A VOZ DO PASTOR – JUN 2018
Homenagem a minha mãe: Maria do Rosário Rezende Dias
Amados irmãos e irmãs,
Peço licença a vocês para fazer neste artigo uma homenagem a minha mãe falecida no mês passado.
Nunca mais as manhãs serão as mesmas, nunca mais, as tardes! Nunca mais chegarei em casa e ela estará lá.
Duro convencimento, esse, o da implacável lei da vida; o de que, assim mesmo, apesar de ser lei da vida, é muito mais vida do que lei.
Nunca mais as manhãs serão as mesmas, nunca mais, as tardes! Nunca mais chegaremos em casa e ela estará lá.
Esse mistério já não mais deveria nos assustar e, no entanto, ainda assusta! Essa certeza já deveria fazer parte de nossa canção de ninar, mas ainda não faz!
Diante da implacável lei da vida, todas as nossas ilusões se despedaçam, como se nada mais importasse. Mas, afinal de contas, o que é mesmo que importa? Essa pergunta nunca foi respondida, porque nunca precisou ser feita por uma mãe de seis filhos, que lentamente viveu a vida, lentamente sorveu o que ela tinha de melhor.
E, afinal, o que é que a vida tinha de melhor?
Quem a conheceu tem a resposta na ponta da língua: o que a vida tinha de melhor era o amor. Mas não o amor dos grandes feitos, nem dos poderosos efeitos. Não o amor das escolas de samba, mas o da simplicidade das escolas rurais.
Depois de sua partida, no dia 5 de maio, queremos, com gratidão, recordar algumas manifestações de seu amor. Recordar é deixar passar pelo coração. Como todo ser humano, ela também tinha limitações, mas queremos deixar passar pelo coração as coisas boas que ela viveu e partilhou conosco. As lembranças felizes de sua infância, vivida na cidade de Cachoeira de Minas, e o tempo de estudos da juventude, no Colégio das Irmãs Doroteias, em Pouso Alegre. Recordar que ela sempre buscou oferecer o seu carinho com palavras e gestos, valorizando as pessoas. Seu amor acontecia num riso sempre fácil e pronto, que escorria lágrimas para rir.
Seu amor se revelou como filha obediente e respeitosa para com os pais, servindo-os sempre com muita dedicação. Seu amor se mostrou no zelo para com o marido e os filhos, até com preocupações desnecessárias, porque queria o bem e a felicidade de cada um. Seu amor acontecia numa cozinha, que nunca parava de funcionar, em mesas arrumadas, louças limpas, roupas cheirosas, preocupação que não se esgotava, jamais! Seu amor era demonstrado no empenho para acolher com esmero os parentes e amigos que nos visitavam. Seu amor e a atenção para com os pobres, ela aprendeu de sua mãe, Amélia. Quantas vezes, nos domingos à tarde, íamos em família até a Vila Vicentina, partilhar o pão com os irmãos pobres; quantas vezes, ela colaborou em campanhas e promoções em favor dos mais necessitados.
Seu testemunho de amor a Deus foi vivido na participação diária da Eucaristia, na devoção à Virgem Maria, nos serviços que assumiu na comunidade, como zeladora do Apostolado da Oração, secretária da Legião de Maria, por mais de 30 anos, catequista e ministra extraordinária da Comunhão Eucarística.
Seu amor foi vivido na comunhão com Cristo, através de longa enfermidade. Ela que acreditou no valor redentor do sofrimento, foi identificada com Cristo, no mistério de uma doença que, aos poucos, foi roubando sua lucidez.
Mas ela já recebeu sinais do carinho de Deus, ao partir desse mundo, no primeiro sábado de maio, mês dedicado à Virgem Maria, que ela tanto amou. Ela foi sepultada num Domingo do Tempo Pascal, dia em que celebramos a Ressurreição. São sutilezas que revelam o carinho antecipado de Deus com ela.
Nunca mais as manhãs serão as mesmas; nunca mais, as tardes! Nunca mais chegaremos em casa e ela estará lá.
Mas a gente sabia o que esperar dela. E ela jamais nos decepcionou. O amor não decepciona, jamais; tampouco a simplicidade, jamais! É dessa simplicidade que hoje nos ressentimos. Tudo ficou muito complexo, muito analítico, por demais impessoal.
Quanto mais nos distanciamos do amor, menos simples ficamos. Quanto menos simples ficamos, mais nos distanciamos do amor.
O Evangelho é um primor de simplicidade. “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor”. É esse o amor das linhas simples, das linhas claras, das linhas retas.
Só quando as linhas são simples, claras e retas, elas nos religam a Deus.
Agradecemos a Deus pelo presente que Ele concedeu à nossa família, com o dom de nossa mãe.
Naquele 6º domingo da Páscoa, ao trazermos nossa mãe para lhe dizer o nosso “até logo”, nós carregamos uma certeza: alguma coisa dentro dela era tão simples, que só podia ser real, e era tão verdadeiro, que nunca poderia não existir. Ao trazermos nossa mãe para lhe dizer o nosso “até breve”, a vida nos nutriu da única confiança de que não se pode abrir mão: os seus filhos, para ela, valeram a pena. Isso apequena as dores, dilui as angústias, evapora o mal. Isso, e só isso, faz qualquer coisa valer a pena.
Obrigado, Mamãe querida! Não há outra palavra, e nem precisa. Obrigado, Mamãe querida!
Nunca mais as manhãs serão as mesmas; nunca mais, as tardes! Nunca mais chegaremos em casa e você estará lá.
Mas não será preciso. Agora, por onde seguimos, você estará conosco.
Nunca mais haverá nem manhãs nem tardes. Você, minha mãe, já é parte de um Sol que não conhece ocaso. Viva a alegria no esplendor da luz de Deus!
+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói
Fonte: Arquidiocese de Niterói