Aprovar o aborto seria um retrocesso para o Brasil
De forma muitas vezes velada o Aborto tem sido introduzido em diversos países com raízes cristãs. Introduzido como prática legal e até mesmo financiado pelos governos e por grandes fundações internacionais.
No dia 18 de abril desse ano o Pe. Helio concedeu uma entrevista ao ZENIT, sobre as causas da aprovação do aborto de anencéfalos pelo STF no Brasil. Leia essa entrevista no final deste post.
Entrevista com especialista em bioética, Pe. Helio Luciano
Dessa vez, para continuar ajudando os católicos do Brasil a refletirem sobre o tema, o Pe. Helio Luciano, mestre em bioética pela Universidade de Navarra, mestre em Teologia Moral pela Pontificia Universidade Santa Cruz em Roma e membro da comissão de bioética da CNBB, concedeu a ZENIT mais uma entrevista para esclarecer alguns pontos em relação ao aborto e ao perigo da aprovação do aborto numa nação.
ZENIT: Por que o aborto não deve ser legalizado no Brasil e em nenhum país? Os defensores da causa abortista alegam que a aprovação do aborto numa nação é sinal de progresso e desenvolvimento. Realmente é assim? A visão da Igreja católica não é uma visão redutiva da realidade?
PE. HELIO: O Direito nasceu – historicamente – para defender o mais fraco. Por exemplo; se um indivíduo tivesse várias posses materiais poderia vir a pressionar – através da ameaça ou outros meios coercitivos – um pobre a vender a sua terra. O Direito, na raiz da civilização, surge para defender a esse pobre que não poderia defender-se por si mesmo. Além disso, o Direito possui uma raiz natural, ou seja, deve respeitar a natureza e a verdade das realidades que regula – no exemplo citado anteriormente, podemos ver que a base natural é o direito que todos possuem à propriedade privada e o direito básico de uma pessoa ter o mínimo para sua sobrevivência.
Aprovar o aborto, ou despenalizá-lo, seria um retrocesso jurídico da nossa sociedade e, consequentemente, um retrocesso da nossa civilização – negaríamos a mesma raiz do Direito, ou seja, a sua base natural e a defesa do mais fraco.
Cientificamente, hordiernamente, ninguém pode duvidar que um embrião humano seja um ser humano – com um DNA humano único e irrepetível. É uma clara evidência científica – se pegamos uma célula deste embrião podemos afirmar claramente que é um indivíduo da espécie Homo sapiens sapiens.
O que se coloca em jogo, então, não é a possibilidade de eliminar algo que não seria uma vida humana, mas sim o conflito entre duas liberdades – a do embrião e àquela da mãe. É verdade que pode haver este conflito – e que, muitas vezes, existe de fato – mas, como víamos antes, a quem o Direito está chamado a defender? A vida de um ser inocente e indefeso ou a liberdade de uma mulher que não quer conceber este indivíduo (gerado por ela)? Quem é o mais débil, o mais fraco? Qual o bem maior – a vida de um ser, base de todos os demais direitos ou a liberdade de outro? Certamente o Direito – tal como foi concebido, com base em uma raiz natural – deveria defender aqui o direito básico à vida.
Que as nações chamadas de “Primeiro Mundo” tenham cometido este retrocesso civilizatório e jurídico não converte o aborto em sinal de progresso. É mais, seria um claro sinal de retrocesso. Há países na Europa cujo número de crianças abortadas supera o número de crianças nascidas. Falando só desde o ponto de vista econômico, não é esta uma das causas da crise europeia? Falta população que gere consumo interno, gerando produção e gerando emprego.
A “cultura de morte” jamais gerou progresso. Gera egoísmo, falta de doação, falta de caridade. Que sociedade é essa “civilizada” que considera os filhos não como um bem, mas como um mero problema a ser eliminado? Que sociedade civilizada é essa que mata aos seus próprios filhos, cidadãos e membros desta mesma sociedade?
