Os atos de fé que não significam nada
É fácil professar a fé, o complicado é deixar a fé transformar o modo de agir e pensar.
Por Dom Anuar Battisti*
Nestes dias, participando do curso com os bispos no Rio de Janeiro – aliás, foi uma belíssima experiência de reflexão e partilha – fui tomado por um pensamento que me deixou preocupado.
Foi meditando o texto do evangelista Marcos, quando narra o endemoninhado: “Vendo Jesus de longe, o endemoninhado correu, caiu de joelhos diante dele, e gritou bem alto: Que tens a ver comigo, Jesus Filho do Deus altíssimo? Eu te conjuro por Deus, não me atormentes! Com efeito Jesus lhe dizia: Espírito impuro sai deste homem!” (Mc 5,6-8).
Chamou-me a atenção porque o demônio acredita, tem fé. Reconhece o Filho de Deus, e conjura por Deus. Por que ele faz isso e continua fazendo o mal, atormentando as pessoas? Por que faz um ato de fé e nada muda em sua vida? Nunca muda de caminho, está sempre na contramão da história.
Fiquei pensando e me veio um certo temor. O demônio reconhece Jesus, professa a fé Nele, mas não O segue e continua sempre pela própria estrada.
Jamais será diferente porque sabe quem é Jesus: o Filho de Deus. Mas a sua convicção não interfere no seu modo de agir. É fácil professar a fé, o complicado é deixar essa fé transformar o modo de agir e pensar.
Por isso, o maligno continuará sempre maligno, porque a fé não tem nada a ver com a vida concreta. A diferença está na fé, que faz verdadeiramente ser discípulo de Jesus; caso contrário eu fico parecendo o demônio que acredita, faz um ato de fé, mas continua sendo o rei da maldade e do pecado.
Vive fazendo de conta que não acredita. Confesso que essa reflexão me causou um certo temor e me fez repensar o meu seguimento, enquanto escolhido e chamado a colaborar na vinha do Senhor.
Entendi melhor a expressão de Jesus: “O único pecado que não tem perdão é o pecado contra o Espírito Santo”. Esse é o pecado, professar com os lábios e negar com as atitudes, ou seja, não deixar Deus agir em nós, porque é Ele que vem ao nosso encontro.
Não fomos nós que amamos a Deus. Foi Ele quem nos amou por primeiro. Negar a iniciativa de Deus, fechar-se em si mesmo, nos colocando no lugar de Deus, é negar toda e qualquer ação do Espírito Santo em nós. Esse é o pecado que não tem perdão.
Não que Deus não perdoe, mas sim porque não acreditamos no perdão. Como o papa Francisco repetiu várias vezes: “Deus não se cansa de perdoar, nós nos cansamos de pedir perdão”. O caminho de seguimento de Jesus é um caminho de perdas e ganhos. Perco o meu jeitão de ser e aceito o jeitão do Mestre e Senhor da minha vida. Serei discípulo se serei capaz de assumir a disciplina do Mestre. Não basta dizer eu creio. A fé sem obras é morta.
No caminho do seguimento do Senhor, a astúcia como as serpentes e a simplicidade como as pombas devem ser sempre as atitudes primordiais para não cairmos na tentação do demônio. É como nós rezamos sempre no Pai Nosso: “não nos deixeis cair na tentação”. A tentação é exatamente a incoerência do nosso falar e do nosso ser.
Somente quem está em Deus é uma criatura nova, ou seja renovada, disposta ao seguimento de Jesus como verdadeiro discípulo e discípula. Não tenho dúvidas de que o demônio existe e não tenho dúvidas de que ele nunca para de trabalhar, principalmente, fazendo-nos professar a fé e vivendo como se Deus não existisse. Orar sempre, professar sempre, viver sempre na luz da Fé, assim nada será inútil. A vida terá outro sentido.
Que Deus abençoe a nossa semana!
A12, 12-02-2014.
*Dom Anuar Battisti é arcebispo de Maringá (PR).
Fonte: Dom Total