A Voz do Pastor – Novembro
Lumen Fidei (parte 3)
Jesus, o Cristo e Senhor de nossas vidas!Quanta tinta e quanta fala gerou esse nome! “A fé cristã está centrada em Cristo; é confissão de que Jesus é o Senhor e que Deus O ressuscitou de entre os mortos” (Rm 10, 9). Mas não somente a fé cristã, como afirma a encíclica. O mundo inteiro se concentra em Cristo, a História foi dividida em duas partes, antes e depois Dele, o universo foi criado por Ele. “A história de Jesus é a manifestação plena da fidelidade de Deus. … a vida de Jesus aparece como o lugar da intervenção definitiva de Deus, a suprema manifestação do seu amor por nós.”
Acontece que precisamos de garantias. O humano não quer explicações, quer garantias. Na hora da dor, de pouca ajuda serve explicar que tal coisa aconteça assim por causa de outra coisa. São apenas explicações mecânicas. Na hora da dor, na solidão suprema, da angústia, da morte, nada explica. Só uma garantia garante. Mas, mesmo assim, não qualquer uma. “Não há nenhuma garantia maior que Deus possa dar para nos certificar do seu amor, como nos lembra São Paulo (Rm 8, 3139). Portanto, a fé cristã é fé no Amor pleno, no seu poder eficaz, na sua capacidade de transformar o mundo e iluminar o tempo.” É essa a garantia de que precisamos, sem ela não podemos viver. Algo precisa nos garantir nas incertezas da vida. Mas não algo qualquer. Alguém precisa nos garantir na ronda das ameaças da morte. Mas não qualquer um, um alguém qualquer. Nem um ato qualquer. Nem um gesto qualquer. “A maior prova da fiabilidade do amor de Cristo encontrase na sua morte pelo homem. Se dar a vida pelos amigos é a maior prova de amor (Jo 15, 13), Jesus ofereceu a sua vida por todos, mesmo por aqueles que eram inimigos, para transformar o coração.” É o que nos lembra o papa Francisco. E em boa hora nos lembra.
A cansada pós-modernidade, depois de ter retirado todos os esteios onde o homem antes dela se apoiava para descansar, para continuar, para viver, depois de tudo o que aconteceu, repito, a cansada pós-modernidade se encontra esvaziada do sentido que roubou do homem e da ausência de sentido que lhe deixou como herança. Sim, nos tornamos mais capazes. Sim, nos tornamos mais independentes. Sim, nos tornamos mais livres. E agora, fazemos o quê com nossa capacidade, nos serve de quê a independência pela qual lutamos, para onde dirigirmos a liberdade que nos queima nas mãos? “…os evangelistas situam, na hora da Cruz, o momento culminante do olhar de fé: naquela hora resplandece o amor divino em toda a sua sublimidade e amplitude…. é precisamente na contemplação da morte de Jesus que a fé se reforça e recebe uma luz fulgurante, é quando ela se revela como fé no seu amor inabalável por nós, que é capaz de penetrar na morte para nos salvar. Neste amor que não se subtraiu à morte para manifestar quanto me ama, é possível crer; a sua totalidade vence toda e qualquer suspeita e permite confiarnos plenamente a Cristo.”
Essa é a única resposta cabível para as perguntas que ficaram suspensas antes da citação da encíclica. Não é ruim sermos capazes ou independentes ou livres. Pelo contrário. São valores que já custaram sangue. Mas se toda conquista humana reverter apenas numa dose cada vez maior de autossuficiência, então, nenhuma dessas conquistas poderá conceder ao homem o dom da única garantia de que ele precisa para viver: a garantia de ser amado. Sem ela, sobra o desespero. Mas essa, só o Pai concede. Essa tem nome: seu nome é Jesus. Nele brilha o amor do Pai por nós. “Se o amor do Pai não tivesse feito Jesus ressurgir dos mortos, se não tivesse podido restituir a vida ao seu corpo, não seria um amor plenamente fiável, capaz de iluminar também as trevas da morte.” Ele é a nossa garantia. Em boa hora o papa nos lembra.
Uma última palavra. Ainda se ouve um jargão antigo: Cristo sim, Igreja não. Como se fosse possível separar a cabeça do corpo. E como se fosse possível viver comodamente uma fé em Cristo que, pela sua irradiante comodidade, dispensasse o convívio dos irmãos, no duro massacre do dia-a-dia, que é justamente onde e quando demonstramos a fé que nos anima. Essa fé cômoda não induz crescimento algum. Traz apenas os benefícios de uma piedade autogratificante, centrada nas urgências e nas necessidades de cada um, com forte apelo emocional, mas pouco embasamento bíblico-litúrgico-eclesial. A Igreja é o corpo místico de Cristo. “A imagem do corpo não pretende reduzir o crente a simples parte de um todo anônimo, a mero elemento de uma grande engrenagem; antes, sublinha a união vital de Cristo com os crentes e de todos os crentes entre si (Rm 12, 45)” – diz a encíclica – “a fé tornase operativa no cristão a partir do dom recebido, a partir do Amor que o atrai para Cristo (Gl 5,6) e torna participante do caminho da Igreja, peregrina na história rumo à perfeição. Para quem foi assim transformado, abrese um novo modo de ver, a fé tornase luz para os seus olhos.”
Somos membros do mesmo corpo, comungamos do mesmo Pão que é o Corpo do Senhor. Somos a Igreja de Jesus, o Povo de Deus a caminho, o corpo místico de Cristo. A analogia do corpo nos diz bem quem somos: somos membros, responsáveis uns pelos outros. Portanto, que nenhuma manifestação ou vivência de fé nos isole em compartimentos fechados, mas, justamente, ao contrário, que seja a Fé, virtude teologal e dom do Batismo a força a sempre nos impelir a perguntar: “Em que posso servir?” Motivos não nos faltam, e o maior deles, com certeza, é a garantia de que somos amados por um amor sem medida: o amor de Jesus, o Cristo e Senhor de nossas vidas!
+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói