Jornada Mundial da Juventude: ”A busca da experiência de Deus e o encontro do jovem com o jovem”

Publicado em 13/07/2013 | Categoria: Notícias |


Entrevista especial com Frei Rubens Mota

 

“O Papa motivou a Jornada, mas se as paróquias não se abrirem para acolher os jovens, o evento é em vão, porque ele motiva, mas vai por água abaixo”, adverte o frei franciscano.

 


A Jornada Mundial da Juventude, que acontece este ano entre os dias 23 e 28 de julho no Rio de Janeiro, recebe críticas e elogios, mas deve ser entendida como “uma dimensão” massiva de evangelizar toda a sociedade, diz o Frei Rubens Mota à IHU On-Line na entrevista a seguir, concedida por e-mail. Segundo ele, a crítica de que o evento “não personifica e não atinge o jovem”, procede por um lado “porque às vezes se dilui muito a dimensão da evangelização enquanto chamado individual”, mas, por outro, assinala, “não dá para negar a repercussão da Jornada”.

A partir da sua experiência com os jovens, Frei Rubens Mota menciona que “a juventude busca uma experiência de espiritualidade pessoal com Deus”, e é nesse aspecto que a Igreja deve investir, depois de anos de reestruturação e investimento institucional. “A questão é como os jovens que se animaram com a Jornada vão encontrar nas suas comunidades uma continuidade e sustentação a uma empolgação levantada na Jornada Mundial da Juventude. O desafio é como tornar as paróquias atrativas e receptivas para os jovens”, aponta.

Apesar de não se opor ao evento massivo da Jornada Mundial da Juventude, Frei Rubens Mota destaca que “ela não pode ser um evento que venha atropelar um cronograma de acompanhamento pastoral. Temos de cuidar para que o evento não atue como um trator, que absorva tudo e venha detonando a vida da Igreja e da juventude no dia a dia, porque as pastorais e os movimentos têm seus cronogramas. Não dá para manter um cronograma cotidiano como se a Jornada não existisse, mas também não dá para abandonar a caminhada das pastorais em prol de um evento que vem e vai”.

 

Frei Rubens Mota é graduado em Teologia e mestre em Psicologia pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Atualmente é Assessor do setor Juventudes da Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB Nacional.

 

Confira a entrevista.

 

 

IHU On-Line – O que a Jornada Mundial da Juventude demonstra sobre a postura da Igreja em relação aos jovens? Qual é a proposta e o discurso da Igreja para eles?

 

Frei Rubens Mota – A Igreja, a partir de João Paulo II, tem abraçado de forma muito especial a causa da juventude. João Paulo II tinha um carisma especial para trabalhar com a juventude, e deu início à Jornada como um evento específico para a massa. Antes dele não havia nenhuma iniciativa que expressasse esse cuidado e atenção que a Igreja poderia manifestar com a juventude. A Jornada Mundial foi uma grande ideia do Papa, tem uma dimensão de evangelização e que atinge toda a sociedade.

Basicamente, a Jornada é o cuidado da Igreja com a juventude, e dois ícones expressam a dimensão da mística e teológica que esse cuidado expressa: a cruz e o ícone de Nossa Senhora. Ao entregar a cruz, João Paulo II quis mostrar que o jovem também tinha o direito de tocá-la. Ele dizia: “Deixe o jovem tocar a cruz para ser tocado por ela”, ou seja, abraçar a cruz com a dimensão alegre e juvenil. O ícone de Nossa Senhora foi acrescentado posteriormente como a primeira cristã inspiradora de um projeto de vida, aquela adolescente que assume uma vocação.

 

IHU On-Line – Como o senhor vê a proposta de evangelização através da Jornada Mundial da Juventude? É a melhor maneira de a Igreja falar com os jovens?

 

Frei Rubens Mota – Não creio que seja a melhor, mas é uma dimensão. Há críticas e elogios a essa dimensão escolhida. As críticas focam no evento de massa, que não personifica e não atinge o jovem. Essa crítica procede por um lado, porque às vezes se dilui muito a dimensão da evangelização enquanto chamado individual. Por outro lado, não dá para negar a repercussão da Jornada. Em Madri eu senti isso, porque o país parou para discutir as temáticas abordadas pelo encontro. Trata-se, então, de um evento que atinge não só os católicos, e tem sua eficácia.

Questiono o fato de a Jornada ser um evento que vem e vai. Ela não pode ser um evento que venha atropelar um cronograma de acompanhamento pastoral. Temos de cuidar para que a Jornada não atue como um trator, que absorva tudo e venha detonando a vida da Igreja e da juventude no dia a dia, porque as pastorais e os movimentos têm seus cronogramas. Não dá para manter um cronograma cotidiano como se a Jornada não existisse, mas também não dá para abandonar a caminhada das pastorais em prol de um evento que vem e vai. Há pessoas que buscam na Jornada uma experiência de fé e a encontram; há outros que aproveitam a Jornada como um passeio turístico e fazem uma experiência de fé, outros não. Quer dizer, a Jornada tem sua importância, mas não pode ser absolutizada como o único evento da Igreja para a Juventude.

