Mesa da Palavra
Liturgia da Missa – Reflexões para a Mesa da Palavra
6º Domingo da Páscoa – Ano B – 13-05-2012
Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor. E eu vos disse isto, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena. Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos. Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando. Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça. O que então pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo concederá. Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros. Jo 15, 9-17
Deus é Amor e se doa todo para nós
Num campo de concentração um preso foge. Soldados alemães colocam os prisioneiros em forma e lhes ameaçam dizendo que, acaso não encontrassem o fugitivo, dez deles seriam deixados sem comida até a morte. Infrutífera caçada, depois de um dia inteiro de pé o comandante dita dez nomes. Um deles estava ao lado de um padre e murmura: “que será da minha mulher e meus filhinhos pequenos”. O sacerdote franciscano, então com 47 anos, ouvindo tais palavras, se faz ouvir pedindo ao comandante que poupasse aquele jovem, oferecendo-se para a morte em seu lugar. “Afinal era mais velho e nem possuía família para cuidar”. Três semanas depois somente o padre estava vivo. Por compaixão deram-lhe uma injeção para que morresse. Este homem canonizado em 1982, na presença do pai de família salvo, chama-se Maximiliano Kolbe. Um santo que provou com a vida o que é o Amor.
Na linguagem bíblica, quando se quer frisar algo, se faz uso do artifício da repetição. É assim que enfatizam aquilo que consideram seja o mais importante no texto. Vejamos então quantas vezes o evangelista João faz uso da palavra Amor e das várias formas do verbo amar nesses nove versículos. Encontra-se aí a chave para que se possa apropriar mais profundamente dessa passagem. Aquilo que João, em sua Primeira Carta irá nos dizer claramente, aqui já se encontra implícito, mas transbordante: Deus é Amor (1Jo 4, 16).
Nosso Evangelho deste domingo vem nos falar enfática e repetidamente do Amor. Afinal trata-se do que há de mais importante no mundo. Ao contrário da linguagem bíblica que é reforçadora, no mundo de hoje as palavras quando usadas em demasiado tendem a se gastar e assim ter diluída sua força original. Amor é muito mais e muito maior do que tudo que costuma ser alardeado por aí. Essa palavrinha significa o próprio Deus.
Os gregos a dividem em três conotações: eros, filei e ágape. Eros diz respeito ao amor humano considerado aqui como o que faz acontecer essa atração gostosa por alguém especial. Eros é que nos leva a buscar e manter bem junto a pessoa que nos completa a existência. Filei vem tratar do Amor familiar e também entre amigos. É o Amor que nos mantém ligados à família, aos companheiros e companheiras e à comunidade de irmãos, a Igreja e além dela o mundo. Já o Amor Ágape leva-nos ao transcendente. Diz respeito à Trindade Santa.
O problema é que, não poucas vezes, optou-se por descaracterizar as faces eros e filei do Amor, valorizando-se unicamente a dimensão Ágape. A questão é que ao se compreender somente assim o Amor perde-se muito da sua dimensão horizontal. Isto faz com que vá se tornando frio, ao mesmo tempo em que se vai dividindo o ser humano em duas partes, corpo e espírito. Pior ainda é que nessa ótica acostumou-se a ver o “corpo” como pecador e indutor para o mal, enquanto o “espírito” se manteria limpo. O bem e o mal acontecem no ser humano como um todo e não em partes específicas apenas.
Filhos de Deus somos criados por Ele, indivisivelmente, corpo e espírito. Nesta unidade reside o Amor. Eros e filei levam-nos ao Ágape, ao mesmo tempo em que o Ágape está a nos conduzir, ininterruptamente, ao filei e eros. É com o corpo, no qual amamos a Deus e às pessoas, que iremos caminhar rumo ao infinito. Ninguém pode se salvar de uma maneira desencarnada. Não nos esqueçamos que é através do seu corpo, tão humano como o nosso e que até manteve as marcas da sua paixão, que Jesus vem nos falar de Amor.
Santo Inácio de Loyola, ao final dos seus Exercícios Espirituais nos convida a que façamos uma contemplação sobre o Amor. A ela nomeia, bem significativamente como a “Contemplação para alcançar Amor”. Mas, para que não nos percamos em divagações sobre aquilo que está a nos dizer, o santo antes nos faz notar duas coisas: “A primeira é que o amor deve consistir mais em obras do que em palavras. A segunda, que o Amor consiste na comunhão mútua, a saber, a pessoa que ama dá e comunica à pessoa amada aquilo que tem ou parte do que tem…”
Falamos demais e fazemos de menos. A realidade do mundo é um tremendo contra testemunho da ação do Amor nele. Acreditássemos realmente no Amor a Terra teria outra cara. Haveria mais justiça e paz, com certeza. É preciso recordar todo dia que o Amor se faz mais em atos e obras. Não adianta dizer “eu te amo” se junto a essas palavras não acontecer nenhuma ação a provar o que se está falando.
Amar é doar-se. Entregar-se aos outros. A partir daí somos capazes de melhor perceber e sentir o Amor de Deus. Ele se entrega todo. Deus não guarda nada para si. O Pai não é possuidor de coisa alguma. Ele não tem, Ele é. Deus só ama e o Amor é deixar-se ser todo no outro. Amar é se entregar plenamente ao amado e na medida em que se faz isto, automaticamente se está colocando a mercê daquele que se ama.
É comum que um amante diga ao outro algo assim: “você é tudo para mim”. Ao proferir tal frase ele estará se colocando totalmente no outro. Vejamos isto de forma bem simples, estatisticamente: se um é tudo (100%), o outro será nada (0%). Por isto o Amor pode nos fazer sofrer. Levando esta imagem ao Amor Ágape poderemos concluir que Deus ao nos amar totalmente também, de alguma forma misteriosa, está se colocando em nossas mãos e assim corre o risco de não ser correspondido, o que é, sabemos todos por experiência própria, gerador de sofrimento.
Para amar é preciso estar no Amor. Por conta de que amamos pouco, é que iremos constatar a continuidade da paixão. O pouco Amor no mundo faz com que a paixão do Senhor se mantenha. Sim, ela não foi terminada naquela sexta-feira à tarde no Calvário. Ela continua a ocorrer diariamente mundo afora…
Pistas para reflexão durante a semana:
– O que é o Amor para mim?
– Provo-o em minha vida com as obras que realizo?
– Qual é a razão do meu Amor?
Fernando Cyrino