Carta Pastoral do Cardeal Orani João Tempesta
Carta Pastoral do Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro
“A esperança não decepciona” (Rom 5,5)
Aos irmãos e irmãs cujas vidas estão marcadas pelo sofrimento, aos que já não conseguem vislumbrar uma centelha de esperança, aos que experimentam cotidianamente a violência, aos que deixaram de acreditar no amor e na bondade, a todos os leigos e leigas que levam adiante com alegria a missão, aos sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas e aos irmãos bispos auxiliares, que tanto auxiliam na minha missão na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.
- Pela terceira vez, dirijo-me aos irmãos e irmãs desta amada Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro através de uma Carta Pastoral. Tendo manifestado o que penso e sinto a respeito de minha missão como pastor desta parcela da Igreja de Deus [1] e tendo expressado a alegria da consagração[2], volto-me agora para um tema que marcou a nossa vida neste ano: a esperança. É um tema sempre atual e urgente. Por isso, ao chegar ao final deste tempo abençoado, gostaria de deixar registrada esta minha reflexão. Sou motivado pelo atual Plano Arquidiocesano de Pastoral, que a propôs como referência evangelizadora para o Rio de Janeiro para este ano de 2015 (até a próxima festa da Unidade, vigília de Cristo Rei). Sou, porém, igualmente motivado por tudo que vejo e ouço ao percorrer nossa cidade. São agora seis anos que me tornei carioca no coração e na gratidão pelo acolhimento que tive e que nunca deixou de existir. Ao contrário, o acolhimento do carioca a mim aumenta a cada dia. Sem merecer, agradeço a cada um e a Deus que fez este povo tão carinhoso e acolhedor. As minhas visitas às Paróquias e celebrações são sempre para mim motivos de servir ainda mais a este querido povo de Deus que aqui caminha.
- A esperança é sempre um tema indispensável. Aprendemos desde crianças que tudo pode ir embora exceto, exatamente, a esperança. Quando nós a deixamos partir, de algum modo, abrimos mão da própria vida. A esperança, diz a sabedoria, é a “última que morre”. A nenhuma outra criatura, Deus cumulou de esperança. Se Ele a deu a nós, seres humanos, é porque, sem ela, não conseguiremos seguir nossas vidas nem buscar a Deus, fonte de toda esperança.
- Historicamente, surgem tempos em que a esperança se torna um tema urgente. São momentos em que não conseguimos mais enxergar a tão buscada luz no fim do túnel, momentos em que, direta ou indiretamente, dizemos não haver mais jeito. A guerra, a morte, a violência, o desrespeito ao ser humano, as brigas familiares, as separações, tudo isso tende a levar embora a esperança. Isto ocorre, de maneira particular, neste tempo em que o mundo vive tantas incertezas diante das guerras, êxodos, migrações, perseguições e o nosso país enfrenta tantas situações caóticas de confusões, necessidades e questionamentos.
- O que dizer, por exemplo, à mãe cujo filho é morto enquanto brincava na porta de casa, achando-se seguro? O que dizer aos familiares do idoso que falece na porta do hospital porque, após longa peregrinação, não consegue tratamento? O que dizer cada vez que os noticiários apresentam um novo caso de corrupção, com valores que sequer podemos imaginar de tão altos? O que dizer quando o testemunho dos batizados e batizadas não corresponde ao Evangelho que deveriam anunciar, antes de tudo, com a vida? Questionamentos que nos levam a pensar sobre que mundo está sendo construído e por que está sendo feito assim.
- Estas são algumas perguntas que, no silêncio do coração e na oração, eu apresento à minha consciência de pastor e ao Deus que me chamou para esta missão. Diante de tantas angústias, vem à minha mente a preocupação pela esperança. O sofrimento, por pior que seja, não pode matar a esperança. É preciso continuar vivendo, caminhando, levando a vida para frente, ainda que marcada por cicatrizes existenciais que, a qualquer instante, haverão de se manifestar como lembrança de imensas dores. Sendo cristão, batizado, consagrado e pastor desta cidade, tenho a esperança como uma de minhas maiores preocupações. É preciso deixar acesa a chama da esperança, por mais frágil que ela venha a ser. Ao findar o ano com este tema, a reflexão e o anúncio não podem terminar. É esse meu desejo: sermos uma Igreja samaritana, em saída, anunciando a alegria do Evangelho para as situações de periferias existenciais, testemunhando a esperança com ações concretas.
