Saídas para um mundo em conflito
Desde o ano de 1948, em virtude do assassinato do líder pacifista Mahatma Gandhi, o mundo celebra no dia 30 de janeiro o Dia Mundial da Não Violência, que é uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) voltada à educação para a paz, à solidariedade e o respeito pelos direitos humanos. A celebração deste dia chama a atenção para a não violência em qualquer contexto social.
São tempos difíceis na humanidade, então iniciativas como estas se mostram importantes para gerar reflexões na sociedade. Não podemos aqui nos esquecer de algumas declarações do Papa Francisco, em momentos de violência por quais a humanidade passa. Em novembro passado, o Papa Francisco condenou o massacre que aconteceu em Paris, comparando o ataque com uma “III Guerra Mundial desorganizada”. “Estou tão próximo do povo da França, das famílias das vítimas. Estou orando por todos eles. Estou comovido e triste. Não consigo entender, essas coisas são difíceis de compreender”, disse o Pontífice.
Francisco disse ainda que o derramamento de sangue ocorrido na capital francesa “não é humano”. “Não existe uma justificativa religiosa ou humana para isso”, disse o Papa. Ao ser questionado pela menção à guerra, respondeu: “É um pedaço disso”.
Os ataques de Paris aconteceram próximos a um estádio, onde acontecia uma partida amistosa entre as seleções da França e da Alemanha, numa casa de shows e em dois restaurantes. Foi o ataque o mais violento na França desde a II Guerra Mundial. O grupo Estado Islâmico assumiu a autoria dos ataques.
Fechar os olhos para os marginalizados também é violência
O Papa Francisco em outras oportunidades que teve não esqueceu dos pobres e marginalizados. Ele destaca proximidade aos mais necessitados como um aspecto fundamental da comunidade cristã. Francisco afirma que o bem se faz “sujando” as mãos, ou seja, os cristãos devem se aproximar e estender as mãos àqueles que a sociedade tende a excluir.
“Aproximando-se dos excluídos do seu tempo, Jesus “sujou” as mãos tocando os leprosos. E, assim, ensinou à Igreja que não se pode fazer comunidade sem proximidade. Não se pode fazer a paz sem proximidade. Não se pode fazer o bem sem se aproximar. Jesus poderia muito bem ter dito: ‘Sê purificado!’. Mas não: aproximou-se e o tocou. E mais! No momento em que Ele tocou o impuro, tornou-se também Ele impuro. E esse é o mistério de Cristo: toma para si as nossas sujeiras, as nossas impurezas.”
O Papa ressaltou a admiração que Jesus suscita com as suas afirmações e os seus gestos. “Quantas pessoas seguiram Jesus naquele momento e seguem Jesus na história porque ficam impressionadas pelo modo como fala.”
“Quantas pessoas olham de longe e não entendem, não lhes interessa… Quantas pessoas olham de longe, mas com o coração mau, para testar Jesus, para criticá-lo, para condená-lo… E quantas pessoas olham de longe porque não têm a coragem que ele teve de se aproximar, mas têm tanta vontade de fazê-lo! E naquele caso, Jesus estendeu a mão, antes. No seu ser estendeu a mão a todos, fazendo-se um de nós, como nós: pecador como nós, mas sem pecado, mas sujo dos nossos pecados. E esta é a proximidade cristã”.
“Proximidade” é uma bela palavra, concluiu Francisco, convidando os fiéis a um exame de consciência: “Eu sei aproximar-me? Tenho ânimo, força, coragem de tocar os marginalizados?”. Essas são perguntas, disse, que dizem respeito também à Igreja, às paróquias, às comunidades, aos consagrados, aos bispos, aos padres, a todos.
