A VOZ DO PASTOR – MAI2018
A VERDADE VOS LIBERTARÁ FAKE NEWS E JORNALISMO DE PAZ
Irmãos e irmãs, queridos por Deus:
Quem já não ouviu falar nas fake news, notícias falsas, com cara e roupa de verdade, mas cheiro de mentira?
Geralmente, é pelo cheiro que sabemos se determinado alimento está bom para consumo. Quando algo falseia a verdade, dizemos “isso não cheira bem”. E é o que acontece com as fake news: embora, o “cheiro” de coisa estragada não impeça que sejam transmitidas, deveria impedir que fossem consumidas.
Algumas dessas falsas notícias são confeccionadas e distribuídas por rapazes, em quartos de fundo, em cidades pequenas de países periféricos. De algum modo, jovens têm influenciado eleições e alterado resultados ao redor do mundo.
É que eles têm nas mãos uma nova ferramenta, chamada internet, de contornos, objetivo e futuro completamente imprevisíveis. Estamos presenciando o nascimento de um admirável mundo novo. Tomara que admirável, mesmo! Já existe com que nos comunicarmos de modo instantâneo. O que falta é termos o que comunicar, de forma veraz.
Tudo na vida humana é comunicação, menos a comunicação. A comunicação, essa, é poder. Nos últimos 150 mil anos, ela tem sido usada menos como ponte, e mais como abismo. Depois da revolução cognitiva – que nos caracterizou como humanos e nos deu a incrível capacidade de sobreviver num mundo hostil à nossa espécie – temos nos superado na capacidade de gerar conteúdos para comunicar. Repito, só falta gerar conteúdos confiáveis.
A mensagem do Papa Francisco para o 52º DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS toca nesse ponto sensível, um nervo exposto na boca do mundo: a comunicação desfigurada. Deus quer que a comunicação busque a verdade para construir o bem. A comunicação ostensivamente rápida, do sistema digital, porém, nem sempre tem trilhado esse caminho. Quando é fruto de interesses mesquinhos, seu triste resultado é a falsidade e seu instrumento, as fake news.
As fake news têm natureza mimética: uma incrível capacidade de se apresentar como verdadeiras. Falsas, mas verosímeis, tais notícias são capciosas, e se mostram hábeis para captar a atenção dos destinatários, apoiando-se sobre estereótipos e preconceitos generalizados no meio dum certo tecido social, explorando emoções imediatas e fáceis de suscitar, como a ansiedade, o desprezo, a ira e a frustração – diz a Mensagem do Papa.
Se alguém roubar uma nota de 100 reais para gastar no comércio, a compra será válida, porém, ilícita. A nota verdadeira não encobre a falsidade do ato.
Com as fake news acontece o contrário. É uma nota/notícia falsa, porém, produzida num contexto verdadeiro; ela mesma não é verdadeira, embora pareça. É curioso como nota e notícia podem ter o mesmo significado, na verdade e na mentira.
A mentira aprisiona; só a verdade liberta.
O Papa chama a atenção para a mentira global que, numa espécie de «lógica da serpente», é capaz de se camuflar e morder. Nos primórdios da humanidade, foi a serpente, o mais astuto de todos os animais (Gn 3,1-15), que deflagrou a primeira notícia falsa.
A primeira fake news, em sua rastejante e perigosa sedução, abriu caminho no coração do homem com argumentações falsas e aliciantes. A narrativa da Queda Fundamental revela um fato essencial: nenhuma desinformação é inofensiva. Fiar-se naquilo que é falso traz consequências nefastas. Mesmo uma distorção, aparentemente leve, da verdade, pode ter efeitos mortais.
Notem, que o que estava em jogo na voz da Serpente é o que ainda continua em jogo, hoje, na voz de todas as outras serpentes: a avidez humana.
