A VOZ DO PASTOR – JUL 2019

Publicado em 08/07/2019 | Categoria: A Voz do Pastor Notícias |


 

Túmulo vazio, vida plena

 

Queridos irmãos e irmãs em Cristo Jesus, Nosso Senhor Ressuscitado:

Terminado o Tempo Pascal, gostaria de trazer algumas considerações sobre a espiritualidade que vivenciamos e que irá nos conduzir ao longo do segundo semestre, e ao largo da vida.

O que constitui a nossa condição humana é, justamente, não saber o que faz essa condição. Ninguém sabe, nada sabemos. Pensamos que sabemos, juramos que sabemos, e incrementamos nossa onipotência para não cair no terrível vazio. Mas é só ilusão e onipotência.

No entanto, mantemos essa imagem porque ela nos ampara e dá consistência. Mas não nos iludamos. Nossa imagem é só imagem, quase nunca o que somos. É Narciso mirando o lago. Nossa consistência interna se mantém ao alto custo de sustentar o que não é. Custa caro fincar estacas no brejo.

Foi assim com os primeiros discípulos, os pais da nova fé. Quando lemos que Pedro e o discípulo amado (logo ele!) encontraram o túmulo vazio e “retornaram para os seus” (Jo 20,10), podemos ler que voltaram, desconcertados, pisando sobre as próprias pegadas.

Quem, naquela época, ouvia o relato de um certo túmulo vazio, sabia, na verdade, que não ouvia apenas o relato de um túmulo vazio. Penso nas incontáveis vezes em que as pessoas ficaram esperando, num suspense cinematográfico, para ver se algo mudaria na história, desde a última vez que fora contada. E quando o relato terminava, a mesma frase lacônica lacrava, com pedra, o que todos sabiam: “E, então, retornaram para os seus”.

Para trás. Hoje, se diria: vida que segue.

Eclodia, no entanto, a pujança da palavra que, quanto mais se cala, mais fala. Não adiantava, ansiosamente, acompanhar o relato até o fim. Tudo o que se esperava ouvir, ninguém contaria. A narrativa nada mais era, senão o relato de um túmulo vazio, mulheres alucinadas, discípulos temerosos, gente desconcertada diante do que não conseguia entender, simplesmente, porque ficamos assim quando as coisas não cabem dentro de nós, dos nossos paradigmas, dos nossos projetos, das nossas expectativas. Ficamos assim quando o sentimento não cabe no contorno das palavras.

Que pobreza, a nossa!

Sinais havia, espalhados: lençóis estendidos, aromas de perfumes silvestres, mirra e aloés. Tudo de que se precisava para ir além da morte e crer. Eles não viram nem ouviram.

Que pobreza, a deles!

Contudo, é provável que, enquanto voltassem para os seus, levassem uma pergunta germinando, incomodando, martelando, destravando o mecanismo antigo e encalacrado da vida: existe algo na vida que seja maior do que a própria vida?

Bem aos poucos, deram-se conta de que maior do que a vida era a fome de viver, de encontrar sentido, de fazer do sentido, uma direção, de seguir por essa direção. De entender além do que a vida mostra. De encontrar o que a realidade não é capaz de apontar. De desvendar. De iluminar.

A fome existe. Não se resolve a fome costurando a boca.

É preciso sustentar a fome, o vazio, a pergunta sem fim do sepulcro vazio. Só depois há de vir a alegria verdadeira da ressurreição e do Ressuscitado.

Mas será tudo tão fácil quanto é pressuposto que seja?

Cada um terá de matar sua fome com o alimento que conseguir plantar, sua sede, com a fonte que conseguir drenar. Cada um terá de lidar com as perguntas que puder suportar e com as respostas que puder gerar. Sobretudo, as que conseguir ouvir, no emaranhado do coração.

Os sinais estarão sempre lá, e lá continuarão, presentes, perenes, mesmo quando a percepção nos enganar, acenando com um sepulcro vazio. Quem não suportar aquele sepulcro vazio precisa se perguntar até onde o vazio denuncia seu próprio interior.

A complexidade do mundo exige respostas cada vez mais elaboradas. Só irá sobreviver quem na fé conseguir transpor as dúvidas. Uma nova capacidade de perceber, lucidamente, os motivos para crer, sem falsificá-los numa angústia vã ou projetá-los sobre o outro em acusações sentimentais, tornou-se, para o homem de hoje, a busca mais urgente e definitiva de um novo caminho, com rumo e direção.

Onde encontrar respostas elaboradas? Novas ou velhas, as perguntas sempre exigirão novas respostas. É preciso responder. Não seria oportuno voltar para os seus, como os dois primeiros. Sabemos que não há volta, só ida. Se houvesse, você não voltaria os ponteiros do relógio 30, 40, 50 anos atrás?

Quem encontrou o sepulcro vazio, nunca mais será o mesmo. Para uma época recheada de ilusões pseudocientíficas, a ciência do mundo interior é a única capaz de denunciar a banalização externa. Uma nova espiritualidade – mais centrada, mais bíblica, mais existencial – será a única capaz de construir uma nova ordem e de aquietar o coração assolado por desejos nutridos por uma avidez desvairada e desviada de qualquer finalidade.

Não podemos banalizar a vida. Não devemos banalizar Deus.

Um Deus proposto como conceito óbvio, não se torna mais claro, torna-se tosco. Um Deus vendido como mercadoria de luxo, nem por isso se torna precioso, torna-se vulgar. Corremos o risco de pendurar Deus como se fosse joia, mas isso não O torna brilhante, apenas reles bijuteria. Corremos o risco de nos apropriarmos de Deus como propriedade particular. Mas o resto do mundo O rejeitará, por rejeitar quem se apropria dEle, seja como mercadoria, joia, propriedade ou conceito.

É preciso, em nossas práticas, deixar a Deus a liberdade de ser Deus, independente das nossas boas intenções, da geografia política dos nossos agrupamentos ou dos nossos pertencimentos. A resposta ao Mistério de Deus responde à mais antiga de todas as questões, sobre o próprio mistério do homem.

A resposta do homem ao próprio mistério terá de ser um trabalho consciente de espiritualização e sublimação do mundo: uma autêntica recriação de si mesmo, a volta ao jardim do paraíso ou ao jardim onde o túmulo novo havia sido colocado.

Aquele túmulo estava vazio, mas o ser humano não é um túmulo vazio. Aliás, qualquer túmulo vazio ficou para trás. Cheio será o futuro que se abrirá à frente.

O que faz a condição do ser humano não é mais não saber o que faz a sua condição; a resposta nós já temos. Ela passará, inevitavelmente, por um túmulo vazio – horror para os filósofos, temor para os teólogos, consistência, coerência e paz para o homem da fé simples. O túmulo vazio é a condição e a garantia de uma vida cheia. Plena. Total.

Queridos irmãos e irmãs, desejo de coração que este segundo semestre seja um desdobrar da vivência pascal. A Igreja se veste de verde: é que, agora, a semente do Cristo Pascal irá brotar no interior de cada um, verde como planta tenra, e sempre para a glória de Deus, o Pai.

+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói

Fonte: Arquidiocese de Niterói


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