Importe-se com o outro, encontre a paz
A missão evangelizadora da Igreja, de anunciar Jesus até os confins da terra, como um aspecto essencial da vida cristã, está sendo posta em prática. Vários bispos de dioceses e arquidioceses de diferentes partes do planeta estão engajados, diante de um mundo extremamente eufórico e em transformação de valores, culturas e pensamentos. A Igreja definitivamente busca a paz também nas grandes cidades. É um esforço pastoral que está de acordo com o Documento de Aparecida e com a exortação apostólica Evangelii Gaudium, que trazem os pensamentos do Papa Francisco.
Em recente visita ao Brasil, o arcebispo de Barcelona, Espanha, cardeal Lluís Martínez Sistach, passou pelo Rio de Janeiro (RJ) e Aparecida (SP) e partilhou questões importantes com cerca de 40 bispos brasileiros. Ele afirmou que em grandes concentrações urbanas é necessário fazer uma troca de mentalidade pastoral de uma visão rural para uma Igreja que está na cidade, em uma área totalmente urbana.
De acordo com o cardeal Sistach, há uma grande motivação da Igreja Católica a discutir sobre a paz nas grandes cidades. “A Igreja tem de realizar a sua missão nas grandes cidades, e grande parte da população mundial vive nelas e isso está crescendo cada vez mais. Nós temos de planejar como podemos fazer e o que vamos fazer, como estamos fazendo e quais mudanças podemos fazer para anunciar nas grandes cidades a Jesus e o Evangelho.”
Na opinião do bispo é um pouco difícil comparar realidades diferentes, pois cada lugar tem suas peculiaridades, talvez o necessário para buscar a paz seja humanizar as grandes cidades, para dar sentido de fraternidade, para dar acolhida e solidariedade a muita gente que sofre, para ajudar aos marginalizados, os pobres. “Penso numa Igreja que se aproxima e busca estar perto das pessoas. Considero que isso e outras coisas ajudam as grandes cidades a serem mais humanas e não sejam tão frias.”
No Brasil, paróquia paulistana é exemplo de acolhida
O mundo se encontra na paróquia Nossa Senhora da Paz, na região central da capital paulista. São haitianos, sul-americanos, africanos e árabes que trazem na bagagem histórias de sofrimento, perseguição e angústia. Em solo brasileiro, buscam pelo sonho de uma nova vida, de conseguirem um emprego, de constituírem uma família, ou de, ao menos, viverem em paz. Com o auxílio de três padres da ordem dos scalabrinianos, e outros muitos colaboradores e voluntários, esses migrantes tentam um recomeço de forma digna.
Esse trabalho desenvolvido pela Missão Paz acolhe imigrantes de diversas nacionalidades, sem nenhuma forma de distinção, desde o fim da Primeira Guerra Mundial. Cerca de 110 leitos são disponibilizados pela Casa do Migrante, além de refeições e local para banho.
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), com base em dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), o número de solicitações de refúgio no Brasil cresceu de 566 em 2010 para 12 mil em 2014. A professora de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Cláudia Alvarenga Moroni, explica que o aumento mais expressivo de imigrantes nos últimos anos, diz respeito aos fluxos oriundos principalmente da Síria e do Haiti.
Nos braços do diretor da Casa do Migrante, padre Antenor Dalla Vecchia, é que muitos dos acolhidos encontram amparo. Ele ressalta que a Missão tem um papel importante, pois dá a esses povos a possibilidade de vislumbrarem um novo horizonte, tanto do ponto de vista de documentação como o de terem quem os escutem. “Acredito que é a oportunidade que nós temos como nação, sociedade civil e Igreja, de dar um passo a mais, percebendo que essas pessoas não são ameaças, pelo contrário, são pessoas que vêm para somar, acrescentar a essa sociedade que já é constituída pelas mais diversas nacionalidades do mundo”, salienta o sacerdote e ainda ressalta que a Igreja deve ser a primeira a se abrir a essa realidade.
Os estrangeiros que passam pela casa conseguem emprego principalmente em setores como hotelaria, gastronomia, construção civil e serviços gerais. Muito além do dinheiro que precisam para as necessidades básicas de sobrevivência, eles encaminham remessas aos familiares que ficaram na terra natal.
