Série sobre os 50 anos do Vaticano II
Ao longo do mês de outubro estamos publicando vários textos sobre o Concílio Vaticano II para que você possa experimentar a importância deste Concílio no aprofundamento da nossa fé.
Hoje terminamos a série finalizando o texto do Dom Angélico Sândalo Bernardino, que foi publicado na Revista Vida Pastoral: Concílio da Primavera da Igreja!
Esperamos que você tenha gostado da série e nos envie seu comentário, através do formulário no final deste post, informando se o conteúdo publicado durante o mês de outubro ajudou de alguma forma na sua caminhada no segmento de Jesus.
Boa reflexão!!!
Concílio da Primavera da Igreja! (última parte)
6. Decretos e declarações
Além de suas quatro constituições, o concílio nos oferece nove decretos e três declarações que, nestes anos de intensa comemoração do jubileu de ouro, precisam ser considerados, aprofundados, em busca de novas perspectivas, avanços. São estudos a respeito do ministério e vida dos bispos, dos presbíteros, da formação sacerdotal, da vida religiosa, dos leigos no mundo, na Igreja, da Igreja missionária, do ecumenismo, do diálogo com não cristãos, da liberdade religiosa, da educação cristã, dos meios de comunicação social. Por sua urgência, algumas considerações sobre o ecumenismo, em que temos tido avanços e retrocessos. O Concílio Vaticano II instituiu a unidade dos cristãos como um de seus objetivos principais. Ele nos quer católicos firmes na fé e abertos ao diálogo, acolhedores, sem fechamentos e jamais sectários. Cristo fundou uma só e única Igreja. Através dos séculos, em razão de lamentáveis acontecimentos, essa unidade foi se quebrando. No diálogo ecumênico, o concílio nos recomenda constante renovação da Igreja, pois Cristo nos chama a perene reforma, à conversão da mente e coração; convoca-nos à oração comum entre as Igrejas. Exemplo positivo reside na Semana de Orações pela Unidade dos Cristãos. Insiste no respeito mútuo, em projetos de aprofundamento bíblico, teológico e no campo social. No Brasil, o abençoado Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic) abraça todos esses objetivos, sendo preciosa associação fraterna de Igrejas cristãs!
7. Existimos para evangelizar!
O Concílio Vaticano II foi convocado e realizado com o objetivo fundamental de desencadear na Igreja vigorosa convocação de todos para a missão evangelizadora. Paulo VI foi incisivo ao afirmar: “Os objetivos do Concílio Vaticano II se resumem, em última análise, num só intento: tornar a Igreja do século XX mais apta ainda para anunciar o evangelho à humanidade do mesmo século XX”. Em significativos momentos da história, a Igreja reuniu todas as suas forças, voltando-as à nova evangelização. Assim sucedeu no final do primeiro milênio, quando países da Europa foram reevangelizados. O mesmo se diga do período após o Concílio de Trento. O Sínodo dos Bispos de 1975 teve como tema: “A evangelização do mundo contemporâneo”. O sínodo que o papa Bento XVI convocou para 2012 quer “nova evangelização para a transmissão da fé”. As conferências dos bispos da América Latina e Caribe foram na mesma linha; a de Santo Domingo teve como tema: “Nova evangelização, promoção humana e cultura cristã” e a de Aparecida: “Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que nele nossos povos tenham vida”. Bento XVI e João Paulo II convidam a Igreja toda, em nossos dias, “à nova evangelização; nova no vigor, métodos e manifestações”. Bento XVI criou o Pontifício Conselho para a Nova Evangelização. A CNBB, por sua vez, no objetivo geral da ação evangelizadora da Igreja no Brasil, proclama seu compromisso de “evangelizar a partir de Jesus Cristo e na força do Espírito Santo, como Igreja discípula, missionária e profética, alimentada pela palavra de Deus e pela eucaristia, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para que todos tenham vida (Jo 10,10), rumo ao reino definitivo”. Mais, o Vaticano II abre de par em par as portas da Igreja para o mundo todo, abraçando a ordem de Jesus: “Vão pelo mundo todo, anunciem o evangelho”. Na América Latina e Caribe, a Conferência de Aparecida nos convoca à missão continental, visando, em primeiro lugar, atingir os católicos afastados e levandolhes, pelo testemunho de vida, a palavra de Vida Pastoral – janeiro-fevereiro 2012 – ano 53 – n. 282 7
Deus que salva, ilumina, conforta. Para que isso aconteça, a convocação de discípulos missionários é abrangente, com o compromisso de formação ampla, aprofundada, para todos. Toda a Igreja é convidada a “assumir atitude de permanente conversão pastoral, que implica escutar com atenção e discernir o que o Espírito está dizendo às Igrejas” (DAp 366), por meio dos sinais dos tempos em que Deus se manifesta. “A conversão pastoral de nossas comunidades exige que se vá além de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária” (DAp 370). Daí nasce para a Igreja, na fidelidade ao Espírito que a conduz, “a necessidade de uma renovação eclesial que implica reformas espirituais, pastorais e também institucionais” (DAp 367; cf. DAp 365-370). Infelizmente, a Conferência de Aparecida não apontou, concretamente, quais são as mais urgentes reformas de que temos necessidade!