Para evitar este retrocesso em todos os sentidos – humanista, moral, ético, jurídico, social – é que o aborto não deveria ser aprovado no Brasil e em nenhum lugar do mundo.
Por fim, a Igreja sempre foi e continua sendo mestra de humanidade. Certamente não está sendo redutiva neste ponto, mas está pedindo à humanidade que venha a ser humana de fato. Está pedindo que respeitemos o mais básico dos direitos – aquele da vida de um ser inocente. O reducionismo não é da Igreja, mas sim deste grupo de pessoas que se sentem iluminadas, que – com um alto grau de miopia – enxergam o retrocesso como progresso, enxergam o assassinato como liberdade.
ZENIT- A resposta da Igreja Católica a favor da vida do nascituro é uma resposta somente baseada na Sagrada Escritura, como pensam alguns?
PE. HELIO: Deus revelou muitas verdades aos homens, e muitas delas através da Sagrada Escritura. Dentre essas verdades reveladas, podemos dizer que existem dois tipos: as verdades totalmente sobrenaturais, que o homem jamais seria capaz de alcançar com suas próprias forças, como, por exemplo, a verdade de que Deus é Uno e Trino, ou a entrega de Cristo na Eucaristia. Esse tipo de verdade, logicamente, exige a fé. Por outro lado Deus também revelou algumas verdades de ordem natural, ou seja, verdades que o homem seria capaz de alcançar com suas próprias forças. Neste sentido, podemos dizer que somos ajudados a alcançar e entender essas verdades básicas. Porém, se alguém não tem fé ou não conhece a Sagrada Escritura, também é capaz de alcançar tais verdades.
Uma dessas verdades naturais – que qualquer pessoa com o uso de razão é capaz de alcançar – é a proibição de matar a um inocente. Culturas não católicas e não cristãs são capazes de entender essa obrigação humana. Países como o Japão, por exemplo – sem influxo cristão – possui legislação que defende a vida do inocente.
Portanto a questão da defesa da vida do embrião ou do feto não é um tema religioso. É uma questão de humanidade. Neste sentido, poderá de fato um dia haver leis contrárias à defesa da vida, mas jamais serão verdadeiras leis, porque serão contrárias ao próprio modo de ser do homem.
ZENIT- Outro dos argumentos usados em favor do aborto é o crescimento demográfico, que, segundo alguns, é algo que ameaça a vida do planeta. É válido esse argumento?
PE. HELIO: As teorias malthusianas parecem ter entrado de tal modo na cultura mundial, que se dá por suposto algo que, comprovadamente, é falso. Nestas teorias – que tiveram tanto êxito nos séculos XIX e XX – se dizia que o crescimento populacional se daria em progressão geométrica, enquanto os recursos humanos cresceriam em progressão aritmética. Deste modo, em poucas décadas, haveria uma completa escassez de recursos no planeta.
A mesma teoria malthusiana agora volta a estar de moda. Desta vez ela vem disfarçada com uma nova roupa, a do “ecologismo”, e com traços apocalípticos – como se o homem fosse o único mal da terra e esta estivesse a ponto de ser destruída. Chegamos à geração “Avatar” – que exalta a ecologia ao mesmo tempo em que mata seus próprios filhos. É verdade que não podemos desrespeitar o mundo que nos foi dado, é verdade também que temos um dever de justiça de deixar o mundo para as gerações futuras, mas é fundamental entender que o mundo está em função do homem – para ser utilizado racionalmente e com respeito.
A grande escassez de recursos anunciada por Malthus jamais se cumpriu. Os avanços na agricultura – desde a invenção do trator até as altas tecnologias utilizadas para as sementes – aumentaram a produção agrícola de modo vertiginoso e muito maior que qualquer previsão. As terras cultivadas hoje – segundo dados do Banco Mundial e da ONU – chegam somente a 24% do total de terras que ainda podem ser cultivadas no mundo. Além disso, as novas tecnologias constantemente permitem que terras consideradas inférteis sejam passíveis de cultivo – como, por exemplo, muitos hectares de terras antes consideradas desérticas em Israel. O fato de que ainda exista fome no mundo não se dá pelo excesso de população, mas sim pela ganância de poucos.
