A reforma nas regras de anulação de casamentos do Papa irá recalibrar o Sínodo dos Bispos

Publicado em 15/09/2015 | Categoria: Notícias |


aliança quebrada

                               Em seu mais recente movimento de reforma, o Papa Francisco emitiu dois novos documentos na terça-feira (8), tecnicamente conhecidos como “motu próprio”, cujos objetivos são o de tornar mais rápida, mais fácil e menos cara a obtenção de uma anulação matrimonial.

Na linguagem católica, uma anulação significa a decisão de um tribunal eclesiástico segundo a qual uma união entre um homem e uma mulher não foi válida por ter falhado em algum dos requisitos tradicionais (por exemplo: a falta de consentimento genuíno ou a incapacidade psicológica para assumir as obrigações).

A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 08-09-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Estas anulações são extremamente importantes no nível da prática religiosa. Isso porque os católicos cujas relações matrimoniais se romperam e que desejam se unir novamente com outra pessoa também na Igreja precisam, antes de tudo, obter uma anulação.

Não é por acaso que Francisco está fazendo este movimento pouco tempo antes de se iniciar o “Ano Santo da Misericórdia”, evento que ele decretou para começar no dia 8 de dezembro, no mesmo dia que essas mudanças passam a valer. Na terça-feira, o papa falou que esta decisão foi motivada por um desejo pastoral de aliviar a opressão causada pela “escuridão ou pela dúvida” no coração das pessoas em relação ao estado civil delas.

Enquanto os especialistas se debruçam sobre os detalhes de tais documentos e suas implicações, eu apresento a seguir três observações quanto à sua significação.

A decisão do papa vai recalibrar o debate na segunda edição do Sínodo dos Bispos sobre a família em outubro próximo, provavelmente diminuindo a ênfase na questão da Comunhão aos católicos divorciados e recasados e criando espaço para que outras questões surjam.

Em outubro passado, a questão de saber se a proibição tradicional relativa à Comunhão para os católicos que se divorciam e se casar novamente fora da Igreja deve ser relativizada foi o principal assunto em pauta, com alguns cardeais e outros prelados de alto calibre trocando comentários mordazes e grupos de ativistas em ambos os lados incitando-os.

No geral, uma reforma no processo de anulação parece ser a medida de compromisso mais óbvia: uma maneira de dar a ambos os lados do debate pelo menos uma parte daquilo que eles queriam. Os que se opuseram à revisão da proibição da Comunhão podem se sentir felizes por a Igreja não estar abrandando a sua postura sobre o divórcio, enquanto que os progressistas podem ficar contentes de que a Igreja está, pelo menos, tentando mostrar mais compaixão e evangelismo.

Ao implementar este compromisso com antecedência, Francisco não resolveu completamente o debate sobre a Comunhão, mas o fez menos pedregoso. Ele também assegurou que o Sínodo não vai perder tempo debatendo como se seria uma reforma hipotética de anulação, porque agora ela é um “fait accompli” [fato consumado].

Por diversas vezes, Francisco manifestou a preocupação que o Sínodo não acabe se focando em um cânon estreito de questões polêmicas, mas que, em vez disso, deveria considerar a ampla gama de desafios postos à vida familiar, incluindo o impacto da pobreza, da guerra e da migração forçada. Deveria também se concentrar sobre como a Igreja pode apoiar as famílias nos setores em que elas estão prosperando.

A possibilidade de que isso realmente aconteça parece mais realista, na sequência desta decisão, do que antes.

Com o tempo, esta reforma pode levar a uma mudança cultural dentro da comunidade do Direito Canônico: canonistas, juízes, acadêmicos e outros envolvidos na teoria e na prática das leis da Igreja.

Nas últimas décadas, uma tendência geral entre muitos canonistas tem sido a de tentar tornar o sistema de anulação tão amigável quanto possível, com base em que ele poderia ser difícil de manejar, demorado e caro.

Assim que esta reforma entrar em vigor, pode ser que a preocupação com estes incômodos seja substituída pela preocupação com a possibilidade de abuso: o medo de que o sistema se torne tão rápido e fácil, sem muitas barreiras para se chegar ao objetivo final. (Apesar do fato de que Francisco ter dito que a ideia não é necessariamente conceder mais anulações, mas simplesmente para acelerar o processo.)

Se a preocupação com este abuso ocorrer, alguns canonistas poderão se encontrar quase no mesmo lugar de antes, apenas olhando de um ângulo diferente agora: tentando injetar certo equilíbrio a fim de desacelerar as coisas um pouco, em vez de pressionar para apressá-las.

Alguém também poderá interpretar a decisão do papa como um voto de confiança no sistema canônico. Com efeito, ele está dizendo: “Eu vou facilitar um pouco as coisas aqui, ao mesmo tempo em que confio que vocês não vão exagerar nas possibilidades que a minha decisão apresenta”.

Na véspera de sua primeira viagem aos Estados Unidos, pode-se dizer que o Papa Francisco emitiu um importante sinal de positivo ao catolicismo americano.

Ao longo dos anos, bispos, canonistas e outros funcionários da Igreja em todo o mundo se queixaram de que os EUA estavam facilitando muito o processo para se obter uma anulação, com alguns indo tão longe a ponto de chamar os Estados Unidos de uma “fábrica de anulações”.

Frequentemente os prelados e canonistas americanos respondiam que este país é um dos poucos que levam a sério o processo de anulação, investindo recursos significativos no treinamento de advogados e juízes e tornando o processo viável a todos.

Os Estados Unidos são responsáveis pela metade – e às vezes mais da metade – de todas as anulações concedidas pela Igreja Católica por ano, muito embora o país represente apenas 6% da população católica mundial.

Consequentemente, os Estados Unidos será o país onde as reformas decretadas por Francisco terão o menor impacto imediato, ainda que algumas das alterações vão ter consequências aqui também (por exemplo: a eliminação da necessidade de uma segunda revisão em casos não contestados).

Para aqueles nos Estados Unidos que estiveram envolvidos no processo de anulação, o movimento pode produzir uma sensação reconhecimento ao ver o pontífice conduzindo a Igreja na direção do que poderia ser chamado de uma abordagem “americana”. Presumivelmente, estes não foram os principais fatores por detrás da decisão de Francisco, que se supõe fora feita em primeira instância sobre o mérito.



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