O que a pobreza pode nos ensinar

Publicado em 18/06/2013 | Categoria: Notícias |


'Quando o papa fala dos pobres, ele certamente o faz recordando rostos e situações concretas'

Por Bruno Forte

“Não te esqueças dos pobres”. Esse foi o convite que um amigo fraterno, o cardeal franciscano Claudio Hummes, fez a Jorge Mario Bergoglio no momento da eleição a bispo de Roma e sucessor de Pedro. O papa Francisco não se esqueceu desse convite, ao contrário, fez dele uma das prioridades do magistério da palavra e da vida, que ele oferece com fidelidade cotidiana à Igreja.

Parece-me que vale a pena refletir sobre esse apelo, que revela uma característica nada secundária do pontificado desse papa que “veio do fim do mundo”. Em particular, parece-me importante considerar três aspectos da pobreza: o seu rosto negativo, que se expressa na miséria que aflige uma enorme parte da humanidade, posta sob os holofotes da mídia; a pobreza como valor e como escolha de vida; e, enfim, a solidariedade que a atenção aos pobres exige, com as formas em que ela é chamada a se traduzir para ser verdadeira e eficaz.

A pobreza como miséria ofende a dignidade do ser humano: como tal, deve ser combatida e vencida. Para que isso ocorra, é preciso conhecer a condição de privação e de autêntica miséria em que tantos seres humanos vivem. São os seus rostos, as suas histórias que devem nos desafiar. É por isso que, falando há alguns dias aos estudantes das escolas dirigidas pelos jesuítas na Itália e na Albânia, o Papa Francisco disse: “Não se pode falar sobre a pobreza, de pobreza abstrata; esta não existe! A pobreza é a carne de Jesus pobre, naquela criança que tem fome, em que está doente, naquelas estruturas sociais que são injustas. Vão, olhem lá a carne de Jesus…”.

Fica claro a partir dessas palavras que os pobres e a miséria não constituem uma categoria abstrata na mente desse papa, que não por acaso escolheu o nome do amigo da Irmã Pobreza: quando ele fala dos pobres, ele certamente o faz recordando rostos e situações concretas, aos quais se fez próximo na sua vida de discípulo de Jesus, comprometido a segui-lo nos contextos muitas vezes tão complexos e contraditórios da América Latina. Por isso, sente-se nas suas palavras a força daquela “carne de Jesus”, que ele aprendeu a reconhecer e amar nos pobres.

Referindo-se, por exemplo, ao desperdício alimentar, presente nos grandes países da sociedade afluente, e que parece ainda caracterizar grandes camadas sociais, mesmo neste tempo de vacas magra, o bispo de Roma não hesitou em dizer que a comida jogada fora é um furto feito aos pobres.

Enquanto a sociedade do bem-estar parece declinar sob os golpes da crise e das mentiras que a geraram – começando pela ilusão de que economia virtual das finanças e economia real da produção fossem a mesma coisa –, esse papa de coração grande dá voz a quem não tem voz e lembra a todos nós, muitas vezes distraídos por estarmos concentrados somente nas nossas medidas, o vasto mundo de quem não tem nada ou tem muito pouco para sobreviver.

Só esse convite simples e concreto a tornar a miséria dos últimos uma prova decisiva para verificar a verdade dos nossos valores e das metas às quais tendemos me parece ser um extraordinário aguilhão para a mudança dos estilos de vida e das atitudes do coração.

Justamente assim, o Papa Francisco nos ajuda a descobrir a pobreza como valor. Ele fez isso com palavras tocantes, falando de improviso às milhares de crianças e jovens presentes no encontro mencionado: “Não deixem que o espírito de bem-estar lhes roube a esperança, espírito que, no fim, leva você a se tornar um nada na vida! O jovem deve apostar nos altos ideais: esse é o conselho. Mas a esperança, onde eu a encontro? Na carne de Jesus sofredor e na verdadeira pobreza. Há uma ligação entre as duas”.

Como se dissesse: onde está o seu tesouro, ali está o seu coração! Se você coloca a sua fé em Cristo e orienta a Ele as suas escolhas de vida, então você não poderá perseguir o dinheiro como valor ao qual se deve finalizar todas as coisas. Então você entenderá que há um tesouro muito maior do que uma conta bancária, e este é o dom de si mesmo vivido pelos outros e a partilha do que você tem com aqueles que não têm nada. Segue-se daí um estilo, feito de esperança teologal e de caridade vivida, de sobriedade de costumes e de alegria de dar.

A falsa imagem da pessoa de sucesso, identificada com quem se conforma aos modelos padrões da sociedade de consumo, deve dar lugar à verdade de quem se põe em jogo pelos outros e não hesita em se sacrificar, pagando pessoalmente. A máscara satisfeita e persuasiva do homem ou da mulher de sucesso deve empalidecer diante da coragem humilde daqueles que aprendem a conhecer os pobres e a amá-los, doando a si mesmo e sentindo como ofensa a eles toda ostentação de riqueza ou de poder. Não se trata, em suma, de parecer pobre, mas sim de sê-lo nas escolhas profundas do coração para dar o primado ao verdadeiro tesouro, a caridade recebida de Deus e vivida pelos outros.

Há, enfim, o rosto ativo dessa pobreza escolhida por amor: a solidariedade para com aqueles que são fracos e o compromisso a serviço da justiça para todos. Aqui também não se trata de perseguir sonhos ideológicos que deixam as coisas como estão ou, pior, agravam-nas com a violência típica de quem quer mudar o mundo para conformá-lo à sua própria cabeça.

“A pobreza – dizia ainda o papa Francisco aos jovens que o ouviam extasiados – nos chama a semear esperança, para que eu também tenha mais esperança. Isso parece um pouco difícil de entender, mas eu me lembro que o Padre Arrupe uma vez falava de como se deve estudar o problema social e dizia: não se pode falar de pobreza sem ter a experiência com os pobres”. Querer fazer algo verdadeiro pelos outros e fazê-lo: eis o desafio concreto da solidariedade. De grandes palavras e de méga récits o século XX foi pródigo.

Agora é hora dos fatos: é preciso relançar o voluntário, a paixão pelo bem comum, a vontade de promover a pessoa humana em toda a sua dignidade e em toda situação em que esta é pisoteada. Merecem ser ouvidas as palavras ditas pelo papa há alguns dias em uma das homilias de Santa Marta: “Não leveis nem ouro, nem prata, nem dinheiro em vossos cintos. Isso significa que o Reino de Deus deve ser proclamado com a simplicidade (…) que abre espaço para o poder da Palavra de Deus”, e não de qualquer grandeza humana. O serviço aos pobres “nasce da gratuidade do estupor da salvação que vem… aquilo que eu recebi gratuitamente eu devo dar gratuitamente”.

Além disso, continuou o papa Francisco, “São Pedro certamente não tinha uma conta no banco”, e quando teve que pagar os impostos “o Senhor o mandou ao mar para pescar”. Quem testemunha o Evangelho deve poder dizer: “Eu não tenho riquezas, a minha riqueza é apenas o dom que eu recebi, Deus”. É essa “pobreza” que “nos salva de nos tornarmos somente organizadores ou empresários”. Mesmo as obras da Igreja devem ser vividas “com coração de pobreza (…) porque a Igreja nasce dessa gratuidade recebida e anunciada”.

Uma Igreja que se torna “rica” ou que perde a “gratuidade” é uma Igreja que “envelhece” e, no fim, morre. E me parece que isso não vale apenas para a Igreja.

Il Sole 24 Ore, 16-06-2013.

Fonte: Dom Total

 



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