Com base em tudo que foi visto, é lógico que considerar o crescimento demográfico como uma ameaça à vida do planeta é uma teoria ultrapassada e absolutamente sem nenhuma evidência científica. O controle de natalidade – muitas vezes desrespeitando a própria liberdade da mulher através de esterilizações forçadas – antes de ser uma solução para o respeito ao meio ambiente, é uma das causas da crise. O aborto, como forma de controlar o crescimento demográfico, traz uma “cultura de morte” incompatível com o próprio modo de ser da humanidade. Como podemos querer respeitar o planeta se não somos capazes nem mesmo de respeitar aos nossos filhos?
ZENIT: O embrião é uma pessoa humana? O que é que comprova isso? E por que ele teria todos os direitos fundamentais de um ser humano, incluindo o direito à vida?
PE. HELIO: A resposta que dou a esta pergunta, que frequentemente se repete, é sempre a mesma: não importa se o embrião é pessoa humana ou não. À primeira vista tal resposta pode parecer polêmica ou até agressiva – mas asseguro que esta não é a minha intenção. A questão é que “ser pessoa” ou “não ser pessoa” é um problema filosófico e jamais poderá ser provado em âmbito científico-positivo. Mas a discussão em relação ao aborto não é uma questão de filosofia, mas de biologia básica.
O que temos, desde a fecundação, independente se é pessoa ou não, é um novo ser humano. Como já dizíamos – temos um novo indivíduo da espécie homo sapiens sapiens, com um DNA único e irrepetível em toda a história da humanidade. Sendo um ser vivo da espécie humana, tem todo o direito de ser respeitado como qualquer outro ser humano. Nas aproximadamente quarenta semanas em que este novo ser humano costuma permanecer dentro do ventre materno, não existe nenhum salto quantitativo ou qualitativo que possa dizer que tenha sofrido uma mudança substancial. Todas as capacidades humanas adquiridas por aquele novo ser, têm como base aquele momento inicial – ou seja, aquela única célula fecundada, que já era um ser humano.
A maioria dos defensores do aborto, hoje, costuma admitir as evidências científicas que comprovam que a partir da fecundação temos um novo ser humano. O que objetam é que este ser humano ainda não seria uma “pessoa humana”. A partir desse pressuposto, as divergências entre os abortistas são grandes. Alguns dirão que este ser humano se tornará “pessoa humana” a partir da formação da placenta, outros dirão que a partir da formação do coração, outros defendem que a personalidade se forma com o sistema nervoso central e por fim, existem os que defendem que se torna “pessoa humana” somente após o nascimento. Estes últimos chegam a defender o que se chama partial-birth abortion, ou seja, “aborto do parcialmente nascido”. Em tal procedimento, assim que se dá o coroamento (coroamento é a aparição da cabeça do feto durante o trabalho de parto), faz-se a sucção do cérebro da criança – certamente aqui se trata de um claro infanticídio.
Todas as tentativas de colocar esse início da “personalidade” em algum momento concreto do desenvolvimento embrionário ou fetal serão sempre arbitrárias. Se colocarmos o início da “personalidade” em alguma função ou órgão, porque não poderíamos dizer que está no começo do exercício da consciência? Alguns autores já afirmam isso e, consequentemente, defendem que o infanticídio – matar crianças que não tenham o exercício de atividade consciente – é moralmente e eticamente válido, pois não seriam “pessoas humanas”.
Por essas discussões é que afirmo que não importa a partir de quando aquele ser humano se tornará pessoa. O importante é que se trata de um ser humano, e que merece todo o respeito e proteção que devemos a qualquer outro ser humano, independente das funções que possa exercer.
ZENIT: Quais são as tragédias que o aborto traz para uma nação que o aprova na sua legislação?
