Outro olhar
Nos últimos anos minha atenção de educador tem se voltado com cuidado e carinho para a questão da Inclusão. Talvez seja a maior novidade no atual sistema educacional e para além dele.
Não faz muito tempo, pessoas chamadas deficientes (há expressões bem piores) eram, em geral, “escondidas” por suas famílias que se viam submetidas a um processo de vergonha social pelo parente problemático. Hospícios, manicômios, clinicas psiquiátricas eram nomes claros ou eufemísticos, que apontavam o destino dessas pessoas fora do “esconderijo” familiar.
Mudanças estão acontecendo. O avanço da psicologia e da psiquiatria na compreensão de moléstias que afetam o funcionamento de cérebro e, por consequência, o comportamento das pessoas, tem possibilitado diagnósticos mais precisos e o desenvolvimento de drogas e terapias mais eficazes.
Pela força de leis que traduzem nosso desejo de evolução civilizacional, as portas das escolas regulares, nas redes pública e privada, estão se abrindo para acolher alunos especiais, ou de inclusão, como tem sido chamados.
São passos ainda tímidos, há um longo aprendizado a ser feito por todos os envolvidos no processo, mas o rumo parece claro e sem retorno. Nós, os ditos “normais”, vamos ter que mudar e ampliar nossos conceitos. E todos teremos muito a ganhar com isso.
É nesse contexto que leio, com surpresa e prazer, o livro “Outro olhar – reflexões de um autista”, de Victor Mendonça.
Como está dito logo na primeira “orelha” do livro, “Victor refaz o próprio caminho para afirmar que os obstáculos podem ser superados e que o amor familiar e o afeto social são a panaceia para um mundo tão especial: o de todos nós”.
Nesse caminho nada escapa ao olhar atento de Victor; família, escola, colegas, psicólogos, médicos, todos são alvos precisos da sua observação sensível, afiada e da reflexão expressa no seu texto surpreendentemente maduro para os 18 anos do escritor.
Ele não está só. Muito se tem falado sobre o Autismo. Novelas, filmes, reportagens, estudos, livros, palestras, sites, blogs de todos os tipos e níveis estão aí, à disposição dos interessados. Mas a palavra de Victor traz a originalidade do olhar de quem está “do lado de lá”, no mais profundo de si mesmo. Ao falar do seu universo, ele nos revela a todos.
Corajoso e generoso, escancara seu mundo interior com atrevida ternura e realismo prático, prevenindo que “é perigoso elevar quem sofre de autismo ao patamar de gênio… o mundo do autismo tem beleza diferenciada, mas também um lado sombrio que faz de guerreiros todos nós que o enfrentamos”.
O livro de Victor nos convida à luta, superando nossos medos, comodismos e velhas certezas. Outro olhar é leitura obrigatória para quem quer ir além da mediocridade de rótulos e preconceitos.
A primeira vez que ouvi a expressão “alunos com necessidades especiais”, pensei em todos os que passaram pela minha sala de aula nos últimos 42 anos.
Victor Mendonça nos faz, a todos, especiais. Inclusive eu.
Texto do Eduardo Machado
Fonte : Amai-vos