A Voz do Pastor

Publicado em 04/05/2017 | Categoria: Notícias |


avozdoPastor  SAIR DAS VARANDAS DA VIDA

 

Queridos irmãos e irmãs,

Viktor Frankl foi um terapeuta judeu que sobreviveu a seis campos de concentração. Ele aprendeu que só seria possível sobreviver a situações difíceis aquele que encontrasse sentido para a vida. “Quando o ser humano encontra um sentido, ele está disposto a sofrer, se necessário. Ao contrário, quem não reconhece nenhum sentido na vida, não se importa com ela, e mesmo que esteja bem de vida, externamente, sob determinadas condições ela é jogada fora”.

Sem sentido, estamos desraigados. Somos árvores, queremos crescer, mas não temos raízes. Queremos lançar galhos e produzir flores e frutos, mas nos falta uma razão essencial. “Assim que as pessoas têm o suficiente para viver, elas descobrem que não têm nada pelo que possam viver”. Não é assustador que haja uma minissérie fazendo o maior sucesso, e que o tema seja justamente o suicídio de uma adolescente? Quem tem um “porquê” suporta qualquer “como”.

Árvores só crescem na luz; só crescem voltadas para a luz. Luz é transcendência. “A existência humana sempre aponta para algo além dela mesma, algo que não seja ela mesma – para um sentido que devemos cumprir ou para outro ser humano a quem amar”.

Quando giramos ao redor de nós mesmos, se esse giro egocêntrico for centrípeto, cava uma vala na alma; se for centrífugo, rouba-nos de nós mesmos. Enquanto não encontramos um ideal para onde olhar e caminhar, acabamos internamente vazios, ou por excesso ou por falta: ou morremos infartados de tanto Eu ou morremos à míngua dele.

O que falta para que as pessoas encontrem sentido e direção?

Em 2013, o Papa Francisco respondeu essa questão aos universitários de Roma: “Por favor, não assistam à vida da varanda de seus apartamentos! Intrometam-se – lá onde estão os desafios, lá onde pedirem sua ajuda para avançar a vida, o desenvolvimento, a luta pela dignidade humana e contra a pobreza, a luta pelos valores e todos os desafios que encontramos todos os dias”.

É impressionante como existe quem deixe a vida passar. Com tanto por fazer e conhecer, como pode haver quem ainda “mate o tempo” com banalidades! A gente só pode viver daquilo que transforma. Que tristeza, perceber que certas existências começam e terminam toscas de sentido, embrutecidas pelo consumo! Vidas vazias que se deixam valer menos do que o valor pago nas lojas de 1,99.

O que fazer?

Pergunte: o que faz você feliz?

Decerto não será girar ao redor da própria felicidade.

A experiência mostra que os mais felizes são aqueles que conseguem esquecer de si mesmos e que se entregam à busca da felicidade do outro. Isso é o contrário de tudo o que a sociedade de consumo propaga. Convenhamos que à sociedade de consumo não interessa pessoas felizes. Gente feliz não consome. Quando menos felizes, mais compramos, mais comemos, mais bebemos.

Vejam a proposta de Jesus.

“Vão às ovelhas perdidas da Casa de Israel. Pelo caminho, proclamem que o Reino dos Céus está próximo. Curem os enfermos, ressuscitem os mortos, limpem os leprosos, expulsem os demônios. Vocês receberam de graça, deem de graça!” (Mt 10,5).

Perceberam sua lógica?

Jesus envia os discípulos. Mas Ele não lhes dá a missão de se sentirem bem e de cuidarem de si mesmos. Só importa a missão. De modo algum é para matar o tempo perguntando como eu estou, mas sim qual é o meu chamado? Qual é a minha missão nesta vida? Para o quê fui chamado? O que quero fazer neste mundo? Tudo passa tão rápido que se não nos dermos conta, corremos o risco de ir embora antes que as verdadeiras perguntas tenham sido respondidas.

Ajudar as pessoas a respondê-las significa encorajá-las a interpretar os acontecimentos, e não apenas vivê-los passivamente.

Não é difícil entender o que significa curar os doentes, ressuscitar os mortos, limpar os leprosos, expulsar os demônios. Significa que temos uma missão, além de ganhar dinheiro e subir na carreira. Significa encorajar as pessoas a se reconciliarem com seu passado e a olharem com confiança para o futuro. Certa vez, um psicólogo me disse que não havia nada mais terapêutico do que atender às pessoas. Atender à necessidade do outro é o sentido da cura.

Não podemos ressuscitar mortos nem estamos habilitados a lidar com portadores de hanseníase. Mas há tanta gente morta ao nosso lado! Tantos que não conseguem aceitar a si mesmos, como se fossem portadores de uma lepra na alma! Podemos tocá-los com nossa voz e com nosso olhar. Modificá-los. Este é o sentido da cura.

Expulsar demônios significa trazer clareza às situações. Os demônios da Bíblia são espíritos que turvam o pensamento. Seja qual for, nenhum demônio suporta a luz. Os demônios são espíritos do “mas”. É o “mas” que impede de ousar a vida. Quando incentivamos as pessoas a descobrirem seu caminho, os espíritos do “mas” ficam sem palavras; se perguntarmos a eles o que eles querem, aí mesmo é que se calam: na verdade, não querem nada.

Responder ao chamado já é sair da varanda da vida.

Todo começo é só um começo, eu sei. Mas nada começa enquanto não começar. Quando perguntamos para que fomos chamados, rompemos com o ciclo narcisista da vida. Paramos de girar ao redor de nós mesmos. Entramos em contato com a força que habita em nós, uma força chamada entusiasmo: palavra linda que significa ter Deus na alma.

Não há nada mais atual do que o convite do Evangelho para sair da varanda da vida, levantar da inércia dos sofás, e ir ao encontro das ruas. Quem gira ao redor da saúde fica mais doente. Quem gira ao redor de si perde-se ainda mais. Em nenhum lugar dos evangelhos você irá encontrar Jesus ensimesmado: ou ele está com o Pai ou está com os irmãos. Ele nunca “matou o tempo”. Nunca ficou num quarto escuro ou à varanda vida, sem nada a fazer.

Que tal sair dos quartos escuros e das varandas?

Para onde você olhar, o Reino de Deus o espera. Não é de bom-tom nem coisa de gente educada deixar Deus esperando.

Então, por que não experimentar a alegria de servir?

Cada tradição religiosa tem suas formas de libertação. A nossa pede que a gente lave os pés de quem passa. Antes de tentar experimentar o caminho dos outros, vamos conhecer o nosso caminho: o caminho de Jesus. Sair das varandas confortáveis é o primeiro passo. Os outros virão.

 + Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói



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