A VOZ DO PASTOR – JUN 2019
NOSSA CASA, A IGREJA
No final do capítulo 9, o Evangelho de João descreve um cego de nascença, recém-curado, expulso da sinagoga por não caber nos conceitos e na expectativa dos dirigentes da época.
A seguir, o capítulo 10 descreve o Bom Pastor, aquele que não só jamais expulsa, mas também e, sobretudo, jamais deixa de cuidar e incluir, com atenção e desvelo. Nunca mais ninguém jogará quem quer que seja fora. Ele é a porta, e todos são ovelhas desse aprisco. E o seu aprisco não é curral, é uma casa.
Para o Evangelho de João, os dirigentes do povo são mentirosos e homicidas (Jo 8,44), planejam a morte de Jesus (Jo 11,53), submetem o povo com a violência de um sistema que gera medo (Jo 7,13 e 9,22), coagindo pela força (Jo 9,34), reduzindo o povo a um estado de desamparo e morte. Esse Evangelho é contundente: a acusação de Jesus significa que os que se arrogam serem dirigentes do povo, na verdade, são exploradores (ladrões), que usam da violência (bandidos) para sujeitar e manter o povo em estado de miséria. Roubar, matar e destruir são os verbos fortes com que o Evangelho se refere a quem não tem senão a si próprio como objeto de interesse e ganho. “Ai dos pastores de Israel que são pastores de si mesmos! Não é do rebanho que os pastores deveriam cuidar?” (Ez 4,2).
Diferente de todos os outros, Jesus entra pela porta, e quem entra pela porta é o pastor das ovelhas. A Ele, o porteiro abre, as ovelhas ouvem a sua voz, Ele chama cada uma pelo nome e as conduz para fora. Ele caminha diante delas, e elas O seguem porque conhecem a Sua voz.
Esse é o êxodo definitivo, quando, todas as ovelhas não mais tiverem medo e confiarem no Pastor, porque Ele é o único em que se pode depositar confiança. “O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Instalados em suas instituições e com a consciência de serem os chefes legítimos do povo, os dirigentes não são capazes de entender a denúncia que Jesus faz a eles e deles nem a necessidade do êxodo que se realizará. “Jesus contou-lhes essa parábola, mas eles não entenderam a que se referia” (Jo 10,6).
Jesus quer formar comunidades humanas livres, para viverem da plenitude que Ele comunica. Por isso, Ele é o pastor que conduz e a porta que se abre para todos rumo à liberdade. “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10,11).
Nos 10 dias de encontro da 57ª Assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em Aparecida, vivemos momentos de luz para guiar, como pequenos pastores, o rebanho que nos foi confiado pelo Cristo Jesus. Demonstrando a comunhão eclesial efetiva e afetiva, tratando de assuntos importantes para a Igreja no Brasil, os Bispos se conscientizam, ano após ano, do grave ministério que lhes foi proposto e eles aceitaram com alegria: serem pequenas portas da grande Porta, pequenos pastores de um Único Pastor.
A Assembleia desse ano teve como tema central as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023: EVANGELIZAR no Brasil cada vez mais urbano, pelo anúncio da Palavra de Deus, formando discípulos e discípulas de Jesus Cristo, em comunidades eclesiais missionárias, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, cuidando da Casa Comum e testemunhando o Reino de Deus rumo à plenitude.
O central das Diretrizes Gerais é um novo chamado para o retorno às fontes: olhar a experiência das comunidades primitivas para formar, inspirados por elas, no hoje da realidade urbana, comunidades eclesiais missionárias.
Diante de um urbanismo crescente, as Diretrizes foram estruturadas pensando na comunidade cristã como “casa”, “construção de Deus” (1Cor 3,9).
A casa é onde as pessoas são identificadas pelo nome, pelo jeito, pela história. Ela é sustentada por quatro pilares essenciais: Palavra, Pão, Caridade e Missão. O encontro com a Palavra de Deus na casa-comunidade sustenta o processo de iniciação à vida cristã; o pilar do Pão é a casa sustentada pela liturgia e pela espiritualidade; o pilar da Caridade é a casa sustentada pelo acolhimento fraterno e o cuidado com as pessoas, especialmente os mais frágeis e excluídos e invisíveis; o pilar da Missão sobre o qual repousa a Casa nos diz que é impossível fazer uma experiência profunda com Deus na comunidade eclesial que não leve, inevitavelmente, à vida missionária.
A realidade urbana é fragmentada, carregada de luz e de sombras, mas cheia de potencialidades. É nesta realidade que a Igreja é convidada a ser presença missionária, uma casa para todos.
“Eu tenho ainda outras ovelhas que não são desse aprisco. Também a elas eu devo conduzir; elas ouvirão a minha voz, e se tornarão um só rebanho com um só pastor” (Jo 10,16).
No fim, é sempre esse desejo de Jesus que precisamos sustentar; esse é o sonho dele que continuamos a sonhar. Que não haja senão um único rebanho e que Ele seja o rebanho de Cristo, sem fraturas nem rasuras nem emendas. O sonho de Jesus é o sonho da unidade. “Eu não te peço apenas em favor deles, mas também por todos aqueles que irão acreditar em mim por meio da palavra deles; para que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti… a fim de que o mundo acredite que tu me enviaste” (Jo 17,20-21).
Cristo é o êxodo que é também chegada, a partida que também é casa. Nele nós todos temos as respostas para nossos dilemas, a segurança para nossa permanente caminhada.
Irmãos e irmãs, queridos de Deus, em Cristo, é hora de muita e vibrante prece em favor da Igreja. É hora de todas as preces se unirem numa só: “Pai, que todos os que me deste estejam comigo onde eu estiver…” (Jo 17,24). Se estivermos permanentemente com Ele, jamais nos perderemos, porque Ele mesmo será a Estrela da Manhã que não nos permite desvios e sempre nos reconduz de volta à casa.
Nesse Mês do Sagrado Coração, desejo-lhes a paz do Coração de Cristo. Peço também sua oração todos os dias, por Dom Luiz, por mim e pelo ministério que o Senhor nos incumbiu, para que nós sejamos cada vez mais atentos e fiéis ao seu projeto de amor sobre os que nos foram confiados.
+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói
Fonte: Arquidiocese de Niterói