PE. HELIO: A tragédia mais profunda é a instituição de uma “cultura de morte”, que não respeita o sofrimento das mães – muitas são quase induzidas socialmente ou economicamente a realizar o aborto – e nem o direito básico dos próprios cidadãos mais indefesos, aqueles que ainda estão por nascer. É irônico que tais sociedades possuem legislações bastante rigorosas para a defesa de embriões animais, enquanto os seres humanos estão totalmente indefesos. Hoje é mais seguro nascer feto de baleia do que feto humano.
Derivada desta “cultura de morte” nasce uma atitude de egoísmo generalizado – o importante não é mais o “bem comum” da sociedade, mas o individualismo, o bem de cada um. Deixamos de viver em sociedade como modo de nos aperfeiçoarmos como seres humanos sociais que somos, para converter-nos, como dizia Hobbes, em lobos para os outros lobos.
O processo de degradação da sociedade – em todos os pontos de vista – também é uma consequência da chamada “cultura de morte”. Se o Direito, base da civilização ocidental, perde sua raiz profunda que o justifica – ou seja, a natureza humana e a defesa do mais débil – a civilização toda se ressente. A crise – social, econômica, moral – da sociedade atual não é mera coincidência. Será mera coincidência que os países com menor taxa de nascimento e maior índice de aborto – Grécia, Portugal, Espanha e Itália – são aqueles com maior crise econômica?
Historicamente, toda a civilização que desrespeitou os valores básicos do ser humano, entrou em decadência e desapareceu. O exemplo mais claro foi a degradação do Império Romano – quando deixou de velar pelos valores básicos, tornando-se meramente “populista”, ampliou seu domínio físico, mas perdeu sua força moral. Não foi a invasão dos chamados “povos bárbaros” o que acabou com Roma – este foi só o golpe final que fez cair o que por dentro já estava moralmente destruído.
ZENIT: O senhor já se encontrou com católicos que aprovam o aborto? Eles podem ser considerados pessoas que estão fora da doutrina e da moral católicas?
PE. HELIO: A Igreja é uma realidade divina, mas que também possui leis e autoridades que devem ser respeitadas. Assim como eu não posso, simplesmente, declarar-me membro da Academia Brasileira de Letras – porque é necessário uma série de requisitos para pertencer a esta Academia – ninguém pode por si mesmo, sem cumprir certos requisitos, ser declarado um membro da Igreja. Deste modo, católicos de fato que defendam o aborto não existem e não podem existir. Se alguém defende o aborto, jamais poderá ser considerado um membro da Igreja, ou seja, não pode participar do Corpo de Cristo.
Por outro lado é um fato que existem grupos de pessoas que se dizem católicas – mas não o são de fato – e que ao mesmo tempo defendem o aborto. Quem sabe o grupo mais expressivo seja aquele que se autodenomina “Católicas pelo direito de decidir”. Certamente os membros deste grupo não são de fato católicos, pois defendem algo absolutamente contrário à própria humanidade – o direito de matar um inocente. É verdade, como já dissemos antes, que a liberdade é um bem, mas não é um bem absoluto. Este bem – o da liberdade – está por debaixo do direito mais elementar de todos, o direito à vida, o bem maior defendido pelo Direito.
Neste sentido, por que não criamos grupos como “Católicos pelo direito de assassinar”, ou “Católicos pelo direito de roubar”. Certamente é uma ironia, mas, às vezes, esta se faz necessária para entender o quão absurdo são os argumentos. Assassinar ou roubar também são atos de liberdade, mas nem por isso alguém pode defender esta liberdade como um valor – pois lesaria valores mais altos, o da vida e o direito à propriedade privada. Do mesmo modo quem defende uma liberdade para matar uma criança dentro do ventre materno, lesa o direito à vida desta criança e, deste modo, não tem o direito de reclamar tal liberdade.
ZENIT: Por que o aborto traz uma das penas canônicas mais sérias do direito canônico, segundo o cânon 1398?
