Convertamo-nos para que tudo ganhe novas cores, sentidos e sabores.
Reflexão sobre a Mesa da Palavra
Segundo domingo do Advento – 6/12/2020
Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judéia: ‘Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo.’ João foi anunciado pelo profeta Isaías, que disse: ‘Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas!’ João usava uma roupa feita de pêlos de camelo e um cinturão de couro em torno dos rins; comia gafanhotos e mel do campo. Os moradores de Jerusalém, de toda a Judéia e de todos os lugares em volta do rio Jordão vinham ao encontro de João. Confessavam os seus pecados e João os batizava no rio Jordão. Quando viu muitos fariseus e saduceus vindo para o batismo, João disse-lhes: ‘Raça de cobras venenosas, quem vos ensinou a fugir da ira que vai chegar? Produzi frutos que provem a vossa conversão. Não penseis que basta dizer: ‘Abraão é nosso pai’, porque eu vos digo: até mesmo destas pedras Deus pode fazer nascer filhos de Abraão. O machado já está na raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo. Eu vos batizo com água para a conversão, mas aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu. Eu nem sou digno de carregar suas sandálias. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo. Ele está com a pá na mão; ele vai limpar sua eira e recolher seu trigo no celeiro; mas a palha ele a queimará num fogo que não se apaga.’ Mt. 3,1-12
Alguém um dia, com um olhar novo, olhou para o menino de rua e reparou que suas pernas e pés eram marcados por muitas topadas. Olhando-o desse jeito diferente foi fácil perceber que ele enxergava bem mal. A boa pessoa levou-o ao oftalmologista e ficou emocionado quando ele pôde enfim usar óculos e perceber com muito mais nitidez, numa alegria imensa, a realidade ao redor. Não que o mundo tenha se tornado outro. O que mudara eram os óculos. Eles fizeram com que as coisas antes vistas como sombras ou vultos, agora se fizessem em mil detalhes e cores. Lindas.
“Naqueles dias apareceu João Batista pregando no deserto da Judéia”. Chama-me a atenção essa forma como Mateus anuncia o profeta. Após ter tratado nos capítulos um e dois do nascimento e da infância de Jesus ele, de imediato, vem nos falar assim dessa pregação.
Esse jeito de dizer do evangelista dá a impressão de que há uma continuidade de tempo entre o que foi contado antes e o que vem relatado agora. Mas entre os fatos do capítulo segundo e os que temos narrados no Evangelho de hoje há um período muito grande. Da infância de Jesus temos um salto para “aqueles dias” do início da sua vida pública.
Mateus traz-nos aqui outra dimensão do tempo. Muito mais rica e profunda. “Naqueles dias” nos quais pregava João Batista acontecia a plenitude dos tempos e quando Deus se faz presente, ele passa a ter outra contagem. A manifestação de Jesus como Messias salvador da humanidade traz novo olhar sobre tudo.
O tempo que é afirmado aqui é o kairós e para este não faz o menor sentido o cálculo dos dias e anos. A vinda de Jesus torna pleno o mundo e dá novo sentido ao tempo. É como se a sua chegada recolhesse num único momento tudo o que já havia passado, o presente ali vivido e o futuro dentro do qual estamos.
“Naqueles dias” o Antigo Testamento era terminado e as palavras duras proferidas por João soam-nos como as derradeiras da primeira parte da Bíblia. Ditas pelo último profeta da Aliança antiga, elas nos afirmam que para acolher o Deus que vem precisamos de conversão. Nas palavras de hoje poderíamos falar que “sem conversão, sem chance” de ver verdadeiramente a Deus.
Por isto a importância de João Batista nesse segundo domingo do Advento. Não é possível o acolhimento do Menino Deus sem que haja em nós uma mudança. Mais do que mudar de caminho, para receber Jesus é preciso mudar de olhar. Sem ter um olhar novo não se é capaz de sentir Deus nascendo no mundo e nas pessoas em volta.
Não que tenhamos agora um “olhar mágico” capaz de transformar o mundo. Ele permanece, tal qual o do menino das canelas marcadas, do mesmo jeito. O que muda a partir da conversão (metanóia) é a forma de vê-lo. Aquele que está em processo de conversão consegue perceber e sentir novos sentidos naquilo que para os demais continua igualzinho.
Desnecessário dizer do quanto o mundo precisa desse novo olhar. Como as pessoas estão carentes e necessitadas dele. É esse contemplar de justiça e de misericórdia, olhar divino sem dúvidas, que faz com que, conforme a visão de Isaías, o mundo se transforme totalmente e haja paz. Uma paz tão grande que não mais será preciso ter medo dos outros. Ninguém mais será fera para o seu irmão. Todos conviverão e os animais selvagens poderão ser conduzidos pelas crianças.
Do tronco seco brotará o verde que logo florescerá. São imagens bonitas e idílicas de Isaias para nos falar da vinda do Messias. Nosso Deus é o Deus da vida e a sua chegada faz com que até aquele tronco, que parece estar morto, reviva. Jesus vem e nos “batiza com o Espírito Santo e com o fogo”.
A sua chegada faz com que seja reanimado o Batismo que um dia recebemos e que pode ter ficado meio como esse “tronco seco” do qual nos fala o profeta. Jesus vem e traz consigo a realidade do Reino. É nosso trabalho, de batizados revigorados pela chegada do Messias, fazermos com que ele se faça mais presente entre nós.
Para refletir durante a semana:
– Identifico na vida esses tempos fortes de kairós nos quais senti em mim o Senhor?
– Em que o Menino Deus me convida a mudar o olhar?
– O que em mim está seco e preciso pedir nesse Advento para que seja revivificado?