Igreja reitera posição contrária à redução da maioridade penal
Diferentes instâncias da Igreja se posicionaram contrárias à redução da maioridade penal dos 18 anos para os 16 anos. Atualmente, a Proposta de Emenda Constituição (PEC 171) está sendo analisada pela Câmara dos Deputados. De acordo com os promotores do projeto de reforma do Código Penal, a redução seria necessária porque a maturidade e, portanto, a plena capacidade de entendimento e de vontade dos adolescentes, hoje se atinge mais cedo – graças também ao maior acesso à informação.
Pensamento não partilhado pelas organizações dos direitos humanos e movimentos da sociedade civil, entre os quais em primeira linha a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB). Para estas entidades, o verdadeiro problema hoje não é a violência perpetrada por menores no Brasil mas sim aquela contra os menores. Argumento corroborado pelas estatísticas que mostram que apenas 0,1% dos homicídios no país tem menores como protagonistas, enquanto os adolescentes assassinados chegam a 36%.
Aplicar a lei já existente
Para os bispos brasileiros a redução da idade penal e o aumento do tempo de detenção dos menores que cometeram reatos não são a solução ao problema da violência no Brasil. É o que afirma uma nota conjunta da Cáritas brasileira e do Departamento dos bispos para a pastoral do menor e a Frente de defesa dos direitos das crianças. “A cultura da paz não se obtém por mágica com estes meios” diz o texto, destacando que, de fato, o que falta é uma efetiva aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescentes (ECA) no país.
É preciso, portanto, promover uma sociedade mais justa e combater na raiz as causas da violência juvenil: o desemprego, a ignorância, a pobreza, a marginalização que atingem tantos jovens brasileiros. Tudo isso – afirma a Cáritas brasileira – coloca em causa as responsabilidade do Estado, que deve apoiar os jovens e as famílias mais necessitadas. “Quando os direitos dos menores são respeitados é mais difícil que eles violem os direitos humanos dos demais”, conclui a nota. (LZ/RB)
Fonte: Rádio Vaticano
Redução da maioridade é ilusão temporária
Uma mudança real passa pelo entendimento de que o modelo prisional aplicado há décadas simplesmente não funciona. O comentário é de Joseh Silva, jornalista, em artigo publicada por CartaCapital, 24-03-2014.
Eis o artigo.
A redução da maioridade penal, em discussão pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, é a resposta para uma sociedade punitiva que tem como hábito é isolar pessoas “desagradáveis”. É uma sociedade que vê as celas como espaços de ressocialização e solução para acabar com a violência no mundo. Crer que a reclusão, neste formato e estrutura que aí está, é a solução, revela o quão raso é o debate sobre Justiça. A cada passo seguimos para o caminho radical, desrespeitando conquistas de movimentos que lutam há décadas pela efetivação dos direitos humanos no País.
Antes de discutir os anos a mais que jovens devem passar na prisão, é necessário fazer uma profunda análise de conjuntura sobre em quais condições estão os presídios no País, sobre os ambientes em que jovens que cometem delitos são jogados e como eles são tratados. Uma reposta é evidente, no entanto: na prática, os presídios não têm como meta a ressocialização dos indivíduos, dadas as condições e características da Fundação Casa, que está longe de merecer este nome.
Deixar na margem e desconsiderar totalmente a discussão sobre os motivos que os adolescente e jovens da mesma classe social, mesmas regiões e basicamente com os mesmos atributos físicos e étnicos são condicionados a cometer delinquências é fechar os olhos para as causas e tomar medidas a partir dos efeitos colaterais.
Negar que as consequências de ações desastrosas, mal planejadas e executadas pelo poder público, que porcamente lida com as políticas de assistência social, sucateando dos Centros de Juventude, olhando para adolescentes sempre como problemáticos e não como sujeitos de direito, é tirar a responsabilidade de quem deveria dar todo o aparato para que o crime não esteja entre as primeiras opções de perspectiva de vida.
É necessária uma reforma séria e de grandes dimensões em conjunto com organizações, coletivos, indivíduos e governo para produzir mudanças que de fato possam impactar o cotidiano da sociedade. Medidas efetivamente preventivas e também de acolhimento são fundamentais para gerar transformações eficazes e essenciais.
Para uma mudança real, primeiramente é necessário admitir que o modelo prisional há décadas aplicado não está funcionando como deveria. A população carcerária só aumenta. Em cadeias e em prisões domiciliares temos mais de 700 mil pessoas, somando a terceira maior população carcerária do mundo. À frente do Brasil estão apenas a China e os Estados Unidos.
Se faz necessário, também, ter mais clareza sobre a diferença entre responsabilização e punição. A última é uma ação que acarreta ódio, revolta e faz com que o indivíduo, na maioria dos casos, não reflita sobre o que fez e sobre as consequências de seus atos. Entretanto, quando há uma tomada de consciência a partir de medidas que sejam restaurativas, o sujeito se responsabiliza pelo que fez. Isso não significa que está imune às medidas previstas em lei. A punição, assim, não é mais vista como o centro da resposta da sociedade ao desvio, mas como sequela.
É simplista se apegar a clichês do tipo: “já que são bons, leva para morar com você”. É por conta de pensamentos preguiçosos e reacionários como este que políticos, mídia e conservadores estão fechando o cerco e propondo uma medida que não tem o objetivo de resolver o problema, mas de implantar uma fantasia temporária de que está tudo sob controle.
A verdade é que o caminho viável já está proposto, mas não foi efetivado. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 4º, enfatiza a função da sociedade no trato da juventude: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Fonte: Unisinos