O mandamento 11: honrar as crianças

Publicado em 28/05/2014 | Categoria: Notícias |


Oqueumpaiaprendeudofilhosobreavida.

O que um pai aprendeu do filho sobre a vida.

 

Por William Van Ornum

 

 

 

Como todos os pais sabem, qualquer acontecimento pode desencadear a torrente das nossas lembranças. Algumas semanas atrás, eu estava imobilizado em uma sala de emergência, refém do cateter. Meu filho de 29 anos, que tem síndrome de Down, considerou que o meu estado de incapacidade me manteria ocupado e impedido de dizer “não” aos seus planos de explorar o hospital.

Duas horas mais tarde, quando eu já estava ficando realmente preocupado com o seu sumiço, ele voltou com um sorriso enorme. Tinha ido até a cafeteria fazer um lanche, que incluiu pelo menos duas fatias de bolo. Depois, foi para o laboratório, onde se apresentou a todos na esperança de encontrar um amigo que trabalhava por lá. Finalmente, subiu até o sétimo andar para explorar a unidade de neurocirurgia (“Pai, eu queria ver onde eles trabalham com os cérebros”).

Lembranças de vinte anos atrás, quando o paciente era ele, voltaram de repente. Estávamos em outra sala de emergência e meu filho delirava com uma febre de 40 graus. Os médicos tentavam segurá-lo para enfiar uma agulha em seu pulso. “Socorro! Abuso! Abuso!”.

Alguns seguranças chegaram correndo. Mas foi bom, para mim, constatar que ele sabia muito bem como conseguir ajuda…

Com alguma experiência em situações hospitalares caóticas, eu pedi ajuda a nada menos que quatro médicos para segurarem, cada um, com cuidado e com firmeza, as pernas e braços do meu filho. Apoiei a cabeça dele nas minhas mãos e sussurrei: “Agora nós temos que descobrir que tipo de germe está deixando você doente. Os médicos vão ter que colocar uma agulha no seu pulso. Vai doer. Vai doer mais do que qualquer dor que você já sentiu. Mas, se não fizermos isso, os médicos não vão saber que tipo de remédio eles têm que dar para você melhorar”.

Houve alguns gritos em alto e bom som e alguns gemidos incoerentes, mas tudo acabou bem. E os seguranças não vieram correndo dessa vez.

Duas semanas depois, um amigo psicólogo me deu a entender que eu tinha causado um transtorno de estresse pós-traumático no meu filho ao segurá-lo daquele jeito. E seria bom para mim, completou ele, participar de um grupo de apoio que me ajudasse a ser um pai melhor para uma criança com necessidades especiais…

Então eu perguntei ao meu filho: “O papai fez alguma coisa no hospital que deixou você chateado?”.

“Sim”, disse ele.

“O que foi que o papai fez?”.

“Você me fez dividir os vídeos no quarto com as outras crianças quando eu estava ficando melhor. Eu queria os vídeos para mim”.

“Você ficou chateado quando o papai ajudou os médicos a segurar você?”.

“Não, papai, você tinha que descobrir sobre os germes malvados. Mas, da próxima vez, não deixe os outros pegarem os vídeos”.

Um pensamento leva ao outro e eu me lembrei do nascimento dele, às 3 da manhã de uma festa de Halloween. Eu o segurava nos braços e dizia: “Meu Deus, o meu bebê tem síndrome de Down!”. Não era uma queixa, e sim uma aceitação imediata, mas eu fui repreendido na hora por todos na sala de parto, porque os pais não têm experiência nessas coisas, não é?

Meu filho presta bastante atenção na igreja. Alguns anos atrás, o padre deu um sermão maravilhoso sobre o quarto mandamento, com muitas coisas boas para as crianças presentes na missa se lembrarem pela vida afora. Mas, depois, o meu filho foi se queixar com o padre: “Padre, por que o senhor não falou do mandamento onze?”. O padre sorriu e perguntou qual era o “mandamento onze”, esperando alguma resposta infantil daquele jovem com síndrome de Down.

 

“Honrar as crianças!”.

Eu espero que isso não tenha levado ninguém a pensar que o meu filho não estava sendo bem tratado em casa, mas recebi mais do que uma… digamos… olhada crítica.

Eu sempre achei que a socialização e o controle dos impulsos eram duas das coisas prioritárias em que a escola precisava ajudar o meu filho. As notas dele eram sempre elogiadas, embora pudessem ser mais altas. Uma vez, fui chamado à escola.

“As notas do seu filho subiram de repente. É como se ele tivesse subido de nível em tudo. O que está acontecendo?”.

“Meu Deus, eu não tenho ideia!”.

E resolvi perguntar a ele, em casa. “Pai”, ele me disse, “você botou meu irmão de castigo na semana passada por causa das notas. Eu não quero ficar de castigo como ele”.

(Se você tiver em casa uma criança com necessidades especiais, certifique-se de que você tem as expectativas certas quanto ao rendimento dele: nem exigentes demais, nem frouxas demais. Alguns deles podem se sair com essas…).

É difícil, para mim, quando o meu filho está envolvido em atividades com seus colegas e com os pais deles. É que alguns dos outros jovens têm deficiências muito mais severas que o meu filho. Muitos têm dificuldades até para dizer as palavras mais simples. Outros têm sérios problemas motores, que os obrigam a usar cadeiras de rodas. Eu tento perguntar sobre as coisas boas que eles estão fazendo, em vez de ficar falando das realizações do meu filho.

Não reajo com muita paciência quando os outros, especialmente pessoas que eu acabei de conhecer, me perguntam o seguinte: “Qual é o planejamento de vocês para o futuro? Ele vai ficar em algum local especializado?”. Eu não sei por quê, mas muita gente pergunta isso. Eu resmungo nervosamente por dentro. Estou prestes a responder à próxima pessoa que me perguntar isso: “Qual é o seu planejamento para quando o seu marido/mulher ficar velho? Você já escolheu um bom asilo?”. Ainda não respondi isso porque seria grosseiro; talvez, seja até assunto para o confessionário.

Na semana passada, meu filho visitou, uma por uma, as minhas turmas na faculdade. Bateu papo com os alunos durante meia hora. Quando eu sugeri que era hora de terminar, ele se virou calmamente para a turma e disse: “Eu nem sempre dou bola para o que esse cara fala”.

Todo mundo ficou chocado e alguns queixos até caíram, mas eu estou acostumado: já ouvi isso várias vezes.

“Ele é um grande bobo”, prosseguiu meu filho, impassível. E completou: “Mas eu o amo muito!”.

SIR

 

 

 

Fonte:  Aleteia



Uma resposta para “O mandamento 11: honrar as crianças”

  1. lucia fortes disse:

    Muito boa reflexão!!!

    Ser mãe especial é um grande desafio e uma grande benção quando sabemos conviver e crescer como pessoa, não somente nós da família, mas também todos que convivem. Temos um olhar diferenciado da vida, construimos muita sabedoria.
    Recentemente, descobri que Dom Orione sempre foi protetor dos especiais e que tem uma casa em Brasília para eles que é referência.
    Vejo que meu sobrinho Henrique, teve este aspecto também como referência para sua escolha vocacional.

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