A avidez, esse desejo inflamado e intenso, é fascinante. As fake news são virais, propagam-se rápida e incontrolavelmente, não pela lógica, mas pelo fascínio. Elas retiram seu fascínio das motivações econômicas e oportunistas, que se embrenham no tecido social. Elas nos tornam vítimas de um engano, que se desloca de falsidade em falsidade, e nos rouba a liberdade do coração. É urgente ensinar a discernir e avaliar as inclinações que se movem no interior de cada um. Não é possível, ainda, mordemos, de novo, a mesma venenosa isca a cada nova ocasião.
A verdade nos libertará – diz o Evangelho (Jo 8,32).
Para discernir a verdade, é preciso examinar aquilo que favorece a comunhão e promove o bem e aquilo que, ao invés, tende a isolar, dividir e contrapor. Por isso, a verdade não se alcança autenticamente, quando é imposta como algo de extrínseco e impessoal; mas brota de relações livres entre as pessoas, na escuta recíproca.
Com sua lucidez, o Papa continua: Uma argumentação impecável pode basear-se em fatos inegáveis, mas, se for usada para ferir o outro e desacreditá-lo à vista alheia, por mais justa que apareça, não é habitada pela verdade. A partir dos frutos, podemos distinguir a verdade dos vários enunciados: se suscitam polêmica, fomentam divisões, infundem resignação ou se, em vez disso, levam a uma reflexão consciente e madura, ao diálogo construtivo, a uma profícua atividade.
A verdadeira notícia é a paz – diz o Papa.
Na promoção da paz, o antídoto contra a voracidade das notícias, que espalha a falsidade, não são as estratégias, mas as pessoas – livres da ambição, prontas a ouvir a verdade. Pessoas atraídas pelo bem, que se mostrem responsáveis no uso da linguagem. A mola da notícia não deveria ser nem a velocidade em comunicá-la nem o impacto sobre a audiência, mas as pessoas. Informar é formar, lidar com vidas. A precisão das fontes e o compromisso com a verdade geram confiança, abrem caminhos de comunhão e de paz.
Numa palavra aos jornalistas, o Papa pede que se promova um jornalismo de paz, sem fingimentos, sem as falsidades de slogans sensacionalistas e declarações bombásticas, de pessoas para as pessoas. Um jornalismo voltado para todos, sobretudo, para a maioria que não tem voz. Um jornalismo que se comprometa na busca das causas reais dos conflitos, para compreender suas raízes e superá-los.
É verdade que pessoas comuns, como você e eu, não produzem notícias jornalísticas. Mas produzem boatos; consomem boatos. Também temos nossas fake news particulares. Ao compararmos a notícia do Evangelho aos nossos boatos, não há como não nos sentirmos envergonhados. Tudo em Deus é muito grande. Tudo em nós é muito pequeno.
Nessa hora, resta a confiança.
Resta rezar, com o Papa Francisco, essa oração parodiada da Oração de São Francisco, tão cara a nós.
Senhor, fazei de nós instrumentos da vossa paz.
Fazei-nos reconhecer o mal que se insinua em uma comunicação que não cria comunhão.
Tornai-nos capazes de tirar o veneno dos nossos juízos.
Ajudai-nos a falar dos outros como de irmãos e irmãs.
Vós sois fiel e digno de confiança;
fazei que as nossas palavras sejam sementes de bem para o mundo:
onde houver rumor, fazei que pratiquemos a escuta;
onde houver confusão, fazei que inspiremos harmonia;
onde houver ambiguidade, fazei que levemos clareza;
onde houver exclusão, fazei que levemos partilha;
onde houver sensacionalismo, fazei que usemos sobriedade;
onde houver superficialidade, fazei que ponhamos interrogatórios verdadeiros;
onde houver preconceitos, fazei que despertemos confiança;
onde houver agressividade, fazei que levemos respeito;
onde houver falsidade, fazei que levemos verdade.
Amém.
+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói
Fonte: Arquidiocese de Niterói