Pentecostes: O rosto feminino de Deus a nos impelir para a vida
Liturgia da Missa–Reflexões para a Mesa da Palavra–Ano C
Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. Depois destas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor. Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. E depois de ter dito isto, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”. Jo 20, 19-23
O jovem médico era já reconhecido como excelente profissional. Mesmo sendo responsável por cargo importante, tendo galgado os primeiros degraus de uma carreira brilhante, toma decisão radical. Larga tudo e vai para a África. Quer atuar em acampamentos de desabrigados da seca e das guerras. Cuidar de crianças e velhos doentes. Tratar de povos com quase nada para comer. Gerar mais vida em pessoas desesperançadas do futuro. Por trás dessa sua decisão estava o Espírito de Deus a soprar sobre ele.
Duas celebrações são essenciais para a nossa fé. Trata-se da Páscoa a primeira delas. A outra é esta que agora celebramos: Pentecostes. Após a festa do Filho que é resgatado para a vida pelo Pai, celebramos o Espírito de Deus atuando no mundo, vivendo em nós e nos conduzindo, apesar de tantas forças contrárias, para o bem.
Não que o Espírito Santo seja uma novidade apresentada por Jesus naquele dia. Ele sempre esteve conosco. Mesmo quando o mundo nem era mundo. Quando se vivia o começo do Universo, lá estava Ele “pairando sobre as águas”, nos registra o Gênesis. O que acontece em Pentecostes é que, fruto da outra festa fundamental da nossa fé, a Páscoa, Jesus como que nos presenteia com uma “overdose” do Amor da Trindade Santa.
João, com sua escrita carregada de simbolismos, vem nos dizer que tais coisas acontecem, naquelas horas em que cresce o medo: a noite chega. Não é sem razão o registro de que as portas se encontravam fechadas. Obviamente por conta dos receios sentidos pelos discípulos, “se pegaram Jesus, o que será de nós agora?”
Mas portas cerradas também para sinalizar estarem fechados os seus corações. Por isto estavam tristes naquele lugar. A vida não possuía mais sentido. É a chegada de Jesus que, “pondo-se no meio deles” lhes resgata a alegria.
O Espírito Santo é o eterno movimento do Amor de Deus. Por isto, Ele jamais nos mantém estacionados. Estar com o Espírito é se colocar em movimento. É tomar plena consciência de que se vive na Terra em missão. Por isto, aquele que diz estar com o Espírito Santo e se mantém imobilizado, dentro de uma religião pessoal e alienada do mundo, está sendo no mínimo incoerente.
A fé é o antídoto para o medo. Somente com ela nos livraremos do temor existencial que vivemos. Não falo aqui do simples medo da violência, do assalto, ou de se ter carro e residência roubados. Trata-se do receio profundo de se perguntar sobre o depois da vida, já que nos negamos a acreditar, como os ateus, que o ciclo é meramente horizontal e um dia tudo volta a ser esterco.
Pentecostes é a vitória sobre o medo. Trata-se do salto que cada um de nós precisa dar ao dizer “eu creio!”. E este pulo não se dá no meio do dia, vendo o Cristo glorioso do outro lado, de braços abertos a nos esperar. Ele ocorre, como vemos no Evangelho, “ao anoitecer”. Ele se dá em meio às dúvidas e problemas da vida. Ao ocorrer dessa forma permite-nos indagar das razões da nossa fé.
Comparando-a com as fases da vida, poderemos vê-la em quatro etapas bem demarcadas. Há a fé infantil, a adolescente, a fé jovem e por fim a adulta. Vale refletir um pouco verificando em qual desses estágios, que não necessariamente acompanham o tempo da vida biológica, a gente se encontra.
A fé infantil: Trata-se daquela que não questiona nada e muito menos busca razões. É a fé que não amadureceu, mantendo-se presa aos tempos de catecismo. “Eu creio porque a catequista me disse, ou porque o padre pregou, ou porque assim está escrito”. É uma fé que tende a permanecer na superfície, não se enraíza. Por isto, ao menor vendaval é alto o risco de vê-la partir levada pelo vento.
A fé adolescente: Nesta fase da vida se está sempre observando o que fazem os adultos. Serão seguidos pelo que fazem e não pelo que pregam. Os adolescentes cobram total coerência daqueles que lhes transmitem a fé. As palavras não os convencem, mas sim os exemplos. Como Tomé estão sempre em busca de provas e como a fé viceja onde nada pode ser provado, acabam por se desiludir.
A fé jovem: Vencida a etapa da adolescência o jovem vai se fazendo autônomo. Continua questionando, na medida em que constrói seus próprios caminhos, seus princípios. Por conta disto termina se achando competente e forte por demais. Quer se fazer independente de tudo e de todos. Tem vezes que suas falas podem nos passar a impressão de que se vê imortal. A fé tremenda que os jovens têm em si mesmos faz com que terminem se esquecendo de Deus.
A fé adulta: Trata-se da pessoa que crê, porque tomou consciência de que as certezas e fortalezas do mundo são por demais frágeis. Definitivamente incapazes de manter afastados o medo e a incerteza. Não que a fé adulta necessite de se estar num tempo tranquilo. Nada disto. Ela impele para as grandes e significativas decisões da vida, como a do jovem médico da história de hoje. Será provada no fogo do sofrimento, da solidão e do abandono. É a fé de quem se descobre livre e se deixa levar pelo sopro do Espírito. Assumir assim a fé é tomar nas mãos as rédeas da vida e fazê-la serviço aos irmãos. É sentir no rosto o sopro do Senhor Jesus. Aquele mesmo sopro gerador de vida que vemos no Gênesis e que explode em Pentecostes.
Pentecostes ao contrário da Páscoa que é festa bem masculina (É Jesus quem ressuscita), é uma celebração eminentemente feminina. Espírito nas línguas semitas é palavra do gênero feminino. Celebramos então, e isto nestes tempos atuais é muito significativo, o rosto feminino de Deus.
Pistas para reflexão durante a semana:
– Em qual direção o Espírito me move?
– Onde nessas quatro fases se encontra a minha fé?
– O que significa em minha vida ver Deus também como feminino?
Fernando Cyrino