PE. HELIO: Dizíamos, em outro ponto da entrevista, que o Direito tem um fundamento natural, ou seja, expressa o verdadeiro modo de ser da humanidade. O Direito da Igreja, chamado “Direito Canônico”, também tem a mesma raiz natural, além, também, de regular matérias que conhecemos por Revelação.
Desde um ponto de vista natural, como víamos antes, trata-se de um crime hediondo: não apenas se está matando a um ser humano inocente e indefeso, mas se está matando o próprio filho na fase da vida que ele mais necessitava da proteção dos pais. Desde um ponto de vista sobrenatural, baseado na Revelação divina, é algo ainda mais grave – o assassinato de um filho de Deus que tinha sido confiado a estes pais.
As penas no Direito – seja civil ou canônico – sempre devem ter um caráter de proteger um bem, ou seja, de evitar um crime, além do caráter medicinal. Falando em relação ao Direito civil, alguns acusam os católicos de serem desumanos quando pedem a punição da mulher que realiza o aborto. A punição existe para prevenir o crime, ou seja, em defesa da vida do indefeso. Despenalizando o aborto perdemos esta proteção importante para a vida do mais débil. Além disso, na maioria das vezes, a mulher que realiza o aborto é a menos culpada deste ato – normalmente ela está em meio a um conjunto de pressões sociais, sentimentais e econômicas. Os principais culpados – e consequentemente os que deveriam ser mais duramente punidos – são aqueles que induzem e realizam o ato ilegal e imoral do aborto.
Em relação ao Direito Canônico, para que se entenda a gravidade da ofensa ao próximo – sendo este “próximo” o próprio filho – e, consequentemente, a gravidade da ofensa a Deus, é reservada a este pecado a pena da excomunhão latae sententiae. Certamente a palavra excomunhão soa forte aos ouvidos da opinião pública e de fato é a pena mais severa da Igreja – desligar um membro da comunhão com a Igreja. Com latae sententiae se indica que a excomunhão é automática, ou seja, quem comete ou induz alguém a cometer um aborto ou participa da execução do mesmo, automaticamente está excluído da comunhão com a Igreja e, consequentemente, com o Corpo de Cristo.
Ainda sendo a pena mais grave da Igreja, a pena de excomunhão não condiz com o aquilo que o imaginário popular interpreta por excomunhão. Trata-se, como foi dito, de uma pena preventiva, educativa e medicinal. Em primeiro lugar, sendo uma pena tão grave, só recai nela quem cometeu com certeza um aborto – se alguém realiza uma tentativa de aborto sem “êxito”, comete um pecado grave, mas não é excomungado. Também só é excomungado quem sabia, ainda que imperfeitamente, da existência de uma pena especial. Além disso, as pessoas que cometeram, induziram ou participaram de um aborto – e consequentemente estão excomungadas – podem pedir e receber o perdão pelo pecado cometido e o levantamento da pena de excomunhão. Cada diocese possui alguns sacerdotes – em algumas dioceses todos os sacerdotes – habilitados para levantar esta pena, dando logicamente alguma penitência especial, para que se entenda a gravidade do pecado cometido. Normalmente a maior penitência para uma mãe que cometeu aborto é o sofrimento que carrega – por toda a vida – por sentir a culpa de ter matado seu próprio filho.
Fonte: Zenit
As causas da aprovação do Aborto pelo STF no Brasil
Entrevista com especialista em bioética, Padre Hélio publicada no ZENIT, dia 18 de abril de 2012
Por Thácio Siqueira
Diante da aprovação do STF sobre o aborto dos anencéfalos Zenit entrevistou o padre Hélio, expert da área de bioética, com a finalidade de refletir um pouco mais sobre as causas dessa aprovação.
