O trabalho do ´papa Franco´ no Sínodo
Ao fazer a Igreja avançar, o objetivo do pontífice é aproximar, o máximo possível, os vários grupos dentro dela.
“Falem com franqueza”, disse o papa Francisco na abertura do Sínodo extraordinário sobre a família. “Não deixem ninguém dizer: ‘Isto não pode ser dito, porque os outros vão pensar isso ou aquilo de mim’.
Era assim que os sínodos costumavam ser. Sob os papas anteriores, o Vaticano controlava com firmeza a agenda. Os bispos eram avisados para não levantarem certas questões, tais como a dos padres casados e a contracepção. Porém Francisco quis algo diferente desta vez. Ele incentivou os participantes – na maioria bispos, mas também padres e leigos – a não temerem em discordar abertamente entre si, ou com ele. Caso nada de novidade resulte daquilo que vai ser um ano inteiro de processo sinodal, esta mudança sozinha já constitui uma grande realização.
Encorajados a falarem livremente, os padres sinodais não se contiveram. Vários bispos apoiaram a readmissão de alguns católicos divorciados e casados novamente no civil à Comunhão, algo que supostamente o papa apoia; outros se opuseram à ideia, reivindicando que ela acarretaria uma mudança perigosa no ensinamento da Igreja. Alguns participantes falaram sobre elementos válidos nas relações “irregulares”, incluindo aqueles das pessoas homossexuais, dos divorciados e recasados e pessoas que coabitam antes do casamento; outros participantes se preocuparam com o fato de que estas coisas poderiam sugerir um endosso àquilo que a Igreja tradicionalmente tem condenado como graves pecados. Noutras palavras, o papa teve o debate franco pelo qual pediu – e mais.
Quando o Vaticano publicou um relatório, conhecido como “relatio”, resumindo o que os bispos estiveram debatendo durante a primeira semana do Sínodo, foi uma grande novidade. E esta novidade foi motivo para alarde entre alguns católicos conservadores. O cardeal Raymond Burke e outros montaram uma campanha pública de resistência à noção de que o Sínodo iria liberalizar algumas práticas da Igreja. Sustentaram que até mesmo discutir assuntos como Comunhão para os divorciados e recasados confundiria os fiéis e poderia conduzir ladeira abaixo a Igreja em direção à heresia. Disse-se que Burke falou ao Sínodo que não poderia haver nenhuma mudança na doutrina, nenhuma mudança no Direito Canônico e nenhuma mudança nas práticas pastorais. Em vez disso, urgiu ao papa que divulgasse uma nota reafirmado a doutrina católica sobre o casamento. Ao não conseguir isto, declarou, Francisco “causou um grande dano” à Igreja.
Quando a versão final do “relatio” foi tornada pública fim do Sínodo, a linguagem acolhedora com relação às pessoas homossexuais e aos divorciados e recasados se foi. Em seu lugar foram postos dois parágrafos resumindo, brandamente, o desacordo dos bispos sobre tais questões, e um outro repetindo as declarações vaticanas sobre a orientação sexual. No entanto, mesmo estes não receberam a maioria de dois terços dos votos exigidos para aprovação. Reportagens na imprensa anunciaram que os conservadores teriam tido sucesso em atenuar a primeira versão do documento e em alterar a direção do Sínodo.
A realidade é bem mais complicada. Em primeiro lugar, os três parágrafos que não conseguiram a aprovação foram, mesmo assim, apoiados por amplas maiorias. Em segundo lugar, alguns padres sinodais disseram que eles não endossaram o parágrafo sobre as pessoas homossexuais porque ele não havia ido a fundo o suficiente. Presumivelmente, outros também se sentiram assim sobre as seções relativas ao divórcio também. Em terceiro lugar, o Papa Francisco decidiu publicar por inteiro o “relatio” – inclusive as seções que não receberam o apoio de dois terços dos votos. Esta versão do texto foi enviada às conferências episcopais do mundo todo para estudos mais aprofundados por parte do clero e leigos. As questões contestadas estão muito vivas.
Alguns progressistas sugeriram que, quando o Sínodo se reunir em outubro de 2015, o papa tire alguns dos participantes mais conservadores e simplesmente instigue no sentido das reformas progressistas por ele mesmo. Mas isso não estaria em harmonia com a visão de colegialidade do papa para as tomadas de decisão na Igreja. Ao fazer a Igreja avançar, o objetivo de Francisco é aproximar, o máximo possível, os vários grupos dentro dela. Ele acolhe uma variedade de opiniões porque acredita que ninguém, nenhuma ideologia, tem o monopólio da verdade – nem mesmo o papa. Diferentemente de alguns de seus críticos, o pontífice acredita que o desacordo sincero, expresso caridosamente, pode ser frutífero. Ele sabe que a verdadeira unidade requer, muitas vezes, persuasão; ela não pode ser forçada ou falseada. Ele sabe que o debate aberto não é a mesma coisa que confusão.
“Temos ainda um ano para amadurecer”, disse Francisco em sua intervenção no fechamento do Sínodo, “para encontrar soluções concretas para tantas dificuldades e incontáveis desafios que as famílias têm de enfrentar; para dar respostas aos tantos desencorajamentos que circundam e sufocam as famílias”. Encontrar estas respostas não é tarefa dos bispos sozinhos, mas de todo o povo de Deus. Há muito trabalho a se fazer, e o Sínodo é apenas o começo.
Commonweal, 28-10-2014.
*Tradução é de Isaque Gomes Correa.
Fonte: Dom Total