Quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra
Jesus foi para o monte das Oliveiras. De madrugada, voltou de novo ao Templo. Todo o povo se reuniu em volta dele. Sentando-se, começou a ensiná-los. Entretanto, os mestres da Lei e os fariseus trouxeram uma mulher surpreendida em adultério. Levando-a para o meio deles, disseram a Jesus: “Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Moisés na Lei mandou apedrejar tais mulheres. Que dizes tu?” Perguntavam isso para experimentar Jesus e para terem motivo de o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão. Como persistissem em interrogá-lo, Jesus ergueu-se e disse: “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”. E tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão. E eles, ouvindo o que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos; e Jesus ficou sozinho, com a mulher que estava lá, no meio, em pé. Então Jesus se levantou e disse: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” Ela respondeu: “Ninguém, Senhor”. Então Jesus lhe disse: “Eu, também, não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais”. Jo 8, 1-11
Fim da tarde da sexta-feira da paixão. O padre idoso está sentado num banco de fundo da sua capela. Dispunha-se a conversar com os fiéis e ouvir uma ou outra confissão. Foi então que ela chegou. Mulher de certa idade, a maquiagem mais que excessiva tentava, sem nenhum sucesso, esconder as mazelas que as durezas da vida haviam causado em seu rosto. A pintura, aliada àquela roupa muito curta, justa e decotada, denunciavam sua profissão. Toda sem jeito ela foi se achegando. Pisava esquisito por causa dos saltos altíssimos já meio torcidos das sandálias de segunda mão. Mais de perto se via o estado lastimável das roupas. Ele lhe sorriu, indicando o banco para que se sentasse. “Padre, Jesus está triste comigo?” Acompanhada de um gesto largo a resposta é indagadora: “Minha filha, por que Jesus estaria triste com você?” “Ah, padre, minhas amigas de trabalho dizem que sim. É que hoje nenhuma de nós trabalha. Aí, ao voltar da visita à penitenciária, elas vieram me dizer que Jesus está chateado comigo”. “E o que você foi fazer na cadeia?” “É que agradecida a Jesus, procuro fazer algo de bom neste dia especial. Vou até lá, escolho aquele preso mais feinho, mais descuidado, que ninguém visita e nem cuida dele e faço com ele o que sei fazer. Dou carinho. É verdade que Jesus está triste comigo, padre?” Surpreso com aquela história o sacerdote se quedou em silêncio, admirando a singeleza com que a mulher lhe contava sua experiência da sexta-feira santa. Imaginava o que a teria levado àquela vida. Quem sabe não teria sido para alimentar seus filhos e a si própria que se prostituíra… Devia ter sido bonita. Agora bem acabada, parecia velha apesar de não ter muita idade. A visão que se tinha dela dava para se depreender que não deveria mais ser tão procurada. seus trajes mostravam que passava necessidades. O que Jesus diria àquela mulher sofredora? Era o que ele pensava. Mais um pouco de silêncio e Dom Helder, o padre idoso ao fundo da Igreja, toma suas duas mãos. Com um olhar que só os santos são capazes de ter a abençoa dizendo: “Filha, Jesus não está triste com você não. Vá em paz”.
É preciso notar que Jesus resignifica a Lei. Dá a ela um sentido mais pleno, mais bonito, mais positivo e propositivo. Coloca em seu seio o Amor e a compaixão. Esse trecho, que os estudiosos chegam a dizer que possa ser do Evangelista Lucas nos mostra claramente este intento.
O Amor obrigará a fazer sempre o exercício do discernimento. É como se na cena fôssemos ao mesmo tempo os que julgam, a mulher que poderá ser apedrejada e mesmo Jesus (sim, somos parte do seu Corpo).
Discernir é ultrapassar as fronteiras daquilo que está pré-definido. Por isto é muito mais exigente. Custa esforços, dá trabalho. Escolher é exercer a liberdade, verificando entre várias opções boas aquela que mais nos porá na dinâmica. amorosa da compaixão, do cuidado e da misericórdia.
Pistas para reflexão durante a semana:
– O que tenho feito para resgatar a dignidade das pessoas?
– Que dinâmica vivo: a da Lei ou a do Amor?