A profecia do silêncio
Precisamos do silêncio também do ponto de vista espiritual. Não se trata simplesmente de abster-se de falar ou da ausência de ruídos, mas sim do silêncio interior, aquela dimensão que nos restitui a nós mesmos, nos coloca no plano do ser, diante do essencial.
Por Enzo Bianchi
A tradição espiritual, não só cristã, sempre reconheceu a essencialidade do silêncio para uma vida interior autêntica. “A oração – disse Savonarola , que entendia bem de discursos apaixonados – tem como pai o silêncio e como mãe a solidão”. Só o silêncio, de fato, torna possível a escuta, isto é, a acolhida em si não apenas da palavra pronunciada, mas também da presença daquele que fala. O silêncio é linguagem de amor, de profundidade, de presença ao outro. Além disso, na experiência amorosa, o silêncio é muitas vezes linguagem mais eloquente, intensa e comunicativa do que as palavras.
Infelizmente, hoje, o silêncio é raro, talvez seja a realidade mais ausente nos nossos dias: somos bombardeados por mensagens sonoras e visuais, os ruídos nos roubam da nossa interioridade, e as próprias palavras são empobrecidas pelo fato de serem gritadas, reduzidas a slogans ou invectivas.
Ora, “quando diminui o prestígio da linguagem, aumenta o do silêncio” (Susan Sontag). Devemos confessar: precisamos do silêncio! Ele nos é necessário de um ponto de vista puramente antropológico, porque o homem, que é um ser de relação, comunica de modo equilibrado e equilibrado apenas graças à harmônica relação entre palavra e silêncio.
Mas precisamos do silêncio também do ponto de vista espiritual. Para a fé judaica e cristã, o silêncio é uma dimensão teológica: no monte Horeb, o profeta Elias percebeu que estava na presença de Deus não no estrondo do vento, trovões e terremoto, mas somente quando ele ouviu “a voz de um silêncio sutil” (1Rs 19, 12). Inácio de Antioquia diria que Cristo é “a Palavra que procede do silêncio”.
Não se trata simplesmente de abster-se de falar ou da ausência de ruídos, mas sim do silêncio interior, aquela dimensão que nos restitui a nós mesmos, nos coloca no plano do ser, diante do essencial. “No silêncio, é inerente um maravilhoso poder de observação, de esclarecimento, de concentração sobre as coisas essenciais” (Dietrich Bonhoeffer).
O silêncio é guardião da interioridade, já que nos conduz de uma dimensão primária e “negativa” de sobriedade, disciplina no falar ou mesmo de abstenção de palavras, a um nível mais profundo, de intensa vida espiritual: isto é, de silenciar os pensamentos, as imagens, as rebeliões, os julgamentos, as murmurações que nascem no coração. É o difícil silêncio interior, aquele que encontra o seu próprio âmbito vital no coração, lugar da luta espiritual. Mas justamente esse silêncio profundo gera a atenção, a acolhida, a empatia com relação ao outro.
O silêncio escava no nosso profundo um espaço para ali fazer habitar a alteridade, para fazer ressoar a palavra e, ao mesmo tempo, nos dispõe à escuta inteligente, ao falar comedido, ao discernimento daquilo que arde no coração do outro e que está escondido no silêncio do qual nascem as suas palavras. O silêncio, então, esse silêncio, suscita em nós a caridade, o amor pelo irmão.
“O silencioso torna-se fonte de graça para quem ouve”, afirmara São Basílio. Para o cristão, a referência à escuta obediente da Palavra de Deus, à acolhida do Verbo feito carne é evidente e extremamente eloquente.
Não por acaso é esse silêncio que chega a nós a partir de uma longa história espiritual: é o silêncio buscado e praticado pelos hesicastos para obter a unificação do coração, o silêncio da tradição monástica voltado à acolhida em si da palavra de Deus, o silêncio da oração de adoração da presença de Deus. Mas também é o silêncio caro aos místicos de todas as tradições religiosas e, antes ainda, é o silêncio do qual a linguagem poética está embebida, o silêncio que constitui a própria matéria da música, o silêncio essencial a todo ato comunicativo.
O silêncio, evento de profundidade e de unificação, torna o corpo eloquente, levando-nos a habitar o nosso corpo, a alimentar a nossa vida interior, guiando-nos para aquele habitare secum tão precioso para a tradição monástica como para a filosófica. O corpo habitado pelo silêncio torna-se revelação da pessoa inteira.
Tentemos, então, encontrar no ritmo da nossa vida um tempo para ouvir o silêncio: conseguiremos captar os esforços realizados para criá-lo e cuidá-lo, discernir os sons imperceptíveis da presença de outras criaturas ao nosso lado, compreender o não dito que habita a grande quantidade de palavras, ter inteligência do que acontece – ou seja, literalmente, a “ler dentro” dos eventos – e, finalmente, também ouvir melhor a nós mesmos e aos outros quando eles falam ao nosso coração e à nossa mente, e não só aos nossos ouvidos
Avvenire, 29-08-2013.
Fonte: Dom Total