A VOZ DO PASTOR – JAN2018
FRAGMENTOS DE ALMA
Queridos irmãos e irmãs em Cristo, Aquele que é nosso Bem maior: que a paz esteja com todos!
Mais um ano se abre. A esperança se renova!
Na abertura deste novo ano quero confiar-lhes alguns pensamentos – fragmentos de alma – que me acompanharam no ano que terminou. Eles me aqueceram nos momentos difíceis, quando sempre estamos sozinhos e é preciso, mais do que nunca, jamais se perder.
Como primeira palavra de 2018, quero evocar a Esperança – o alicerce da Fé e da Caridade.
O ano passado foi um ano de crises e violência. Tem sido assim, nos últimos tempos. Acontece que a esperança é uma ave fugidia, e não é fácil mantê-la quando os tempos são maus. Mas ela fez sua visita no Ano Mariano que findou, um ano de graças para a Arquidiocese: recebemos nosso Bispo Auxiliar, três novos padres foram ordenados, deu-se início às fundações da nova catedral, acabamos de iniciar o Ano Nacional do Laicato. Temos a esperança de que as bênçãos de Deus, sempre presentes, se façam notar ainda mais. Invoco em minha defesa a ousadia de pedir ao Pai do Céu que ele nos mostre o seu amor da forma mais próxima possível à nossa capacidade de experimentá-lo.
Penso na harmonia integral da Paz, nem tanto na felicidade.
A fantasia que nos acompanha desde sempre é a de encontrar a felicidade numa campina ensolarada sem qualquer perturbação. Acontece que a discrepância entre o que desejamos e nossa própria limitação transforma a campina ensolarada, se não no vale de lágrimas, pelo menos num vale, onde o ser humano balança ao vento com suas fantasias irrealistas.
Nossa sociedade se sente cansada e desiludida. O hiato intransponível entre a esperança e a experiência termina num vazio onde apenas lamentar não constrói pontes. É preciso reagir. Vivenciamos momentos de felicidade, mas eles são efêmeros, podem ser criados pela expectativa, mas jamais perpetuados pela vontade. Solta a si mesma, lamentavelmente, a ousadia humana de viver oscila entre a escolha onerosa e a condição inevitável. Entregue apenas a si mesmo, quem diz que o homem sabe aonde chegar?
Esse hiato insuportável entre a esperança e a experiência produz sociedades infantis e dependentes.
Tem sido frequente pessoas se identificarem com grupos e crenças fundamentalistas, buscando aliviar o peso da jornada com valores simplistas, preto no branco, subordinando toda ambiguidade espiritual à certeza de um líder ou à oportunidade disponível de projetar sua ambivalência sobre os semelhantes.
Alguns, na dependência de vícios, anestesiam momentaneamente a angústia existencial, antes que ela retorne no dia seguinte. Outros, nos esconderijos das defesas, expõem ainda mais as feridas da vida.
Se a questão for encontrar a felicidade, convenhamos, não há tanta felicidade disponível no mundo!
Porém, e se a meta da vida não fosse a busca da felicidade, mas a busca do significado, a busca do sentido? E se houvesse em nosso íntimo algo que nos escapa enquanto nos espera? E se fosse justamente essa espera a nos dar esperança?
Quanto tempo seria possível brincar de faz de conta, como crianças se recusando a amadurecer? Quanto tempo levaria para escapar da tarefa espiritual de crescer? Quanto ainda iríamos fugir e negar, acreditando sermos vítimas amargas, encolhidas em algum limitado quintal?
Então não existe a campina ensolarada da felicidade? Não!
Mas existe o Vale do Jaboc. Foi onde Jacó se encontrou com o anjo de Deus, e com quem, por fim, teria de lutar à noite toda, sozinho, e sair mancando, mas não sem antes obter a bênção, acolhendo o chamado divino.
Grande parte da nossa jornada espiritual significa encontrar significado e amadurecer. Grande parte dela é vivida em momentos de solidão, quando lutamos sem saber com quem. É dessas ocasiões que brotam as mais significativas transformações. É aí que a alma é forjada. É aí que alcançamos propósito, dignidade, significado. Esse momento é dialético: alcançamos significado para amadurecer, amadurecemos para alcançar significado.
Sem atingir esse patamar a alma perde autenticidade.
O objetivo de toda jornada espiritual é a autenticidade. Não vamos tirar o sofrimento, mas passar através dele, de consciência ampliada. E se alguém disser que esse processo custa caro em tempo e dedicação, lembro apenas quanto mais caro custa não atravessar essa noite só por descrer da luz.
Jacó não perdeu a oportunidade. Até seu nome mudou. Israel só nasceu quando não havia mais lugar para Jacó. Nasceu quando Jacó já não buscava mais a felicidade nos braços de Raquel, mas o significado, em outros braços maiores.
Nossa espécie é a única que procura o significado. Por vezes, esse impulso é doloroso, mas é também autônomo. Não podemos deixar de procurar o significado. É um mistério.
A menos que deixe de ser mistério, não o compreendemos. No máximo, vivenciamos sua presença “nas horinhas de descuido”, como diz Adélia Prado, nos relacionamentos, nas metáforas, em repentinos sinais de bondade e de profundidade. Onde quer que percebamos a profundidade da Presença – no universo, na natureza, no outro ou em nós mesmos – onde quer que o mistério se abra e se torne palpável, nesse mesmo instante, cruzamos o limiar da alma e entramos em solo sagrado. É hora de desamarrar as sandálias. Na presença da Presença , só nos resta silenciar e amar.
É esse o tempo previsto de que fala Paulo aos Gálatas, o tempo do Espirito, que em nossos corações clama Abbá – Papai (Gl 4,4). O tempo do Espírito coincide com o tempo da Esperança.
Na viagem para o Brasil, Pedro Alvares Cabral trouxe uma imagem de Nossa Senhora da Esperança. Essas novas terras, por ora tão decepcionadas, nasceram sob o signo da Esperança. Que a Senhora da Esperança seja nosso auxílio e guia nesse novo ano.
Que não haja mar tenebroso nem viagem sem bom termo, que nenhuma escuridão turve nosso olhar. Que a busca do significado nos ilumine a cada momento, oriente nossas vidas, acalme nossos corações.
Este é meu grande desejo para esta Igreja de Cristo em Niterói no ano de 2018.
Irmãos e irmãs, a todos me confio em suas orações. A todos deixo parte do meu coração. A todos concedo a bênção como penhor de esperança e de vida definitiva.
+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói
Fonte: Arquidiocese de Niterói