A voz do pastor – Março 2013

Publicado em 03/03/2013 | Categoria: Notícias |


“Sempre mais alto, cada vez mais “

 Annuntio vobis gaudium Magnum…Anuncio-vos uma grande alegria…

De tempos em tempos, o mundo ouve as palavras do anjo aos pastores na noite de Natal: o cardeal decano surge no balcão da Basílica de São Pedro, em Roma, para anunciar ao mundo católico que ele acabou de ganhar um novo papa. Annuntio vobis gaudium Magnum: habemus papam! No dia 19 de abril de 2005, foram as mesmas consagradas palavras que o mundo ouviu do mesmo balcão, depois da mesma fumaça branca, quando foi anunciado que o cardeal Joseph Ratzinger era o novo pontífice, o 265º na sucessão dos papas: Bento XVI. Não faz tanto tempo. As lembranças ainda estão vivas.

Na segunda-feira, 11 de fevereiro, pego de surpresa, ouvi alguém dizer que seria necessário inventar uma nova fórmula para desanunciar o que fora anunciado oito anos atrás. Reunido com os cardeais, em consistório, o papa Bento XVI havia anunciado ao mundo que renunciava ao ministério petrino, com dia e hora marcados: 28 de fevereiro de 2013, às 20 horas, horário de Roma.

Ficamos perplexos!

Certo. Já houve renúncias papais anteriores. O papa Ponciano precisou renunciar em 235, quando foi exilado pelo imperador romano. Ele morreu de esgotamento nas minas da Sardenha. Celestino V, outro exemplo, ficou apenas alguns meses no papado em 1294: abdicou e foi viver vida contemplativa num mosteiro. Os dois foram canonizados pela Igreja. Mas, agora, como assim?

Era preciso entender o que estava acontecendo. O papa Bento XVI fora eleito não por ser o homem mais preparado do momento, não por dominar seis idiomas modernos. Havia questões de fé envolvidas naquela eleição. Mas o papa Bento XVI renunciou. E renunciou não por ser membro de várias academias científicas da Europa e ter recebido oito doutorados honoríficos de diferentes universidades. Nem por ser pianista nem o primeiro papa a usar um Ipod nem o primeiro a ter uma página nas redes sociais. Não.

As mesmas questões de fé que envolveram a eleição, envolvem agora a renúncia. Ele foi eleito por ser fiel, ele renunciou para continuar sendo fiel. Quando viu que as forças estavam no limite, e que corria o risco de ser mais peso do que alavanca, olhou para dentro de si, consultou Deus em sua própria consciência e decidiu que era hora de sair de cena. Podemos esperar que o mundo entendesse? Não. Um mundo cujo primeiro atrativo é o poder jamais estará à altura de compreender que alguém abriu mão do poder, por iniciativa própria, para ser fiel.

Então, aproveito para responder a todas as pessoas que não entenderam o gesto, que a mesma aclamação de oito anos atrás mantém a sua validade única, sobretudo, agora: Anuncio-vos uma grande alegria! Sim. Porque nós convivemos, de perto ou de longe, com um papa que sobreviveu a si mesmo, aos seus medos, aos seus sonhos e às suas expectativas. O sobrevivente da mais dura guerra de todos os tempos, vai sobreviver, mais uma vez.

Quando o menino Joseph Ratzinger nasceu, sua nação estava empobrecida e humilhada; quando ele tinha 12 anos a sua terra, dominada por um louco, foi levada a fazer guerra ao mundo; quando ele tinha 16 anos foi obrigado a trabalhar numa fábrica de armamentos e quando tinha 18, seu país estava de novo destroçado e mergulhado na mais densa escuridão dos tempos. Entre 8 de maio e 18 de junho de 1945 ele foi recolhido a um campo de prisioneiros: a guerra havia terminado, eles eram os perdedores.

Ele tinha todos os motivos do mundo para ser mais um dos bêbados de rua. Durante sua juventude inteira ele cresceu e se tornou adulto ouvindo o mundo esbravejar contra o seu povo, seu nome, sua nação. Eles não eram apenas os perdedores, eles eram os desgraçados perdedores. Nunca ninguém pensou nisso. E o que ele fez? Ele se ergueu nos escombros e olhou para o alto. Ele sempre olhou mais alto.

Anuncio-vos uma grande alegria! Porque aquele rapaz, em 1951, com 24 anos se torna sacerdote. E depois professor. E logo, em 1963, ele se encontra em Roma, como perito conciliar do cardeal Joseph Frings, de Colônia, que foi quem apresentou a proposta de que a missa fosse celebrada na língua do próprio povo. Em 1972, junto com os teólogos Hans Urs von Balthasar e Henri De Lubac, ele fundou a revista Communio, marco de uma época, justamente, para incrementar as propostas do Concílio Vaticano II. Ele olhou para o alto.

Anuncio-vos uma grande alegria! Quando no dia 19 de abril de 2005 ele se mostrou pela primeira vez à janela do mundo, foram essas as palavras com que se apresentou: “Depois do grande papa João Paulo II, os senhores cardeais elegeram a mim, um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor.” E foi sempre essa a impressão que eu tive dele, nas vezes que lá estive com ele. Ele era mesmo apenas aquilo que sempre se propôs a ser: um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor. Quando viu que a vinha precisava de braços e, sobretudo, de pernas mais fortes, não teve dúvida. Decidiu continuar cuidando da vinha de outra forma e em outro lugar, porque braços e pernas podiam estar pesados, e o corpo, fragilizado, mas a mente, essa, segue lúcida e firme, em frente, e olhando para o alto, sempre mais alto.

A não ser os mais velhos – eu próprio não vi – quem assistiu a coroação solene de um papa lembrar-se-á disso. A última vez foi em 1963. Numa procissão solene, carregado numa cadeira, seguia o papa para receber a tiara, a tríplice coroa de todos os poderes. Os tempos eram outros! De repente, estancava-se a procissão por três vezes, silenciavam-se todas as vozes e todos os cantos, e nas três vezes, um monge se aproximava, queimava um pedaço de estopa e dizia: Sic transit gloria mundi – Assim passa a glória do mundo. Nenhum papa que eu tenha conhecido talvez tenha tido maior consciência da transitoriedade das coisas. Elas passam. Tudo passa. Ele sabe disso.

Se a Igreja é uma família – e ela é uma família! – então, não perdemos um pai, nós ganhamos um avô. Um avô como aqueles que moram longe (já velhinho), que a gente quase nunca visita, mas de quem guarda as mais doces recordações da infância. Foi ele quem nos ensinou a olhar para o alto, mais para o alto.

Annuntio vobis gaudium Magnum. Tivemos um papa santo. Aliás, desde que conheço a Igreja, só tivemos papas santos: Beato João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, Beato João Paulo II. A História é grande leitora. Só ela sabe ler. Mas ela precisa de distância. Ela não consegue ler quando os fatos ainda estão colados, como nós não conseguimos ler quando as letras estão encostadas no nariz.

Quando a História mais tarde ler o que acabou de acontecer, não se espantem: nós vivíamos com um grande homem, tão grande que nunca fez questão de ser. Aliás, pensando bem, quem sabe foi isso mesmo o que aconteceu. Quem sabe e desde sempre, outra coisa ele não tenha almejado ser, senão isso: apenas bento. Viva, abençoado Bento. Viva e nos ensine a viver, e a olhar para o alto, e mais alto, cada vez mais.

+ Dom José Francisco Rezende Dias

Arcebispo Metropolitano de Niterói



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