 

IHU On-Line – Como entender a adesão massiva de jovens católicos à Jornada Mundial da Juventude? O que o jovem do século XXI busca em relação à fé e à pertença religiosa?

 

Frei Rubens Mota – Temos de trabalhar a dimensão da espiritualidade. Há muitos anos estamos investindo na reestruturação e dimensão institucional. Agora, temos de investir na espiritualidade. Essa é uma busca grande, às vezes com um nível de lucidez bacana, ou seja, a busca por um compromisso a partir da experiência de Deus, que é no que nós acreditamos. Fazer a experiência de Jesus Cristo significa assumir o que ele assumiu, ou seja, uma causa, é dar continuidade à implantação do projeto do Reino de Deus. Por outro lado, há uma busca de espiritualidade contaminada pelo contexto atual, que é subjetivista, consumista, ou seja, obter benefícios sem se comprometer. Então, muitas pessoas buscam essa graça sem compromisso. O jovem, num evento como esse, tem uma graça natural que é o encontro do jovem com o jovem. Isso os motiva muito. Mas também tem a dimensão da espiritualidade que, com o ícone do Papa, traz uma dimensão de espiritualidade interessante e especial. A semana missionária, preparatória à Jornada, tem dado uma tonalidade bonita no sentido do envolvimento das pessoas, que também dá um banho de espiritualidade. Os jovens buscam muito essa experiência de fé e experiência pessoal de Deus.

O encontro dos jovens com os jovens já é muito significativo. Em Madri foi interessante observar como os brasileiros, cerca de 16 mil, e os africanos tinham um jeito alegre, que contaminava os demais. Então, são duas experiências atrativas: a busca da experiência de Deus e o encontro do jovem com o jovem. A busca da experiência com Deus passa pelo encontro com o Papa, pela programação, pelos ícones. Atrelado a tudo isso, o Rio de Janeiro é um atrativo natural, apesar de repelir por outro lado, porque quando se fala da Jornada na Europa, muitos jovens não vem por causa da crise e do estereótipo de que no Rio de Janeiro tem balas perdidas que matam facilmente.

 

IHU On-Line – Como a juventude está sendo abordada na Campanha da Fraternidade desse ano?

 

Frei Rubens Mota – Houve um processo de participação, não do jeito que gostaríamos que fosse, mas houve o desenvolvimento de pastorais e basicamente aquela participação que compreende a comissão episcopal, que são os jovens ligados às pastorais de juventudes e movimentos, os quais tentaram construir um texto-base que abordasse a realidade da juventude no Brasil. A ideia é de que a campanha perdure e ajude na continuidade da reflexão.

Os temas da Campanha da Fraternidade estarão presentes na Jornada, através da Tenda da Juventude, que irá mostrar o compromisso social da juventude.

 

IHU On-Line – De acordo com o último senso religioso, a Igreja Católica tem perdido mais fiéis com idade menor a 40 anos. Os dados apontam que aumenta a pluralidade religiosa no país e cresce também o número de pessoas sem religião. Como avalia esses dados em contraposição com o sucesso da Jornada Mundial da Juventude e aos desafios da Igreja?

 

Frei Rubens Mota – Isso reflete uma frase de Karl Rahner, que diz: “O futuro ou terá místicos, ou terá espiritualidade, ou não existirá”. Nós estamos vivendo esse futuro agora, porque, de acordo com os dados, nunca se teve uma adesão religiosa como a que existe hoje. Em termos de juventude, que compreende dos 15 aos 29 anos, 95% dos jovens se dizem religiosos. Porém, também tem essa estatística que você aponta, de que ser religioso nem sempre significa aderir a uma Igreja. Há muitos contrastes em relação às instituições, há uma negação das instituições transmissoras da tradição, a qual nem sempre é bem vista, e com isso aumenta o número de pessoas que acreditam em Deus, mas que não têm vínculo institucional. Também existem aqueles que criam suas igrejas, como as igrejas virtuais, para lésbicas, para gays etc.

Vejo que existe uma sede da vivência da espiritualidade e ouço de alguns jovens que, ao chegarem à Igreja Católica, não conseguem essa conexão, porque parece que o padre fala para pessoas que não estão ali. Existe um discurso às vezes impessoal, mal-preparado, em que muitas vezes o esquema litúrgico não consegue dizer nada para o jovem de hoje. Acredito que não há uma receita, mas temos de discutir se queremos números ou atingir pessoas de forma que tenham um protagonismo juvenil. Se formos pensar somente no número, correremos o risco de cair num sistema atual, de uma teologia da retribuição e da prosperidade que vai atender a uma demanda do público que vai à Igreja buscar benções, satisfação e alegria. Aí vamos encher as igrejas. Se nós quisermos pessoas que assumam seu protagonismo, seu batismo e que sejam evangelizadores, teremos de caprichar no acompanhamento individualizado e nas formas de agrupar os jovens. O grupo ainda é um espaço de “identificação identitária”, porque o jovem se encontra com o diferente, mas que é igual no sentido de ser jovem, embora com personalidades distintas. Nem sempre é possível que o grupo se encontre no domingo, tal hora, porque hoje shoppings, trabalhos, vestibular vêm atropelando a semana deles. Por isso não é fácil configurar um grupo nos modos antigos.

