“Audácia, imaginação e coragem”: a Companhia de Jesus do futuro.
Segundo Nicolás, “os desafios da Companhia de Jesus são os mesmos da humanidade (…). A nossa pergunta é: como nos dirigimos a esses desafios? Hoje, precisamos de audácia, imaginação e coragem para enfrentar a nossa missão como parte da missão maior de Deus em relação ao nosso mundo.”
Uma síntese da entrevista foi publicada no jornal Corriere della Sera, 25-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segue a entrevista.
O senhor viveu em primeira pessoa os dois Sínodos sobre a família. Notou diferenças em relação aos Sínodos anteriores dos quais participou?
O papa disse que, no Sínodo, não queria se ver caminhando à frente sozinho, mas com os bispos. Não há a menor dúvida de que o papa pode prosseguir sozinho, mais rapidamente, e tomar decisões que sempre serão bem acolhidas na Igreja. Mas ele não quis fazer isso, para valorizar a contribuição de todos. Portanto, é uma pena que ele não receba o mesmo respeito de alguns daqueles que, na Igreja, são postos no comando para guiar os fiéis com a palavra e com o exemplo. Para que o ensinamento do papa seja uma realidade viva, é preciso mudar a formação do clero em uma formação ao discernimento.
Qual é a perspectiva justa para se olhar o fenômeno das migrações?
Devemos sempre lembrar que a comunicação entre as várias civilizações ocorre justamente através dos refugiados e dos migrantes. O mundo que conhecemos se desenvolveu assim. Não se tratou apenas de acrescentar culturas a culturas: ocorreu um verdadeiro intercâmbio. Os migrantes nos deram o mundo, sem o qual estaríamos fechados dentro da nossa cultura, convivendo com nossos preconceitos e os nossos limites.
Mas isso não implica ver o mundo de forma diferente?
Chegou o momento em que se deve pensar a humanidade como uma unidade e não como um conjunto de muitos países separados entre si com as suas tradições, as suas culturas e os seus preconceitos. É necessário que se pense em uma humanidade que precisa de Deus e que precisa de um tipo de profundidade que só pode vir da união de todos.
Durante a entrevista concedida à La Civiltà Cattolica em 2013, o Papa Francisco me disse que “o jesuíta deve ser uma pessoa de pensamento incompleto, de pensamento aberto”. O que significa para você?
O elogio da liberdade interior: não importa nada mais do que a vontade de Deus. Somos todos buscadores e somos sempre impulsionados a discernir onde está a vontade de Deus (…). O nosso pensamento é sempre “incompleto”, aberto a novos dados, a novas compreensões, a novos juízos sobre a verdade etc. Temos muito a aprender com o silêncio da humildade, da simples discrição. O jesuíta, como eu disse uma vez na África, deve ter três cheiros: de ovelha, ou seja, da vivência da sua gente, da sua comunidade; de biblioteca, isto é, da sua reflexão profunda; e de futuro, isto é, de uma abertura radical à surpresa de Deus.
Você gosta muito do Japão. O que a missão nesse grande país, nessa cultura, pode nos ensinar, hoje, a todos?
A sensibilidade musical. Os japoneses estão entre as pessoas mais musicais do mundo. A religião é muito mais semelhante a esse sentido musical do que a um sistema racional de ensinamentos e explicações. Os japoneses – graças também às raízes do budismo – vivem uma sensibilidade profunda, uma abertura às dimensões da transcendência, da gratuidade, da beleza que subjazem às nossas experiências humanas. Mas, naturalmente, essa é uma sensibilidade que está ameaçada hoje por uma mentalidade puramente econômica ou materialista. A missão hoje no Japão e na Ásia pode nos ajudar a descobrir, ou a redescobrir, a sensibilidade religiosa como sentido musical. A Ásia é uma fonte de esperança.
Quais são as “periferias” apontadas por Francisco aos jesuítas? Como você imagina a Companhia de Jesus do futuro?
Eu sempre estive convencido de que os desafios da Companhia de Jesus são os mesmos da humanidade (…). A nossa pergunta é: como nos dirigimos a esses desafios? Hoje, precisamos de audácia, imaginação e coragem para enfrentar a nossa missão como parte da missão maior de Deus em relação ao nosso mundo. E eu também acredito que as características de uma revista tão especial como a La Civiltà Cattolica, hoje e em vista ao futuro, devem ser: abertura a novos acontecimentos, novas ideias, novos estilos, diversidade de culturas, valores, perspectivas; (…) antecipar, em vez de seguir, a sociedade e a modernidade; continuar oferecendo perspectivas a grupos humanos que se preocupam com o futuro; enfrentar os desafios do momento presente, especialmente a falta de alegria, de esperança e de sentido.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos / Amaivos