8. Pesquisa: crescimento de Igrejas
A esta altura, julgo oportuno apresentar dados da pesquisa que propõe oito padrões de qualidade para a Igreja local (o resultado da pesquisa está relatado no livro O desenvolvimento natural da Igreja, publicado pela Editora Esperança). Os estudiosos Christian A. Schwarz e Christoph Schalk fizeram, durante dez anos, em conjunto com a Universidade de Würzburg, na Alemanha, um levantamento em mais de mil Igrejas, em 32 países dos cinco continentes, com o objetivo de descobrir elementos que promovam ou não o crescimento de Igrejas, e chegaram à conclusão de que são oito os fatores principais:
1. Liderança capacitadora;
2. Ministérios orientados pelos dons;
3. Espiritualidade contagiante;
4. Estruturas eficazes;
5. Culto inspirador;
6. Pequenos grupos, células familiares;
7. Evangelização orientada para as necessidades concretas das pessoas;
8. Relacionamentos marcados pelo amor fraternal.
É interessante também o testemunho de um membro da Igreja Batista, presente à Conferência de Aparecida como observador. Ao meu lado, em subcomissão, a certa altura ele confidenciou: “Tenho viajado pela América Latina toda e visitado muitas Igrejas da Reforma e também católicas, constatando que as Igrejas que mais crescem, que têm mais vida, são as marcadas por estas quatro características: abraçam com vigor a pastoral bíblica, realizam vibrantes celebrações litúrgicas com intensa participação dos fiéis, convocam e formam leigos(as) para a missão, têm gestos de solidariedade para com os que sofrem”.
9. Diálogo e reformas
O Vaticano II usou muito a palavra diálogo, com a consciência de que estava realizando uma mudança radical. Atitude dialogante que se torna ainda mais urgente nos tempos que correm, em que crescem a tentação e a prática do fechamento, do estrelismo, do centralismo, do autoritarismo. O diálogo exclui atitudes narcisistas, centralizadoras, autoritárias. Na concepção do concílio, o diálogo deve substituir as relações de dominação e superioridade. Diálogo que exige fidelidade à palavra de Deus e humildade para escuta atenta de quem age e pensa diferentemente, com honestidade, buscando a verdade. O papa Paulo VI, durante o desenrolar do concílio, escreveu no dia 6 de agosto de 1964 sua primeira carta encíclica, justamente sobre o diálogo. Nessa carta, denominada Ecclesiam Suam, Paulo VI chama nossa atenção para o diálogo com todos, marcado com estas características: clareza, mansidão, confiança, prudência.
Nesse espírito é que ouso apresentar algumas sugestões de urgentes mudanças, pois, se não mudarmos atitudes, estruturas, linguagem, corremos o risco de não ser entendidos no mundo de hoje, de falar para nós mesmos.
