A voz do Pastor – Setembro
Suprema inquietação humana
Como reconhecer o sinal de Deus?
Nos primórdios, o sinal de Caim pesou sobre a humanidade inteira (Gn 4,15). Um pouco à frente, o Sinal da Aliança salvou a humanidade inteira (Gn 9,12). Isaias sinalizou que uma virgem conceberia (Is 7,14) e Lucas viu o fato em seu coração (Lc 2,12). Uma nova luz se acendeu: “Isso vos servirá de sinal! Encontrareis um menino envolto em panos”. Sim. Mas ele não seria o que se esperava dele: seria um sinal de contradição (Lc 2,34).
Quantos sinais! Quando reconhecer o sinal de Deus?
O autor do Evangelho de João esteve atento a essa suprema inquietação humana.
Nós precisamos de sinais, mas nem sempre os sinais que esperamos nos serão dados. Os sinais de Deus não desfilam em carro alegórico. Eles são preciosos porque são sutis. Não são escassos, mas são discretos. Onde reconhecer o sinal de Deus?
Em nome dessa suprema inquietação humana, mas sem quebrar a sutileza e a discrição, o autor do Quarto Evangelho, que chamamos de João, anunciou que iria deixar sinais espalhados ao longo do seu texto, para acalmar nosso coração.
Foi assim que João reuniu forças e formas e escreveu o seu evangelho. Mas quem quiser captar o sentido terá de começar pelo final, onde se anuncia, solene: “Jesus realizou diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes sinais foram escritos para que vocês acreditem …” (Jo 20, 30-31). Quais sinais? Adianto que são sete, e os deixo à procura deles.
Na verdade, o grande sinal, o sinal por excelência, aquele que sobrepuja todo olhar e qualquer conhecimento, esteve exposto lá, a quem quisesse ver. “Não lhe quebraram as pernas, mas um soldado lhe atravessou o lado com uma lança, e saiu sangue e água. E aquele que viu dá testemunho. E terão de olhar para aquele que transpassaram!” (Jo 19, 34-37). Esse fora o grande sinal. Quem não fosse capaz de decifrar esse sinal, não seria capaz de enxergar os outros. E a suprema inquietação humana continuaria abalando os alicerces do coração.
O coração sempre quer mais, sempre haverá de querer, e sempre haverá mais para dar.
Além dos sete sinais escondidos nas páginas do texto, além do grande sinal, cujo texto foi rasgado por um golpe de lança, João nos deixou ainda outro, o mais sutil e discreto de todos. O ponto culminante do Evangelho de João indica um túmulo vazio. Nossa suprema inquietação brota do fato de não conseguir enxergar. Apesar de tudo, de todos os sinais, ficamos tão inquietos como os dois primeiros, os que encontraram o túmulo vazio. De um deles é dito que viu e acreditou. Mas apenas para, em seguida, acrescentar que ambos voltaram para casa.
“Os discípulos, então, voltaram para casa”.
Ou seja, com toda sutileza, João denuncia que, depois de tudo e apesar de tudo, tudo ficou na mesma. Eles não viram nada, não souberam de nada, e voltaram para os seus. Nós não vimos nada, não sabemos de nada, e nos voltamos para nós mesmos, onde tudo é sombra. E temos de nos contentar com sombras até que a luz nos banhe e nos ilumine.
“Os discípulos, então, voltaram para casa”.
(Como precisamos de sinais!)
O que faz a condição do sujeito humano é, justamente, o fato de ele não saber o que faz a sua condição. Não sabemos. É isso. Não sabemos nada de nós mesmos. Pensamos que sabemos, juramos que sabemos.
“Os discípulos, então, voltaram para casa”.
(Senhor, como precisamos de sinais!)
