A Voz do Pastor – Agosto
Um “SIM” definitivo
Amados irmãos e irmãs,
Vivendo o Ano Vocacional Arquidiocesano, estamos no mês de agosto. E agosto também é mês para se pensar nas vocações. Tudo começa no santo Batismo. É para lá que tudo culmina. Quem foi batizado é chamado para fazer do seu batismo uma fonte de bênçãos. Daí virão todas as outras vocações: a vocação dos pais e mães comprometidos com a vida, a vocação dos catequistas e de todos os que vivem seriamente empenhados, dia-a-dia, na construção do Reino, a vocação sacerdotal, diaconal, religiosa… Em junho tivemos várias ordenações para o sacerdócio e o diaconato permanente. Tudo dom, tudo graça. Resposta ao chamado.
Toda vez que essa palavra “chamado” ecoa em nosso ouvido, é impossível não voltar nosso olhar para os grandes chamamentos da Bíblia, para os que foram chamados por Deus para seguirem, como os Magos, “por outro caminho” (Mt 2,12). Desenrola-se, então, diante de nós uma lista interminável de nomes e pessoas, gente como a gente, que foi ouvindo para ir seguindo, que foi seguindo para ir se encontrando, que foi se encontrando para ir encontrando Deus. No caminho espiritual, nada acontece uma vez e de uma vez. Tudo vai acontecendo, e a gente vai lendo, e a luz vai se clareando.
Daí, quando nos voltamos na direção dos grandes chamados e das grandes respostas, é claro que o primeiro nome que sempre desponta no horizonte bíblico é o de Abraão. Nosso olhar se volta para quase 40 séculos, para Ur da Caldeia, o Crescente fértil e o encontro dos grandes rios, das grandes águas, das grandes promessas e das esperanças sem fim.
Mas esperem um pouco! Não foi lá que, realmente, tudo começou. Foi antes, muito antes, tão tamanhamente antes, que a data mesmo se perdeu nas dobras do tempo. A data quando tudo começou não pertence à História. Pertence ao tempo antes do tempo, quando ainda não havia relógio nem agenda, e o homem conversava com Deus, face-a-face, sem distância nem medo nem servidão. O primeiro homem foi também o primeiro que foi chamado. Foi com Adão que tudo começou.
Mas foi lá também que tudo se quebrou. Sim, porque o primeiro grande chamado recebeu a primeira grande negação. Adão havia sido chamado a ser a “menina-dos-olhos” de Deus. E o que foi que ele fez? Nada. É isso, ele não fez nada. Ele simplesmente se revoltou contra Deus, como criança pequena embirra quando o pai não faz as vontades, virou as costas e foi cuidar da própria vida. “Com todo respeito, Senhor Deus, tudo aqui está muito bom, mas eu vou cuidar da minha vida. Cuide também da sua” – foi o que disse Adão.
Adão errou feio. E disse o mais solene “Não”, o primeiro, o mais desastroso de todos. Um “Não” que antecede a História, mas que, de certa forma, a produziu, e ainda ecoa nela, em cada “Não” que Deus continua ouvindo, em cada desesperado “Não” que continuamos pronunciando apenas para dar a nós mesmos a sensação de sermos livres.
Deus? Deus continuou esperando aquele primeiro “Sim” perdido, procurando-o em todos os chamados que foram feitos ao longo da História da Salvação. Abraão, Isaac, Jacó, José, Moisés, Josué, Elias, Samuel, Davi, Salomão, os Profetas, os Sábios, José, Maria e Jesus. Em cada chamado a mesma pergunta angustiante: Qual será sua resposta? Irá você me dizer “Sim”? Ou você vai me jogar no rosto o mesmo irremediável “Não” de Adão, o primeiro que ouvi, o primeiro que nunca esquecerei?
Sim, porque é bom não esquecer que nossa primeira resposta a Deus foi “Não”. Mas, depois, outros disseram “Sim”.
Abraão disse “Sim”. “Sai da tua terra”, e ele saiu. A energia só realiza o trabalho quando se movimenta. Uma pilha em cima da mesa não realiza nada. É só potencial. Abraão se movimentou, gerou a energia que acende a luz. Estranho não é ser diferente. Estranho é ser indiferente. Quando você faz as suas escolhas, as suas escolhas fazem você. Abraão preferiu escolher o “Sim”. E tudo recomeçou.
E quem conhece a história de Abraão sabe que ele nunca se afastou do caminho. Ele sabia ser atento ao caminho. Quem anda atento ao caminho, chega o tempo todo. Abraão chegou. Por ser atento, chegou.
O homem é mortal por seus temores e imortal por seus desejos. Moisés foi o mortal mais imortal que possa crer. Medroso e gago, pediu, implorou, negociou com o Habitante da Sarça Ardente que não o enviasse, que mandasse seu irmão, qualquer outro, menos ele. É você Moisés, que eu quero – deixou bem claro o Deus da Aliança. E Moisés foi. Impulsionado por uma força que ele sabia não possuir, ele foi, e libertou o povo. O homem cuja vista não havia se enfraquecido foi alguém a quem Deus se mostrou como a ninguém (Dt 34,7.11). Moisés disse “Sim” a Deus. Deus ouviu. E também respondeu “Sim” a ele.
A intuição é um pensamento que não perde tempo com a consciência. Os autores da Bíblia foram homens ricos em intuição. Eles não tiveram medo de expor as grandes fraquezas dos grandes homens. Era o contraponto necessário para mostrar o quanto eles se pareceram conosco, o quanto lhes custou o “Sim” que expressaram com a própria vida, o quanto cada um deles teve de operar retificações subjetivas dia-após-dia. E eles fizeram.
Às vezes, é preciso jogar um jato de sombra e apagar a luz pra poder enxergar a noite e as estrelas. Na maior de todas as noites, a de Jesus, Deus enfim ouviu o “Sim” que lhe foi negado na origem humana. O novo Adão refez a História que o primeiro escrevera torta. Ao ser apresentado por Pilatos, na manhã do horror, o que gentio romano pronunciou foi: “Eis o homem” (Jo 19,4). Na mesma manhã do mesmo sexto dia, o novo homem foi apresentado ao mundo. Aqui, sim, aqui se encontra o verdadeiro novo homem. Esse sempre dirá “Sim”.
Meu irmão, minha irmã: Nessa cadeia infinita de gente que disse “Sim” e que disse “Não”, que elo é o seu, qual é a sua resposta, de que lado você resolveu ficar? Jesus disse “Sim”, no deserto. Adão disse “Não”, no paraíso. O problema não está no lugar, está na escolha de cada um. Qual tem sido a sua?
Jatos de sombra fazem parte da História. Aviões são derrubados por engano, genocídios são cometidos com boas intenções, crianças morrem de fome sem ninguém para brigar por elas. Em Jesus, brilhou a luz definitiva. Jatos de sombra continuarão a escurecer e envergonhar a trajetória humana. Mas agora já sabemos para onde olhar quando quisermos enxergar a luz e saber como dizer o “Sim” definitivo, com sabor de eternidade.
Venha renovar seu “sim” ao Senhor, em Aparecida, dia 13 de setembro, as 6:30 horas, na basílica de Nossa Senhora Aparecida, participando da celebração de encerramento do Ano Vocacional Arquidiocesano. Espero por você.
Fonte: Arquidiocese de Niterói