A eucaristia e o corpo feminino

Publicado em 28/05/2013 | Categoria: Notícias |


   

  A Eucaristia não é um ritual íntimo e privado. Pelo contrário, tem implicações profundas e radicais nos níveis antropológicos e sociais.

Além disso, o núcleo do mistério – que a Igreja celebra como o ápice da fé e sacramento da salvação e do amor – pode ser lida a partir de diferentes perspectivas teológicas. Aqui optamos por fazer isso a partir da perspectiva do corpo feminino. Nossa intenção é demonstrar a afinidade simbólica estreita entre a Eucaristia e o corpo feminino, bem como as implicações políticas desta afinidade.

Hoje podemos ver que a presença real das mulheres em espaços públicos tem crescido consideravelmente. Isso é verdade na Igreja,

bem como na reflexão teológica ou orientação espiritual. O fato é que, em todos os casos, a presença das mulheres dentro do social e dos organismos eclesiais aumentou de forma notável. Além disso, a maneira como as mulheres “experienciam” Deus e pensam sobre o mistério de Deus está sendo considerada cada vez mais como um objeto de trabalho acadêmico que inspira toda a vida da Igreja.

Em um universo onde o corpo é tão visível e, principalmente masculino, as mulheres entram como um fator perturbador. Este “problema” ocorre porque seus corpos são “outros”, expressando e tornando visível a experiência de Deus, o pensamento e o discurso sobre Deus, de uma forma diferente e particular. O corpo feminino torna-se então a condição de possibilidade de as mulheres introduzirem uma identidade específica para a discussão sobre espiritualidade, misticismo, e teologia.

Este corpo feminino tem sido o “lugar” em que as mulheres exibem as suas experiências de ser “presença real” de Cristo no mundo e na Igreja.

No entanto, esses mesmos corpos têm sido, em várias ocasiões, fonte de discriminação que as mulheres sofreram e continuam a sofrer na Igreja. Este é um fato terrível, que exige séria reflexão. Se é possível lutar contra a discriminação intelectual (pelo acesso a estudos e de formação), contra a injustiça profissional (buscando especialização e provar capacidade), o que se pode fazer com o próprio corpo? Além disso, as mulheres devem negar e ignorar seus próprios corpos, criados por Deus para ser honrados e entrar em profunda comunhão com o Criador?

As mulheres têm uma maneira de experimentar e falar sobre suas experiências espirituais, que são inseparáveis de seus corpos. Apresentam e tornam visível a própria corporeidade, quando falam sobre o mistério de Deus, introduzindo uma novidade para a compreensão da vida espiritual e da ação do Espírito de Deus no mundo. Além disso, esse mesmo mistério de Deus, afetando e configurando a corporeidade sexuada criada da mulher, revela outros aspectos de sua identidade que enriquecem o Povo de Deus.

Há uma dimensão da vida cristã em que as mulheres surgem como sujeitos privilegiados, e esta é a identificação da sua corporeidade com o sacramento da Eucaristia. O corpo feminino é a expressão exata do sacramento em termos de transubstanciação” e “presença real” em que o corpo e sangue do Senhor sob as espécies do pão e do vinho, são dadas ao povo como comida e bebida. Alimentar outros com o próprio corpo é a suprema forma que o próprio Deus escolheu para estar definitiva e sensivelmente presente no meio do seu povo. O pão que partimos e consumimos, que confessamos ser o corpo de Jesus Cristo, remete-nos para o grande mistério da sua encarnação, morte e ressurreição. É sua pessoa dada como alimento, é a sua vida corpórea feita fonte de vida para os irmãos.

Antropologicamente, as mulheres são as que têm em sua corporeidade a possibilidade física de viver e proclamar a ação divina realizada na Eucaristia. Durante todo o processo de gestação, parto, proteção e alimento da vida nova, temos o sacramento da Eucaristia, o divino ato por excelência, acontecendo de novo e de novo.

Por isso, por causa de sua vocação eucarística expressa corporalmente, as mulheres hoje são chamados a reinventar e recriar, no interior do Povo de Deus, uma nova forma de serviço e ministério. Seus corpos, fonte de tanta desconfiança e preconceito ao longo da história, são uma forma poderosa e iluminadora para uma Igreja que busca uma linguagem e uma imagética nova para comunicar-se em um mundo secularizado e plural.

Autor: Maria Clara Bingemer

Fonte: Amai-vos



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