O retorno da Igreja aos pobres
O tema traz uma grande esperança às pessoas, pois trata-se de um sinal do nosso tempo
Por Enzo Bianchi
Na época do Concílio, entre os cristãos estavam vivas uma atenção e uma exigência: uma atenção aos pobres e uma exigência de pobreza na Igreja. Desde sempre, a Igreja sentiu que na mensagem do Evangelho os pobres ocupam um lugar privilegiado, que são os primeiros clientes de direito da boa notícia, que na atitude com relação a eles, necessitados e últimos, se decide a participação no reino de Deus ou a via mortífera que não conhece a verdadeira vida.
Mas naquela época se compreendia de modo mais aprofundado que a Igreja devia ser pobre. “Por uma Igreja serva e pobre” era o título de um livro de Yves Congar, um dos maiores inspirações do Concílio, e a recepção dessa mensagem foi tal que até foi constituído um grupo de bispos comprometidos com uma pobreza pessoal e com um estilo pobre da pastoral a eles confiada.
Era a época da emergência dos pobres no Sul do mundo, a época da descoberta das jovens Igrejas saídas do colonialismo e às quais devia ser dada uma atenção não apenas missionária, mas também às suas condições de vida e ao seu possível desenvolvimento. Uma Igreja pobre e composta por cristãos pobres, à imagem de “Jesus”, que “sendo rico se fez pobre” (2Cor 8, 9), para ser solidária em tudo com nós, seres humanos necessitados de salvação e de libertação.
Quantas vezes, então, ouvimos ressoar o texto das bem-aventuranças nas comunidades cristãs, quantas vezes eram citados os Padres da Igreja – Basílio de Cesaréia, João Crisóstomo, Ambrósio de Milão, Gregório Magno – pelas suas palavras sobre os pobres, sobre a necessidade de compartilhar os bens e os recursos!
Havia um acalorado debate sobre a questão da pobreza e dos pobres em inúmeras comunidades. E não podemos esquecer que alguns pastores deram às suas comunidades cristãs textos de alta qualidade teológica, textos proféticos que receberam a atenção e a aprovação de Paulo VI, ele também muito sensível à questão da pobreza no mundo. Em Roma, o abade de São Paulo Fora dos Muros, Giovanni Battista Franzoni, com La terra è Dio; em Turim, o cardeal Michele Pellegrino, com Camminare insieme; só para citar dois textos que para os cristãos na Itália foram inspiradores de muitas escolhas pessoais e comunitárias.
Assim, na Igreja elaborou-se a doutrina da “opção preferencial pelos pobres”, em que a opção era um dever moral, e esse pareceu se tornar, na Igreja universal, um princípio fundamental da doutrina social da Igreja.
Em seguida, devemos reconhecer, principalmente o tema da Igreja pobre, pareceu desaparecer do horizonte eclesial, tanto que houve quem escrevesse: “Eu não quero uma Igreja pobre, mas sim uma Igreja mais rica, de modo que possa fazer mais bem aos pobres”. Terrível mal-entendido do Evangelho, mas sempre possível também por parte daqueles que, na Igreja, deveriam estar entre os seus primeiros intérpretes…
E pensar que o Concílio tinha chegado a afirmar: “Como Cristo realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, assim a Igreja é chamada a seguir pelo mesmo caminho para comunicar aos homens os frutos da salvação” (Lumen gentium, 8); e ainda: “A Igreja usa das coisas temporais, na medida em que a sua missão o exige. Mas ela não coloca a sua esperança nos privilégios que lhe oferece a autoridade civil; mais ainda, ela renunciará ao exercício de alguns direitos legitimamente adquiridos, quando verificar que o seu uso põe em causa a sinceridade do seu testemunho ou que novas condições de vida exigem outras disposições” (Gaudium et Spes, 76).
Houve um longo silêncio sobre o tema da Igreja pobre e para os pobres. É preciso reconhecer a verdade: nas nossas Igrejas (não nas do Sul do mundo), a questão não se tornava mais interessante. Permitam-me testemunhar que, principalmente desde 1990, quando propus para uma conferência o tema bíblico dos pobres ou da pobreza, sempre me opunham uma rejeição, dizendo que não era um tema atual e comunitariamente sentido.
E eis o advento do papa Francisco (cujo nome lembra a todos o Poverello e a santa pobreza), que desde o início do seu ministério proclamou: “Ah, como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres” (Audiência aos representantes da mídia, 16 de março). E a partir daquele momento todas as vezes que tem a oportunidade, Francisco insiste nos pobres, até afirmar recentemente: “A comida que é jogada fora é como se fosse roubada da mesa de quem é pobres” (Audiência geral, 5 de junho) e ainda: “Acima de tudo, é preciso ir ao encontro dos pobres (…) o primeiro passo é sempre a prioridade aos pobres” (Congresso da Diocese de Roma, 17 de Junho).
Esse retorno do tema dos pobres e da pobreza é uma grande esperança para a Igreja e para as pessoas, porque – como defendia Marie-Dominique Chenu – o grito dos pobres do mundo e a capacidade da Igreja de ouvi-lo é um dos grandes sinais do nosso tempo.
É o Evangelho que volta. Já escrevemos e reescrevemos várias vezes: as brasas sob as cinzas são fogo, basta que alguém com um pequeno ramo mova as cinzas, e eis que o fogo arde novamente. O Evangelho é esse fogo frequentemente coberto pelas cinzas da Igreja e dos cristãos, mas, se alguém remove as cinzas, o Evangelho volta novamente a brilhar. Nós ficamos felizes com isso e por isso agradecemos o Papa Francisco: uma Igreja pobre e para os pobres é a Igreja de Jesus, é uma Igreja sempre composta por pecadores, mas capaz de levar a boa notícia aos pobres assim como o próprio Jesus fez (cf. Lc 4, 18).
Revista Jesus, 07-2013.
Fonte: Dom Total