O Pe. Hélio é sacerdote diocesano da diocese de Florianópolis (SC), graduado em odontologia pela UFSC, no Brasil, graduado em filosofia e teologia pela Universidade de Navarra, na Espanha, Mestrado em bioética pela mesma Faculdade; Mestrando em Teologia Moral pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz (PUSC), na Itália, doutorando em bioética pela Faculdade de Medicina do Campus Biomedico di Roma (UNICAMPUS), na Itália e Mebro da Comissão de Bioética da CNBB. Para contato: hélio_bioetica@hotmail.com
Confira a entrevista:
O senhor acaba de retornar ao Brasil depois de um período de estudos na Europa. E chegou bem na hora em que o STF aprovava o aborto de bebês anencéfalos. Ainda que os Ministros Brasileiros tenham se sentido portadores de Novas idéias e Revoluções Éticas e Morais, o senhor não acha que estamos diante de pensamentos antigos, que pelo menos há uns dois ou três séculos invadiram o mundo Cristão Ocidental com mais força?
Sem nenhuma dúvida. Toda essa “pseudo-revolução” atual no Brasil – liderada por “pseudo-intelectuais” – não é nada novo na história da humanidade. São ideias da Idade Moderna (séculos XV a XVIII), que foram redesenhadas na primeira metade do século XX e que agora, atrasadamente, chega ao Brasil com maquiagem de ideias pós-contemporâneas. Insisto que é um movimento liderado por “pseudo-intelectuais”, pois não representam de nenhum modo o pensamento e os valores defendidos pela sociedade brasileira. Estes “líderes” querem colocar em prática ideias da Revolução Francesa com o objetivo de “iluminar” o povo brasileiro – mesmo que seja necessário ir contra a vontade deste povo.
Para o senhor, que acaba de chegar ao Brasil, qual é a impressão que tem ao ver um país com maioria Católica aprovar algo que vai contra a Moralidade Cristã e até mesmo contra a Razão científica e médica?
Como você bem diz na pergunta, a decisão contra a vida das crianças anencéfalas não foi apenas uma decisão contra valores cristãos ou católicos. Foi uma aberração jurídica, científico-positiva, ética e moral. O Supremo Tribunal Federal não é competente para realizar a interpretação de uma lei de modo contrário à própria letra da lei, principalmente quando o texto está claramente redatado – este é um princípio básico de hermenêutica jurídica. A questão científica é clara: trata-se de uma vida, pois se a criança estivesse morta não haveria nada para ser julgado. Quanto à ética, é de uma lógica natural que não podemos matar a um inocente. Por fim vem a questão moral, que, baseada na ética, pode ir mais além, assumindo também valores próprios de uma religião, no caso do Brasil a religião Católica e de um modo mais geral as religiões cristãs. Ir contra esses valores não é proclamar a laicidade do Estado, mas fechar os olhos para os valores próprios e históricos de uma nação.
Será que mais do que uma aprovação do Aborto não se busca uma afirmação de um Governo Laicista que pretende mostrar o seu poder diante de tudo o que seja Religião, principalmente diante daquela instituição que tem maior presença como é a Igreja Católica?
Voltamos aqui à questão do modernismo/ Iluminismo. A intenção é fazer que o Estado assuma totalmente a função da religião e tentam fazer isso eliminando os valores próprios da Igreja, como se estes valores não tivessem base no próprio modo de ser humano e não constituíssem os valores e a identidade da Nação. Um Estado laico é necessário – a separação entre Igreja e Estado foi um grande avanço para ambas instituições – porém um Estado laicista, que, ao invés de independência da Religião tenta fazer-se contrário à mesma, é um Estado que desrespeita uma dimensão fundamental do homem – a religiosa.
Porém, esquecem que é justamente através dessas manobras laicistas que despertarão “o Gigante brasileiro”, que possui “filhos que não fugirão à luta”.
As vezes parece que, na nossa “sociedade democrática”, todos podem opinar, menos os cristãos e menos ainda os católicos. O senhor acha o mesmo?