É necessário que estudemos juntos propostas alternativas, mas o acompanhamento individualizado é importante, bem como com grandes eventos como a Jornada. A questão é como os jovens que se animaram com este evento vão encontrar em suas comunidades uma continuidade e sustentação a uma empolgação levantada aí. O desafio é como tornar as paróquias atrativas e receptivas para os jovens.

 

IHU On-Line – Como o senhor avalia os primeiros meses do pontificado do Papa Francisco?

 

Frei Rubens Mota – Todos, inclusive os evangélicos, elogiam o Papa pela dimensão do carisma e da simplicidade. Ele é um líder que está atacando coisas que vinham sendo muito criticadas, como o status e a dimensão econômica. Em pronunciamentos, ele vem criticando padres que compram carros luxuosos, padres que só ficam em seus escritórios e que não saem para acompanhar as pessoas mais simples. Ele dá testemunho e fala da sua história de vida. É muito interessante porque há uma coerência. Ele faz e também fala. Esse é o ponto que tem sido ressaltado socialmente.

Por outro lado, em seus pronunciamentos não tem mostrado tanto seu ponto de vista teológico nem a linha que vai tomar. De qualquer modo, não adianta um papa fazer alguns pronunciamentos se nós não nos comprometermos como essa linha. Como somos um país presidencialista, depositamos excesso de expectativa em uma pessoa. Não é a Dilma que vai resolver todos os problemas do Brasil. Assim é o Papa: não é ele quem vai modificar tudo na Igreja. Ele teve a iniciativa e vai ter a responsabilidade de ser o guia espiritual da Igreja, mas nós todos batizados, particularmente os bispos, os padres, as irmãs que coordenam as paróquias, temos de se abrir. O Papa motivou a Jornada, mas se as paróquias não se abrirem para acolher os jovens, o evento será em vão, porque ele pode motivar, mas isso poderá ir por água abaixo.

 

IHU On-Line – Que aspectos aproximam e distanciam Francisco de Bento XVI?

 

Frei Rubens Mota – O que mais aproxima é a seriedade com que cada um assumiu o compromisso. Bento XVI é um grande teólogo e ele fez tudo o que pôde, com as forças que tinha, para cumprir seu pontificado com seriedade. É um homem sério e responsável. Pode-se dizer o mesmo de Francisco que, mesmo sendo carismático, é um homem sério e que tem assumido seu pontificado com seriedade. O que os distancia é essa questão do carisma. Eu tive o prazer de participar de eventos com Bento XVI e ele não é uma figura carismática, embora também não seja aversiva, mas ele é de origem alemã, ou seja, tem outro jeito.

Outra questão que os diferencia é a simplicidade. Ao escolher o nome de Francisco, ele já deu um recado. Ao escolher o nome de Bento XVI, Ratzinger queria dar continuidade a 15 papas anteriores que tinham um compromisso com a tradição. Francisco não, ao contrário, é o primeiro Papa que escolhe esse nome, e a referência é São Francisco de Assis, um homem simples que escolheu a pobreza como a dama que iria acompanhá-lo em seu seguimento a Jesus Cristo.

 

IHU On-Line – Como vê o pontificado de Francisco em relação à comunicação com a juventude?

 

Frei Rubens Mota – Está muito no começo para saber se ele vai adotar uma linha como João Paulo II, específica de um canal de comunicação com a juventude. Francisco se comunica com todos os fiéis de forma muito parecida, por meio da simplicidade e do carisma. Creio que a grande revelação dele será aqui no Brasil na Jornada Mundial da Juventude, mas não espero grandes surpresas. Pelo contrário, ele deve manter a coerência, que deixa os seguranças e a Polícia Federal escandalizados, porque ele vai em favelas que não são ainda pacificadas, quis percorrer lugares que não estavam no script. Ele quebra protocolos e o jovem é isto: é aquele que quebra protocolos. Há uma identificação natural dele com os jovens pela forma como se comporta e isso já é um canal de comunicação, que cria um link. Acredito que vai ser um sucesso total e que ele vai, sim, ser muito aplaudido e admirado pela juventude.

 

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

 

Frei Rubens Mota – Gostaria de fazer um apelo às paróquias para o pós-jornada. A Jornada vem e vai, mas as paróquias precisam se abrir aos jovens, para recebê-los e, principalmente, para acompanhá-los. O jovem tem o direito de ter seu espaço, mas tem o direito de ser acompanhado, assim como tem o direito de errar, mas erra menos quando é acompanhando. Então, temos de preparar assessores e assessoras para acompanhar a juventude.

 

Fonte: Unisinos



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