Só a verdade liberta
O Brasil deu nos últimos dias um passo importante para sua maturidade histórica. A criação da Comissão da Verdade, pela presidente Dilma Roussef, é um fato histórico de relevância indiscutível e que gera em todos esperança.
Emocionada e chegando às lágrimas em vários momentos, Dilma evocou um passado doloroso que foi também o seu. Porém, em seu tom não havia revanchismo, ódio ou retaliação. Apenas firmeza e transparência. Alertou que o que motiva a criação deste grupo, que tem a importante missão de investigar as violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, é o interesse de conhecer a história “em plenitude, sem ocultamentos, sem camuflagem, sem veto, sem proibição.”
Cercada de todos os ex-presidentes vivos eleitos democraticamente pelo voto popular, a presidente fazia assim um poderoso sinal: o repúdio a toda forma de totalitarismo e ditadura, a todo e qualquer abuso de poder que se instaure sem estar ancorado na legalidade e no consenso da nação. A muitos chocou ver Dilma em companhia de Collor e Sarney. Porém, ao observador mais atento não escapa o alcance do gesto. Trata-se de um preito de fidelidade à democracia e à liberdade. Mesmo se os que isso representam não são afinados ideologicamente com seu governo.
Nas mãos da Comissão, uma tarefa árdua, porém bela: mergulhar nos porões dos anos de chumbo, a fim de investigar o paradeiro dos desaparecidos durante este tempo. Trata-se de expor à luz do dia aquilo que a sombra e a mentira procuraram esconder. Assim fazendo, a Comissão poderá prestar um imenso serviço às novas gerações de brasileiros. E poderá, sobretudo, devolver a paz e a serenidade às famílias e amigos que têm que lidar constantemente, cotidianamente, com a angústia de uma ausência insepulta.
Explicitando os objetivos da Comissão, a presidente afirmou: “O grupo deve esclarecer casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres.” Radiografar o movimento que colocou o país sob o regime do terror e do medo, iluminar todos os processos que se encontram escondidos nas sombras da ambiguidade e da tergiversação, eis o que se espera da Comissão criada na última quarta-feira, dia 16 de maio.
Parece importante repetir para que não seja esquecido. Não se trata aqui de canonizar a vingança, o ódio. Nem se programa uma repetição da violência que já fez derramar tanto sangue e tantas lágrimas. Ao contrário, a motivação profunda na criação desta Comissão é ajudar o povo brasileiro a caminhar para um verdadeiro processo de reconciliação.
Pois não existe reconciliação possível se a verdade continua cativa da injustiça e amordaçada por um silêncio ignóbil. Não é possível caminhar para um processo maduro e sereno de recuperação da paz se as vítimas não puderem chorar seus mortos, saber onde estão, dar-lhes sepultura e inscrever seus nomes para sempre na memória que tece a trama da história.
Se não for buscada a verdade a todo custo e com todo empenho, o país continuará devedor das vítimas e de sua memória ferida, de seus familiares perpetuamente enlutados. Sua história não estará ainda passada a limpo. Pelo menos não totalmente.
Naquele tempo, Jesus de Nazaré encontrava-se diante do representante de César, a um passo da morte. Após declarar que viera ao mundo para dar testemunho da verdade e que todo aquele que era da verdade ouvia a sua voz, escutou a pergunta: “O que é a verdade?”
A resposta foi o silêncio. Diante da pergunta que revelava a não escuta da revelação anterior era inútil falar e insistir. Silenciosamente o Cordeiro de Deus selou seu destino testemunhando a Verdade com a paixão e morte de cruz. Mas aqueles que o viram morto e depois o experimentaram vivo entenderam que a verdade estava com ele e passaram a ser suas testemunhas. E proclamaram aos quatro cantos do mundo o poder libertador dessa verdade.
Assim esperamos que aconteça com a recém criada Comissão da Verdade. Que não recue, que não tema, que avance com coragem e firmeza em sua importante tarefa. O Brasil merece a devolução de sua história saneada pela verdade que liberta. A Comissão da Verdade é a condição de possibilidade de que isso aconteça. Obrigada, Presidente.
Autor: Maria Clara Bingemer