Se por democracia entendemos um governo representativo dos valores da população, isso não deveria ser assim. Porém, se a interpretação de “sociedade democrática” for a mesma de “sociedade laicista”, o que haverá – e de fato há – será uma clara discriminação e preconceito a todos os tipos de valores não só religiosos, mas também éticos e morais.
Hoje em dia o único preconceito válido é contra a Igreja e contra os sacerdotes – para este preconceito não existe lei nem punição.
Os argumentos utilizados para defender o aborto do bebê anencéfalo, às vezes, são comoventes e com histórias que parecem convincentes. Escuta-se muito por aí, até mesmo de católicos fervorosos e estudados, que seria muito melhor “interromper” a gestação e que esta interrupção não poderia ser chamada de aborto, já que o ser que estava no ventre materno não estava vivo e nem era uma pessoa. O que o senhor acha disso?
Se não fosse vivo não poderia ser cometido um aborto. Alguns dirão, é vivo, mas não seria humano. Essas pessoas teriam que explicar que espécie de vida seria então – Vegetal? Animal? Com DNA humano?
Os argumentos nesses casos sempre exploram o “sentimentalismo” tão característico do povo brasileiro. Mas não são argumentos racionais e nem mesmo verdadeiros.
Não podemos negar que se trata de uma situação muito complicada para a mãe, pois sabe que o seu filho, que carrega no ventre, não viverá muito tempo. Porém sabemos que mesmo sentimentalmente as mães sofrerão muito mais por terem sido “carrascos” ou mandantes da morte do seu próprio filho do que pela perda natural do mesmo.
Por exemplo, em grandes cadeias de televisão do nosso Brasil mostraram casos de mães que foram “obrigadas” a levar a gestação adiante e que hoje agradecem o governo brasileiro por terem libertado as mães do Brasil desta escravidão, de terem que levar nos seus ventres uma “criatura morta” e sem vida, sem terem a ajuda legal para poder interromper a gestação, ou seja, abortar. O que o senhor acha disso?
Infelizmente alguns meios de comunicação tem se esforçado por difundir ideias consideradas “politicamente corretas”, ainda quando contrárias à natureza própria do ser humano. A estratégia tem sido fazer acreditar que todo o Brasil está de acordo com essas ideias, sendo que o simples telespectador sente-se uma exceção.
Neste caso específico aproveitaram do sofrimento real dessas mães grávidas de anencéfalos para utilizá-las, estrategicamente. Porém não mostraram nenhum caso de mãe que tenha de fato abortado a seu filho anencéfalo, pois essa verdade não ajudaria na estratégia de aprovação.
Outra estratégia foi a de considerar anencéfalos somente os casos mais graves de anencefalia, desconsiderando – e consequentemente não mostrando – crianças anencéfalas já nascidas, como a menina Vitória, por exemplo, que já tem mais de dois anos e estava presente no julgamento do STF. Assim, a opinião pública foi induzida a acreditar que crianças anencéfalas não possuíam nem mesmo cabeça, ao mesmo tempo em que, na prática, se sabe que o diagnóstico de anencefalia é muito difícil de ser auferido e graduado. A partir de agora, todos os casos – inclusive o de crianças como a Vitória – tornaram-se passíveis de aborto.
A lei está aí. Sabemos que lei não é sinônimo de moralidade, mas podem realmente existir leis que vão contra a moralidade?
A lei humana deve sempre responder ao bem do homem e ao bem comum da sociedade. Caso contrário, deixa de ser uma lei e torna-se uma violência contra o homem e a sociedade. Sendo assim, cada pessoa tem a obrigação de desobedece-la.
O nosso dever agora é tentar frear o ativismo legislativo do Supremo Tribunal Federal que surgirá a partir desse juízo. Certamente, decorrente desse último juízo, não tardará a questão do aborto de crianças em outras situações graves. Além disso, de acordo com o voto de muitos dos juízes legitimando o aborto de anencéfalos pela incapacidade dessas crianças de vir a ter consciência plena, não duvidaria que o tema da eutanásia viesse a ser a seguinte polêmica.
Fonte: Zenit