosidade, a aceitação dos outros, a magnanimidade, o respeito, a cortesia, a atenção pelas necessidades dos outros etc. Resumindo, podemos dizer talvez que se os nossos olhos estivessem abertos para ver o que Deus faz no povo (nos povos) seríamos capazes de ver muito mais Santidade ao nosso redor, e muitos de nós seriam levados a viver a Vida de Deus de modos novos que talvez seriam mais adequados ao nosso modo de ser ou ao modo pelo qual Deus quer que sejamos.

Por que os missionários ou a própria Igreja não foram capazes de “ver” esses maravilhosos sinais como obra de Deus?

É muito difícil interpretar por que uma coisa não ocorre. Seríamos tentados a introduzir explicações que poderiam ser precisas, mas também teorias que perdem de vista o objetivo específico. Talvez não estejamos confortáveis com um Deus das surpresas, um Deus que não segue necessariamente a lógica humana, um Deus que sempre sabe tirar o melhor do coração humano, sem fazer violência à tradição cultural, à religiosidade do povo simples. Quem pode dizê-lo? Nós, entusiasticamente, afirmamos a liberdade de Deus, mas não lhe deixamos muito espaço para influenciar nas nossas vidas… ou talvez “vimos” esses sinais com respeito e talvez até mesmo com estupor, mas não estávamos certos do seu significado ou não o aprofundamos.

O senhor, portanto, diz que há “Santidade” fora da Igreja. Mas, se há “Santidade”, não devemos dizer que também há Salvação?

Naturalmente. Nós sempre soubemos disso. Faz parte da Liberdade de Deus. Deus é livre para fazer o que quiser com as pessoas (homens e mulheres) em cada situação e em cada contexto. Jesus não teve dificuldades para reconhecer em um soldado pagão ou em uma mulher estrangeira a profundidade da fé que não encontrou, ao invés, entre os seus discípulos. Mas eu não tenho uma teoria da salvação e, portanto, posso poupar a próxima pergunta. A minha preocupação mais profunda é descobrir de que modo Deus está trabalhando no ser humano e como este coopera com a ação de Deus. E aqui não posso errar. Com as teorias, ao contrário, sim.

Na sua opinião, o que e de que modo devemos ressaltar a responsabilidade da Igreja para levar paz e harmonia à luz da Nova Evangelização ao nosso mundo cada vez mais violento?

Estou convencido de que qualquer coisa que dizermos vem do mais profundo, do interior de nós mesmos. É o resultado da nossa fé, das nossas relações (incluindo a com Deus), dos nossos afetos e das nossas esperanças. Se o mais profundo estiver em comunhão com o Deus da paz, da justiça e da compaixão, em quem acreditamos, então viveremos, agiremos e falaremos de paz, de justiça e de compaixão. Se o mundo ao nosso redor se torna cada vez mais violento não significa que nós também devemos nos tornar, mas, ao contrário, que o nosso empenho, que vem do coração, pela paz e pelo diálogo se tornará muito mais relevante e será uma proclamação ainda melhor do Evangelho em que acreditamos. Naturalmente, isso assumirá formas diferentes quando pensamos na Igreja e nas muitas atividades e iniciativas que serão promovidas por cristãos comprometidos.

A entrevista foi reproduzida pela revista Popoli, 29-10-2012.

Fonte: Dom Total



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