A Voz do Pastor – outubro

Publicado em 13/10/2015 | Categoria: Notícias |


em missao a voz do pastor

avozdoPastorNão é à toa que a última palavra do Evangelho de Mateus soa tão solene e tão precisa. Não é um pedido de Jesus, não é uma recomendação. É uma ordem. “Toda autoridade me foi dada sobre o Céu e sobre a Terra. Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês. Eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,18-20).

O que estava definido ali não era uma estratégia de convertimento, de proselitismo ou de marketing. Pelo contrário! O que ficou definido ali foi uma identidade de vida. Nunca, os seguidores de Jesus se sentariam em bancos cômodos almofadados, para dizer aos outros como deveriam se comportar. Nunca, entre os seguidores de Jesus, haveria livros contábeis para contabilizar rendas e populações. Nunca, os seguidores de Jesus seriam autorreferentes, de modo a passar a ideia de serem autossuficientes. Nunca!

Os seguidores de Jesus sempre sairiam, sempre estariam a caminho, sempre mais, sempre além, nunca aqui, sempre lá, sempre à frente, porque eles nunca acabariam de percorrer todas as cidades de Israel antes que viesse o Filho do Homem (Mt 10,23). É essa a nossa novidade, a nossa identidade. Nossa identidade se resume a poucas palavras. Uma delas pode ser “não ficar”. A outra pode ser “sempre ir”. Toda vez que ficamos ao redor de nós mesmos, e procuramos um lugar quente, para deitar e dormir o sono dos que não se importam com a insônia dos outros, nem com a insônia do mundo, toda vez que isso acontece, morremos um pouco mais para o nosso ideal.

Porque o nosso ideal é IR, é SAIR, é NÃO FICAR. Somos todos Abraão, todas somos Sara, e Jacó, José. E somos Moisés, Isaias, Jeremias, somos os pastores de Belém, somos cada um dos Doze que abandonaram suas casas e o seguiram. Somos todos os homens e mulheres que, um dia, contaram as estrelas do céu e concluíram que o mundo em que viviam era pequeno demais para conter o Território do Espírito. Então saíram. Então saímos. Porque, nesse caso, ficar é morrer. Deitar-se sobre “o quentinho” é a morte do Espírito.

Outubro é mês dos que saem, dos que não ficam. Outubro é o mês das missões.

O Papa Francisco escreveu uma mensagem para o mês das missões. Uma mensagem para toda a Igreja. Ele começa dizendo que neste ano, o Dia Mundial das Missões tem como pano de fundo o Ano da Vida Consagrada, estímulo para nossa oração e reflexão. E afirma que entre a vida consagrada e a missão há uma forte ligação, “porque, se todo o batizado é chamado a dar testemunho do Senhor Jesus, anunciando a fé que recebeu em dom, isto vale de modo particular para a pessoa consagrada. O seguimento de Jesus, que motivou a aparição da vida consagrada na Igreja, é resposta ao chamado para tomar a cruz e segui-lo, imitar a sua dedicação ao Pai e os seus gestos de serviço e amor, perder a vida a fim de a reencontrar. E, uma vez que toda a vida de Cristo tem caráter missionário, os homens e mulheres que O seguem mais de perto assumem plenamente este mesmo caráter”.

Perceberam a força do pressuposto?

Há um mundo de diferença entre alguém que faz com você e entre alguém que faz como você. Quando a gente brinca com crianças isso fica bem definido. Quando você brinca com uma criança, ela não brinca porque você fica dizendo a ela como brincar, se for assim ela sai de perto. Mas se você brincar como uma criança, se você se sentar do lado dela e simplesmente brincar como ela está brincando, se você brincar de verdade, e não apenas fazer de conta que está brincando, se você for capaz de se tornar como ela, então, sim, ela vai ficar do seu lado, vai amar você e sempre vai perguntar quando você virá para brincar com ela… como ela!

Foi isso que o Papa disse. Se Cristo Jesus foi missionário, os homens e mulheres que O seguem mais de perto não pensam em outra coisa, senão em fazer o mesmo que Ele fez, e como Ele. É assim que somos seguidores Dele. E o fato em si mesmo, de nos declararmos seguidores já significa que saímos de onde estávamos, saímos de nossa miséria, começamos andando, depois correndo e, por fim, voando. São Bento, no Prólogo da Regra, dizia que com o progresso da fé iríamos correr com o coração dilatado, e indizível doçura no caminho da salvação. É isso que o Papa nos propõe para o Dia Mundial das Missões e, por extensão, para toda a vida.

Falando especificamente para os consagrados, ele diz que a dimensão missionária que pertence à própria natureza da Igreja, é intrínseca a cada forma de vida consagrada. Onde essa dimensão ficar descuidada, irá deixar um vazio que desfigura o carisma. E diz também que a missão não é proselitismo, nem estratégia. Afirma que a missão faz parte da gramática da fé, algo imprescindível, para quem se coloca à escuta da voz do Espírito, que sussurra “vem e vai”. Foi com emoção que li o Papa declarar que “quem segue Cristo não pode deixar de tornar-se missionário, e sabe que Jesus caminha com ele, fala com ele, respira com ele, trabalha com ele. Sente Jesus vivo com ele, no meio da tarefa missionária. A missão é uma paixão por Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, uma paixão pelas pessoas. Quando nos detemos em oração diante de Jesus crucificado, reconhecemos a grandeza do seu amor, que nos dignifica e sustenta e, simultaneamente, apercebemo-nos de que aquele amor, saído do seu coração trespassado, estende-se a todo o povo de Deus e à humanidade inteira. E, precisamente deste modo, sentimos também que Ele quer servir-se de nós para chegar cada vez mais perto do seu povo amado”.

O restante da Carta do Papa é como uma translúcida clareira em meio à mata escura.

Habitamos a mata escura. Nossos suores são feitos de medo e, muitas vezes, as suspeitas nos invadem tanto que passamos a enxergar aquilo e só aquilo que o medo nos quer mostrar. Cristo nos liberta do medo. Cristo nos mostra o caminho. Ele nos põe no caminho, se faz o caminho, caminha conosco, extirpa o nosso medo de caminhar.

Sim, temos medo. Mas a paixão por Cristo nos tira do medo. Ela nos desinstala, abre claridades de sol em nossa alma embolorada, faz-nos jovens de novo. A paixão por Cristo dilata nosso coração como nunca antes pudéramos imaginar que fosse possível. Ela nos conecta a nós mesmos sem wi-fi. A paixão por Cristo nos dá a paz.

O Papa termina, dizendo que a paixão do missionário é o Evangelho. “Ai de mim, se eu não evangelizar!” (1Cor 9,16). O Evangelho é fonte de alegria, liberdade e salvação para cada homem.

O mês de outubro começa com a Padroeira das Missões, Santa Teresa de Lisieux, uma menina que saiu do mundo quando a mãe deixou de sorrir, uma adolescente que se conectou de novo ao mundo, quando outra Mãe lhe sorriu, e que quis entrar no Carmelo para se conectar mais ainda consigo mesma e com todos, numa forma diferente, inédita, nem que para isso tivesse de ir pedir permissão ao Papa. Tanto que foi!

Teresa, nossa Pequena Teresa, conecte-nos com Deus, com os irmãos que sofrem, com o mundo inteiro. Dê-nos a garantia de que precisamos sair. A certeza de que ao sair, é aí que chegamos. A precisão de que ao ir, ao nos perdermos, é aí que nos encontramos. Amém.

 + Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói

Fonte: Arquidiocese de Niterói



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