A sociedade de consumo e o descarte de resíduos
Um grave problema ambiental decorrente dos hábitos da sociedade contemporânea é o consumismo desenfreado e a geração de resíduos decorrente dele. A pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Flávia Passos Soares, apresentou uma discussão riquíssima em sua tese de doutorado que versa sobre a descartabilidade do humano e a dinâmica do consumismo na globalização. Segundo a autora, a descartabilidade surge na sociedade através da relação histórica que se estabeleceu entre prazer e consumo privado, e ainda, por meio da expansão ilimitada da produção de bens em relações de mercado. Dessa forma, o consumo conseguiu se estender a todos os registros da história, comunicação e cultura e adquiriu um status de prioridade perante os demais valores, pois são aceitos quaisquer meios para acessar o estilo de vida invejado socialmente, que depende do consumo constante de inúmeros produtos e serviços cada vez mais atraentes.
A sociedade de consumo é construída desde a base, por meio de investimentos nas gerações por vir. O filósofo e pesquisador Noam Chomsky aponta “o poder da indústria de propaganda, ao destacar que nos EUA, um em cada seis dólares é gasto em marketing, e que o bombardeio diário de publicidade e propaganda pela televisão atua no homem moderno desde a infância. Com isso, as crianças são educadas nos ideais da cultura de consumo, e irão se transformar em indivíduos passivos, isolados e com pouca oportunidade de escolha”.
Com a função de induzir ainda mais ao consumo, o mercado passa então a elaborar produtos adequados a essa população consumista. Segundo Flávia Soares, “o ritmo acelerado de descarte ditado pelo mercado imprime uma obsolescência programada aos artigos à venda. A não durabilidade pela falta de qualidade dos materiais garante o retorno dos consumidores em busca de outros produtos, novos, que certamente serão mais modernos em algum detalhe. Em geral, não se busca consertar nada. É mais fácil jogar fora e comprar novo. Além dessa descartabilidade a curto prazo, existe também aquela imediata, derivada de produtos fabricados para serem usados uma única vez, como copos de plástico, garrafas ‘PET’ etc., que geram um grave problema ambiental“.
Essa mentalidade de consumo sem preocupações com os descartáveis é impregnada na sociedade de consumo, que perde completamente as rédeas quanto aos limites de descartabilidade. Naturalmente, é muito mais simples consumir o produto desejado e descartar as sobras ao final. O grande impasse existente é como compatibilizar a geração desses resíduos com a capacidade de armazenamento e de suporte do ambiente.
Em uma sociedade que sempre disponibiliza um novo produto como a melhor alternativa face à substituição ou reparação de um produto existente, viabilizando, portanto, o descarte, a lógica de reaproveitamento dos resíduos passa a ser uma prática adotada apenas em épocas de crise econômica ou em momentos especiais. A alternativa de usufruir deste recurso como fonte de renda sobra, então, para a classe mais excluída e sem alternativas de sobrevivência. Desta forma, passa a existir uma classe de trabalhadores que tem como matéria-prima a parcela reciclável dos resíduos sólidos urbanos, mesmo estes estando dispostos em lixões.
Vários problemas estão relacionados com a geração de resíduos sólidos urbanos, e o aumento desenfreado da produção destes resíduos tende a uma situação insustentável no que diz respeito à sua gestão. O aumento da população observado nas últimas décadas remete à ampliação direta da geração de resíduos, justamente devido às necessidades de cada pessoa. Essa situação se torna ainda mais complexa na sociedade da descartabilidade, que não assume responsabilidades sobre a geração e destinação dos restos.
Ainda há muito que se discutir sobre esta questão, principalmente no que se refere às mudanças de hábito da sociedade frente ao equilíbrio ambiental do planeta.
Autor: Marcos Mol
Fonte: Unisinos/ Amai-vos