A Voz do Pastor – Janeiro/2012
Ouro, incenso, mirra, alma e coração. “O ano que terminou não é passado, é um pedaço do futuro.”
Primeira “Voz do Pastor” Eleito
Queridos irmãos e irmãs desta Arquidiocese de Niterói: A todos, a paz!
Mais um ano começa. Já se apagam as lâmpadas do Natal, o presépio e a árvore logo serão desmontados. Os magos encontram-se, ainda, entre nós. Quando se desligarem as fiações, todas as estrelas serão apagadas. Mas aquela do Natal, a estrela dos magos, continuará dentro de nós, iluminando o caminho. Não basta que exista o caminho, nem basta que exista a vontade de percorrer o caminho, nem mesmo que existam os meios para fazê-lo: é preciso haver uma estrela. Se não houver luz, a escuridão que invadir o caminho poderá desviar a chegada. Andar a esmo e no escuro não é andar: é, simplesmente, ir sem saber aonde. Para caminhar, é preciso um projeto de caminho. Para existir esse projeto, é preciso haver luz. “E a luz foi feita” (Gn 1,3). A primeira obra criada foi, na verdade, a condição de todas as outras.
Coube ao evangelista Mateus a honra de relatar o episódio dos magos do Oriente. “Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judeia, no tempo do rei Herodes, alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, e perguntaram: Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Nós vimos a sua estrela no Oriente, e viemos prestar-lhe homenagem” (Mt 2,1-2). Cada vez que se celebra a Solenidade da Epifania, impressiona-me a sensibilidade de Mateus: ali, diante do Menino e sua Mãe, se encontravam homens sábios, vindos de um mundo desconhecido – chamado “Oriente” – orientados por uma luz interna. Eles vieram para encontrar algo mais; e esse “algo mais”, só a vida não é capaz de fornecer, sequer de mostrar. A vida é pouco para isso. Para eles, era preciso uma luz do Alto: no mínimo, uma estrela. “Ao verem de novo a estrela, os magos ficaram radiantes de alegria” (Mt 2,10).
A jornada dos magos reflete a viagem interior de cada homem e de cada mulher, rumo – caso o caminho seja percorrido e haja luz – à maturidade espiritual. O terreno de perigos, trevas e armadilhas – os “Herodes” que encontramos – são as regiões ameaçadoras e desconhecidas dentro de nós mesmos. Cada um tem seu próprio “Oriente”, seu próprio “Herodes”, sua “estrela” e sua busca. Cada um é um sábio do Oriente, seguindo a luz interna e se perguntando: “Onde está o recém-nascido?” Será possível imaginar os perigos enfrentados até o final da jornada? “Depois que ouviram o rei, eles partiram.” Não, não é possível imaginar. O que sabemos – o que, realmente, interessa saber – é que eles atravessaram os últimos confins da alma. E chegaram. ”A estrela, que haviam visto no Oriente, ia adiante deles, até que parou sobre o lugar onde estava o Menino” (Mt 2,9).
Mas eles não caminharam de mãos vazias: eles levavam tesouros. “Quando entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele, e lhe prestaram homenagens. Depois, abriram seus tesouros, e ofereceram presentes ao Menino: ouro, incenso e mirra” (Mt 2,11). Esses tesouros que eles abriram diante do Menino representam todos os recursos interiores, nossos tesouros, que, muitas vezes, nem imaginamos que existam. Quando encontraram o Menino, eles se encontraram. Quando abriram seus tesouros, foi a si mesmos que se abriram.
Ouro, incenso e mirra. E por que não? Também vocês já levaram ao Menino o ouro das suas vidas: seus filhos, suas conquistas, suas vitórias. Também já apresentaram o incenso de todo impulso bom que governa nossa caminhada espiritual: o desejo de ser mais, de ir além, de subir, feito fumaça perfumada de incenso, de encontrar a razão que dê razão a todas as razões. Mas também já trouxeram a mirra amarga daquilo que a vida insiste em negar: a faculdade que ainda não foi possível terminar, o atendimento médico-hospitalar que ainda insiste em ser negado, os sonhos de uma vida inteira que sempre ficam por esperar. O ouro é aquilo que somos; o incenso, o que queremos ser; a mirra é a frustração daquilo que não nos foi possível alcançar. No Natal, levamos ao Deus-Menino o que somos e o que não somos. E até o que não somos apresentamos ao Deus que É.
Agora, somos todos “magos do Oriente”. Cada um tem seu mundo desconhecido, sua estrada e sua estrela. Ao adorar o Menino e ao abrir seus tesouros, cada um pôde se encontrar. E, então, a estrela que iluminou o caminho, iluminou, também, o “oriente” desconhecido de cada um. Pelo simples fato de encontrar o Menino, nosso caminho se tornou outro. Esse é o milagre do Natal, oferecido aos pastores, aos magos, a mim e a você: um outro caminho. “Avisados em sonho… partiram para a região deles, seguindo por outro caminho” (Mt 2,12).
Irmãos e irmãs: O ano que terminou não é passado, é um pedaço do futuro. Nesse novo ano, também eu estarei começando um novo futuro, por outro caminho, para as “terras do Oriente”. O encontro com o Menino nesse Natal me garante vir a vocês da mesma forma como os magos foram a Belém. Segui a estrela-guia, fui pelo caminho certo. Encontrarei vocês. E, junto a vocês, encontrarei o Menino e sua Mãe. A estrela de suas preces iluminará minha jornada, nesta abençoada Arquidiocese. A todos deixo minha primeira bênção, em nome do Deus Uno e Trino, Senhor de nossas vidas, luz de nossa caminhada: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Amém.
+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Eleito de Niterói