Os empresários que se interessam por contratar a mão de obra imigrante formalmente realizam uma capacitação. Os contratantes são sensibilizados sobre as principais dificuldades enfrentadas por esse povo, além da importância de um salário digno. Outro aspecto ressaltado as empresas é a questão da oferta de moradia provisória, tendo em vista que os refugiados não possuem fiador para alugarem um imóvel no país.
Além do eixo trabalho, o local se dedica a outras atividades. Os abrigados passam por atendimento religioso, psicológico, médico, odontológico e social. Eles recebem orientação de como conseguirem a emissão de visto, refúgio, carteira de trabalho, são informados sobre os direitos trabalhistas que possuem, entre outros aspectos. Os filhos dos migrantes também são matriculados na rede de ensino.
Políticas humanitárias deficitárias
O processo de ratificação da convenção que regulamenta internacionalmente os direitos dos trabalhadores migrantes ainda está em curso, o que dificulta o processo no país. A professora da PUC-SP diz que a Câmara dos Deputados age como se ignorasse a urgência de um país como o Brasil, que se traduz como um dos pilares de sua política doméstica e internacional o zelo pelos direitos humanos, ter tal instrumento internacional ratificado.
Não há políticas sólidas por parte do Estado que garantam a dignidade desses povos. No caso, por exemplo, dos haitianos que entram no Brasil, dos quase 25 mil que se estima que estejam no país, mais da metade passam pelo galpão improvisado na cidade de Brasileia, ficando expostos à falta de saneamento básico e condições alimentares enquanto aguardam uma possível documentação, ou ainda sendo impedidos de tomarem ônibus a fim de seguirem para São Paulo.
O bispo referencial da Pastoral da Mobilidade Humana da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom José Luis Ferreira Sales, diz que a missão da Igreja não é substituir o Estado, mas servir ao Reino, vivendo a comunhão frente à dispersão. Mas em situações emergenciais, como é o caso, a comunidade cristã é chamada a acolher.
Dom José ressalta a importância desse acolhimento e reforça que em Cristo temos cidadania universal, ou seja, as fronteiras não devem prevalecer entre nós, mas o amor solidário e fraterno. Mesmo de origens diferentes, o religioso pontua que somos um só corpo em Cristo. “O mundo mudou e nossa antena de solidariedade deve ser mundial, sem fronteiras, para expressar o ilimitado amor de Deus”, conclui.
Comissão Pastoral da Terra (CPT) e uma luta pelo próximo que dura 40 anos
A Comissão Pastoral da Terra (CPT), existe há 40 anos. É necessário rememorar o contexto em que a CPT foi fundada, pois existe uma luta por questões salutares, como a reforma agrária, a agricultura familiar e a necessidade de humanização do agronegócio. O presidente da CPT e bispo de Balsas (MA), dom Enemésio Lazzaris, analisa a história e os principais desafios do organismo. “Recordar tantas pessoas, sobretudo os fundadores da CPT, dom Tomás Balduíno, já falecido, dom Pedro Casaldáliga, e tantos outros homens e mulheres que deram início a essa comissão, que surgiu ainda no bojo da ditadura militar, é alegrar-se e bendizer a Deus por essa persistência, por essa determinação em favor de todo o tipo de campesinato, presente praticamente em todo o território nacional.”
Em relação aos desafios, o prelado afirma que é necessário primeiro a CPT se fortalecer internamente, quanto aos seus agentes e ao voluntariado para fazer um serviço ainda melhor. O segundo desafio é a organização. As equipes precisam ser fortalecidas. Outro desafio é o econômico-financeiro, dado que as agências estrangeiras, que ajudavam um pouco mais, patrocinando projetos, diminuíram bastante. “E eu diria que o grande desafio é o modelo econômico avassalador, que prioriza o mercado, o capital e o dinheiro, em detrimento das populações que não têm meios, não têm a tecnologia para trabalhar e para desenvolverem-se.”