A verdadeira estrela da humanidade
O ecumenismo, de acordo com o desejo do papa, vai muito além de uma política de boa vizinhança entre Igrejas.
Por Geovane Saraiva*
Os anjos anunciam aos pastores o nascimento do Salvador da humanidade, ao mesmo tempo em que no Oriente, distante e longínquo, surge uma estrela, com a missão de comunicar aos magos o nascimento da verdadeira Estrela da humanidade. Como é interessante perceber essa estrela como um instrumento estranho e ao mesmo tempo belíssimo e maravilhoso; pedagogicamente cumprindo tão bem sua missão e, depois desaparecendo, causando despreocupação nos magos, a ponto de a esquecerem, diante do encontro inaudito e misterioso da verdadeira Estrela (cf. Mt 2, 1-12; Lc 2, 9-11). Só a partir da condição misteriosa do Filho de Deus como luz para iluminar o mundo, é que se compreende o gesto magnânimo do Papa Francisco, associado à grande ‘Estrela’, no pedido de desculpas aos pentecostais (em 26/07/2014), principalmente diante do acontecido durante o fascismo, quando os pastores foram deportados e as Igrejas evangélicas destruídas; em seguida, os movimentos evangélicos foram declarados “nocivos à identidade física e psíquica da raça italiana”. Muitos eclesiásticos se calaram e, inclusive, devido às denúncias de alguns párocos, a polícia secreta do regime deteve muitos evangélicos. As leis e as medidas foram aprovadas por cristãos, por batizados. Francisco pretende agora, conter o uso muito exagerado que os católicos dão à palavra “seita”, para se referir a estas novas realidades.
Em Belém, numa cidade pequena, nasce uma pobre criança, aliás, nem nasce na cidade e sim no campo, como tão bem sabemos, numa estribaria, entre os animais e pastores. Ele que veio para dar a vida por suas ovelhas, chamando atenção para uma realidade, antagônica e ao mesmo tempo misteriosa: nasce durante a noite, na escuridão, mas na condição de luz ou estrela da humanidade. No ministério generoso do nosso querido Sumo Pontífice compreendemos melhor a história dos cristãos, marcada por escuridões, lacunas e deficiências. Ao visitar os pentecostais em Caserta, para concretamente, num gesto de humildade dizer não à escuridão, retribuindo, segundo o mesmo, as visitas que lhe foram feitas por primeiro, quando era Arcebispo de Buenos Aires. “É isso um testemunho. Vieram e se aproximaram. E assim começou esta amizade, esta proximidade entre os pastores de Buenos Aires. E hoje aqui. Agradeço muito a vocês, peço que rezem por mim, preciso muito oração para que ao menos eu seja melhor. Obrigado!”.
A luz da vida, que é o próprio Cristo Jesus, quer iluminar e aquecer os que andam na escuridão e na sombra da morte. A força libertadora e transformadora, que se revelou há mais de dois mil anos numa criança, se revela nos nossos dias através do Papa Francisco, quando demonstra claramente que o diálogo, a cooperação, sem se afastar da misericórdia, deveria ser estreita e mútua entre as Igrejas Cristãs, como sinal luminoso para o mundo, para que o mundo creia. O ecumenismo, de acordo com o ardoroso desejo do Romano Pontífice, vai muito além de uma política de boa vizinhança entre Igrejas, mas é o testemunho imprescindível, no sentido da nossa coerência de seguidores de Jesus de Nazaré: “Nisto todos saberão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros como eu vos amei” (cf. Jo 13, 35).
Deus seja louvado na iniciativa abençoada do papa Francisco e do Pastor Giovanni Traettino, para além da amizade pessoal: “O Papa foi visitar evangélicos!”. Mas o papa Francisco não conquistou apenas o coração dos evangélicos: “Papa Francisco conquistou um lugar importante no coração de muitos muçulmanos”, afirma em nota a União da Comunidade Islâmica Italiana (UCOII). “O futuro do mundo depende da paz entre muçulmanos e cristãos”, diz a nota, retomando um apelo firmado há alguns anos por 138 expoentes islâmicos. “Sem paz e justiça entre estas duas comunidades religiosas, que formam mais da metade da população mundial, não pode existir uma paz significativa no mundo”, reiteram os muçulmanos.
Antes do papa Francisco, outros cristãos estiveram atentos para esta questão, lembremos como foi maravilhoso o ecumenismo do Bem Aventurado Charles de Foucauld! Ele não praticou jamais o proselitismo e sua missão foi de imitar Jesus no escondido de Nazaré, no silêncio do deserto e na contemplação. Seu apostolado foi o de ser Um irmão universal – Irmão de todos. Eis o que ele escreve sobre o apostolado cristão: “Pela bondade e pela ternura, pelo amor fraterno, pelo exemplo de virtude, pela humildade e doçura, com alguns, sem lhes dizer nunca uma palavra sobre Deus ou sobre religião, sendo bom como Deus é bom, sendo irmão no afeto e nas preces. Com outros, falar de Deus na medida em que podem assimilar (…)”. Assim seja!
* Geovane Saraiva é padre da Arquidiocese de Fortaleza, escritor, membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal – Pároco de Santo Afonso. É autor dos livros “O peregrino da Paz”, “Nascido Para as Coisas Maiores”, “A Ternura de um Pastor”, “A Esperança Tem Nome”, “Dom Helder: sonhos e utopias” e “25 Anos sobre Águas Sagradas”.
Fonte: Rádio Vaticano