Antes, porém, de apresentar sugestões para mudanças de comportamento, de estruturas, em nossa mãe e mestra, a Igreja, convém recordar as condições para reformas bemsucedidas, sugeridas pelo grande teólogo Yves Congar:
1. Primazia da caridade e da pastoral;
2. Manter-se em comunhão com o todo: nunca se deve perder o contato vivente com todo o corpo da Igreja;
3. Paciência e respeito para com prazos da Igreja;
4. Apostar na reforma como retorno aos princípios da Tradição, às fontes, à Bíblia, a Jesus. Isto posto, vão algumas sugestões:
1. Reforma inadiável: urgência de sermos santos, de abraçarmos com entusiasmo o desafio-convite de Jesus: “Sejam perfeitos, como o Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). Necessidade de trabalharmos por sólida espiritualidade, por mística verdadeiramente contagiante.
2. Urgência de Igreja “com fome e sede de justiça”, com autêntico protagonismo dos leigos.
3. Igreja intensamente ministerial, com viva participação de leigos e leigas exercendo ministérios,serviços, em decorrência da exigência do batismo e da crisma.
4. A paróquia é convocada a ser rede de comunidades articuladas, abraçando o de Pastoral de Conjunto da diocese. (Não podemos esperar reformas em outros níveis quando, nos campos de nossa competência, somos pouco criativos, omissos até.)
5. Toda comunidade deve ter a possibilidade de participar efetivamente da eucaristia. Para isso, ao lado de presbíteros celibatários, temos urgência de chamar homens casados, de comprovada vida cristã familiar, profunda vivência comunitária, competência profissional, para serem ordenados presbíteros. Milhares de comunidades estão privadas da santa missa dominical por falta de presbíteros.
6. Estudar e redefinir a missão, o papel, da Nunciatura Apostólica. Não podemos continuar com a sistemática presente na nomeação, na transferência de bispos. Não é possível, por exemplo, que dioceses fiquem por tanto tempo sem bispo diocesano.
7. Estudar com atenção, na prática de Jesus, o papel da mulher na Igreja. Nada de ficarmos amarrados a atitudes culturais, marcadas por intenso machismo, com o qual Jesus não compactuou em seu tempo.
8. A comunhão e a participação são realidades preciosas, devendo ser respeitadas em todos os níveis da Igreja. A comunhão com o papa é fundamental. A comunhão na Igreja toda é mandamento de Jesus. Contudo, precisamos respeitar os diversos níveis de decisão. Colocar tudo nos ombros da Cúria Romana é ceder a um centralismo que já não funciona. Confunde-se comunhão com centralização, com cerceamento das atribuições que devem ser de responsabilidade das conferências episcopais, das dioceses.
9. A Igreja nas metrópoles deve ter consideração especial. Uma diocese na metrópole não pode ser tratada pastoralmente, no governo episcopal, como pequena diocese do interior.
10. Estruturas e instrumentos de participação devem ser criados, valorizados. Conselhos de presbíteros, de leigos, de pastoral, de administração, entre outros, precisam funcionar com competência, liberdade de expressão. O instinto de autoafirmação, quando não posto a serviço da verdade buscada em comunidade, descamba em autoritarismos, criando burocratas, não pastores.
11. O jurídico deve estar a serviço da comunhão, não o contrário. “O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado” (Mc 2,27). Em amplas áreas, vivemos o império do jurídico, esquecidos, na prática, de que “devemos ter diante dos olhos a salvação das pessoas, que, na Igreja, deve ser sempre a lei suprema” (Cân 1.747).
12. Os teólogos são merecedores de apoio, incentivo real.
13. Urgentes questões referentes a ética, matrimônio, sexualidade, natalidade, segundas núpcias e recepção da eucaristia precisam de tratamento pastoral, teológico, sociológico, psicológico, afetivo, congregando o parecer, as declarações, não somente de ministros ordenados, mas também de leigos(as) que amam a Igreja, são peritos e vivem imersos na dura e complexa realidade.
Ele caminha conosco!
É maravilhoso constatarmos que o Senhor Jesus, fiel à sua palavra, caminha com sua Igreja, está no meio de nós! Seu Espírito nos une, vivifica, santifica, renovando a face da terra! Confiantes, vamos avante, de esperança em esperança, na esperança sempre!
Dom Angélico Sândalo Bernardino
Bispo emérito de Blumenau
Veja os outros textos da série:
Concílio da Primavera da Igreja! (1ªparte)
A memória do Concílio Vaticano II
História do Concílio Vaticano II
Papa: Concílio Vaticano II, imagem da Igreja de Jesus Cristo que abraça todo o mundo