Quando a plateia de João ouvia o relato da ressurreição, ela sabia que ouvia, na verdade, apenas o relato de uma corrida a um túmulo vazio, premiada com a frustração que se seguiu. Incontáveis vezes, aquela plateia ficou esperando até o fim, num suspense cinematográfico, apenas para ver se algo havia mudado na história, desde a última vez em que fora contada. E quando o relato terminava, a mesma frase lacônica lacrava, como pedra, o que eles já sabiam.
“Os discípulos, então, voltaram para casa”.
E, então, também os novos discípulos voltavam para casa.
Mas, subitamente, eclodia a maravilhosa força da palavra, que quanto mais se cala, aí, é que mais diz. Não adiantava, ansiosamente, acompanhar o relato até o fim. Tudo o que se esperava ouvir, ninguém contaria. O relato da ressurreição nada mais era que o relato de um túmulo vazio. Um túmulo vazio, mulheres alucinadas afirmando que viram alguma coisa, um Pedro sempre desconcertado por não conseguir entender o que não cabia dentro dele, dos seus paradigmas e das suas expectativas. Para ele, ainda não chegara o terceiro dia.
(Senhor, dê-nos sinais!)
Mas os sinais já estavam ali, espalhados, por toda parte, nos panos caídos ao chão. Todos os sinais de que precisavam estiveram lá: lençóis estendidos, aromas de perfumes silvestres, mirra e aloés. Só o discípulo íntimo viu, entendeu, apostou, acreditou. Só ele se adiantou. Só ele percebeu.
Também os novos ouvintes, quando voltavam para os seus, levavam dentro de si uma pergunta germinando e incomodando. Existe, então, algo na vida que seja maior que a própria vida?
Só aos poucos é que foram se dando conta de que maior do que a vida era a fome de viver. A fome de encontrar o sentido, de fazer do sentido uma direção, e seguir por ela. De entender o que a vida havia escondido. De encontrar aquilo que, por si só, ela não havia sido capaz de mostrar.
Não se resolve a fome costurando a boca. É preciso manter a fome, o vazio, a pergunta sem resposta. O sepulcro continuará lá, vazio. Mas será só isso? Cada um terá de preencher esse vazio com as respostas que puder gerar. Os sinais estão e continuarão lá, para sempre, lá. O sepulcro pode até continuar vazio. O que ele não pode é permanecer oco.
“Os discípulos, então, voltaram para casa”.
(Senhor, mostre-nos os sinais!)
Quem sabe, aqueles primeiros não suportaram o sepulcro vazio porque ele denunciava o próprio interior, também vazio. Os novos ouvintes e aprendizes de hoje, discípulos e missionários, não têm a chance de, simplesmente, voltar para casa. A complexidade do mundo exige respostas cada vez mais elaboradas. Só quem responder, irá encontrar a resposta. Porque a resposta se encontra onde se encontra a pergunta. A resposta se encontra, respondendo.
Mas ninguém encontra respostas sozinho. É urgente encontrar o caminho, o rumo e a direção, ainda que seja de volta para casa. Só que nunca mais de mãos vazias. Quem encontrou o sepulcro vazio, nunca mais será o mesmo nem terá mãos vazias.
Para uma época marcada por ilusões pseudocientíficas, o conhecimento interior é o único capaz de denunciar a perversa banalização a que se vendeu a ciência do mundo. O conhecimento interior deverá trazer um novo modo de pensar, um modo que seja capaz de aquietar o coração humano. A resposta do homem ao mistério de si mesmo terá de ser um trabalho consciente de espiritualização e de sublimação do mundo – desta ordem de coisas como aí está – justamente aquela que o Evangelho de João denuncia.
“Os discípulos, então, voltaram para casa”.
Senhor, faça-nos ver! Que o túmulo ficou, lá atrás, no passado. Vazio.
Cheio será o futuro que se abrirá à frente.
Convido os irmãos e irmãs a caminharem ao lado de João nesse mês de setembro. Ninguém mais apto a nos levar a Jesus o Cristo, o sol de nossas vidas.
Abençoo-os e peço as suas orações.
+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói
Fonte: Arquidiocese de Niterói