A Voz do Pastor – AGO/2018
Para que ficassem com Ele
Irmãs e irmãos, sempre queridos de Deus,
No Mês Vocacional deste Ano litúrgico B, somos levados ao encontro da sutileza maravilhosa com que o evangelista Marcos nos apresenta o chamado de Jesus aos Doze. No início de um evangelho marcado pela rapidez da urgência, Marcos para, toma fôlego e se dispõe a dar tempo ao valor que só certas coisas muito preciosas têm.
“Jesus sobe a montanha. E chama para si os que Ele quer. Eles vão até Ele. E Ele constitui Doze para que ficassem com Ele e para enviá-los a pregar” (Marcos 3,13-14).
No clima da montanha, no espaço de Deus, Ele chama os que quer para que ficassem com Ele. Todo o restante do evangelho de Marcos será a explicitação desse “ficar com Ele”.
Completa-se o tempo de Jesus; o comprimento do tempo é o seu cumprimento. Tudo está pronto, nada mais resta, nada mais é preciso esperar, nem há tempo para perder esperando. Começa um tempo novo em que Deus não nos deixará sozinhos diante de nossos desafios. A boa notícia de Marcos é que nunca estaremos sozinhos.
Jesus é a boa notícia. Ficar com Ele é ficar perto de um Deus que liberta os possessos de suas alienações pessoais, perdoa os pecados que inviabilizam a caminhada, limpa os leprosos de sua indignidade e de sua marginalização, desmobiliza a paralisia do medo, acalma todas as tempestades, a começar das internas, alimenta nossa fome de querer mais, cura nossa cegueira, a começar daquela que impede a visão até da própria cegueira.
Isso não é um milagre, é um processo. O milagre acontece quando se assume o processo que leva à transformação.
Quando Jesus terminar sua obra em nós, aquela que Ele começou na Galileia, irá se transfigurar diante de nós, e nós seremos transfigurados nele. Então veremos como as coisas realmente são. Então nos veremos como realmente somos. E nos aceitaremos. E esse será o nosso começo, o “Começo da Boa Nova de Jesus Cristo, Filho de Deus” em nós. O curador das amarras e servidões que nos desumanizam também nos chama para curar e humanizar a sociedade em que vivemos. É por isso e para isso que precisamos ficar com Ele.
Tudo o que foi novidade para os primeiros, continua sendo novidade para nós. Colocar vinho novo em odres novos exige mais do que remendar pensamentos e comportamentos antigos. É por isso, que precisamos ficar com Ele. Quando os simples se sentiram atraídos por Ele e glorificaram a Deus dizendo que “jamais viram coisa parecida”, eles abriram o caminho que até hoje nos orienta. É para isso que precisamos ficar com Ele. Foi para isso que Ele nos chamou.
Ele nos chamou para viver a maturidade da eternidade de Deus. Essa é a montanha onde Ele se encontra.
A quem já atingiu uma certa idade, geralmente ocorre que a vida inteira – alegrias, sofrimentos, paixões, descobertas, amizades, namoros, livros, música, viagens, trabalho – não passou de um longo desvio para atingir a maturidade do instante no qual Deus se apresenta a nós, seja como paisagem linda, árvore, flor ou fisionomia humana. É naquilo que nós percebemos o sentido de tudo o que existe e acontece. Mas ainda é pouco.
A quem Ele chamou para “ficar com Ele”, abre-se a percepção do mistério e da alma. Isso requer ficar com Ele. Requer a soma de visões, vivências, ideias, sensações e angústias. Requer a acomodação dos impulsos vitais. Para ficar com Ele é preciso querer ficar. “Se eu quiser falar com Deus, tenho que ficar a sós, tenho que calar a voz”.
Ficar com Ele é um projeto de vida, da vida toda, para a vida inteira, mas começa agora, ou corre o risco de nunca começar.
Não nos cabe preservar o passado, recopiar o antigo, mas agregar novas forças diante do que é novo, sempre dispostos a mudar. A tristeza é o resultado do apego às derrotas. Na entrada desse novo caminho da existência, os melhores dons que a vida tem a nos oferecer deveriam ser uma maior independência da opinião alheia, uma maior tranquilidade diante das paixões e uma imortal devoção ao que é eterno.
Ficar com Ele é o projeto da vida. Comecemos agora, para não correr o risco de jamais começar.
As portas da existência nos são abertas quando ficamos com Ele: saber quem é Ele, saber quem somos nós. Ou ainda melhor: saber quem é Ele para saber quem somos nós.
Todo evangelho de Marcos traz o clima de suspense e expectativa sobre quem Ele é. Que sabedoria é esta? De onde lhe vem a força que tem? As perguntas sobre a identidade de Jesus esbarram nas questões sobre a própria identidade. Chega a hora em que Jesus mesmo pergunta diretamente, aos seus discípulos: para vocês, quem sou eu? Depois de tanto tempo, quem ainda é Ele para nós? Que lugar ocupa em nossas comunidades cristãs? O que devemos esperar dele? O que Ele pode esperar de nós?
A partir da metade do seu evangelho, Marcos vai detalhando o que Jesus espera daqueles que ficaram com Ele. “Anunciava a todos a Palavra por meio de parábolas, conforme podiam entender. Mas aos seus discípulos explicava tudo em particular” (Mc 4,33-34).
Por três vezes, e de maneira cada vez mais realista, Jesus fala do seu destino. Pacientemente, vai detalhando o que significa “ficar com Ele”. Significa renunciar a si mesmo, perder a própria vida por Ele e pelo Evangelho, carregar a cruz. Enquanto isso, os discípulos iam discutindo quem seria o maior, e chegam ao ponto de dois deles virem, pessoalmente, pedir postos de honra. Como somos cegos!
Já no batismo a voz do céu havia proclamado quem Ele era. No caminho para Jerusalém, a voz da transfiguração repete quem Ele é. Diante de Sinédrio, o sumo-sacerdote exige dele a declaração de quem Ele seja. Mas caberá a um centurião romano, depois de tudo, descobrir o véu de sua verdadeira identidade ao mundo. A Cruz O revela. Os discípulos fugiram, as mulheres O seguem de longe, e vão fugir também quando o jovem de branco iluminar suas dúvidas. É a Cruz que O revela.
Mesmo assim, “quem rolará para nós a pedra da boca do sepulcro?” (Mc 16,3).
No cerne da experiência humana se encontra a pedra do sofrimento. Várias tradições religiosas deram seu sentido próprio ao sofrimento. Mas em nenhuma outra, Deus se torna solitário para se tornar solidário. Quem vai rolar a nossa pedra?
Não passamos de um feixe de sensações e solidão em busca de sentido. O que precisamos é ficar com Ele. Porque Ele ficou conosco. Foi o único a rolar a nossa pedra.
Queridos irmãos e irmãs, neste Mês Vocacional, encontrem o seu jeito de ficar com Ele, encontre-se ficando com Ele.
Deixo a todos minha bênção. Peço a todos a caridade das orações. Desejo a todos o que de melhor tenho a desejar: que todos fiquemos com Ele, sempre. Amém.
+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói
Fonte: Arquidiocese de Niterói