- A origem do Ano Arquidiocesano da Esperança encontra-se no 11º Plano de Pastoral, um Plano que solicitei providenciarem assim que cheguei ao Rio de Janeiro. Vigente de 2012 a 2016, o plano propôs para cada ano uma das virtudes teologais, acompanhada sempre por um gesto concreto. Em 2013, ano dedicado à Fé, celebramos a Jornada Mundial da Juventude. Em 2014, ano dedicado à Caridade, recolhemos 180 toneladas de alimentos para os irmãos do Haiti. Agora, em 2015, ano dedicado à Esperança, fomos convidados a sair em missão e anunciar Jesus Cristo, origem e meta de nossa existência. Este gesto vai se concretizar depois da primeira visita e das três reuniões e encontro nas paróquias, com uma bela novena de Natal, quando esperamos que se multipliquem os grupos de reflexão ou círculos bíblicos em nossa Arquidiocese. E, com isso, já estaremos no “Ano do Jubileu da Misericórdia”, convocado pelo Papa Francisco.
- Algumas pessoas me perguntam por que tantos anos temáticos. De fato, tem crescido recentemente o hábito de atribuir a determinado período do tempo um tema. Assim está ocorrendo em 2015. Para toda a Igreja, é o Ano da Vida Consagrada. Para o Brasil, é o Ano da Paz. Para o Rio de Janeiro, é o Ano da Esperança. Também a sociedade civil apresenta diversos outros motivos para serem celebrados ao longo deste ano. Aprendi a ver cada uma dessas indicações como ajudas num tempo de incertezas. Em lugar de me assustar com tantas propostas, devo buscar integrá-las no sentido maior para a minha vida. Como consagrado, caminho na esperança, buscando dar minha contribuição para construir a paz. A liturgia da Igreja nos conduz e os temas dos dias, semanas, meses e anos nos ajudam a refletir sobre atitudes concretas que a Palavra diária alimenta.
- Estes anos temáticos, bem sabemos, remetem à experiência bíblica do jubileu. De tempos em tempos, o povo de Deus era convocado a rever toda a vida, recordando as origens e corrigindo os erros cometidos. O jubileu é uma experiência profundamente humana e divina. É dom de Deus para o ser humano e para toda a sociedade. Por isso, convido cada irmão e irmã a se unir na celebração de tantas motivações. Todas elas nos impulsionam para a permanência na esperança. E, sem dúvida, de uma certa maneira, este ano nos preparou para a vivência desse momento mundial que está no centro das preocupações e ações do Papa Francisco: o Jubileu da Misericórdia, a iniciar-se no próximo dia 8 de dezembro.
Ele é nossa Esperança!
- Nossa esperança tem um nome: Jesus Cristo (1 Tm 1,1). Nele, com Ele e por Ele, vivemos cada dia de nossa existência atravessando amarguras e celebrando alegrias. Os Evangelhos nos revelam um Jesus inquieto, que não aceita parar, que se recusa a permanecer fechado em si mesmo, pois, sendo Amor (1 Jo 4,17), tem incessantemente sua atenção voltada para todos nós, especialmente nos momentos de dor (Lc 7,11ss; Mc 8,22ss; Mc 10,46ss; Jo 11,1-45). Ao olharmos as Escrituras, encontramos Jesus presente em todos os lugares (Mt 9,35; Jo 2,1ss; Jo 4,6ss), no meio de todas as pessoas (Mt 9,10-11; Lc 19,7), em todas as horas (Lc 4,42). Se lhe recomendam parar, mostra o caminho a seguir (Lc 4,43). Sua solidariedade com os desesperançados O leva para junto dos que, tombados à margem da vida, precisam de forças para se reerguer e continuar a caminhar. Os Evangelhos estão repletos de vidas que encontram em Jesus forças para se erguerem e cantarem louvores, seguindo-O na esperança e anunciando o Reino de Deus (Lc 18,35-43).
- Jesus é a Ressurreição e a Vida! É a vitória sobre todos os limites para que o amor de Deus se manifeste em sua plenitude. Nós cremos no Ressuscitado, naquele que, amando-nos até o extremo (Jo 13,1), venceu o pecado e a morte, abrindo para nós, de modo definitivo, o caminho da esperança. Por isso, fazendo nossas as palavras de São Pedro, repetimos, quando nos apresentam outras fontes onde buscarmos a esperança: “aonde iremos, Senhor, se só tu tens palavras de vida eterna?” Por isso, com São Paulo, podemos cantar, ainda que em meio a muitas angústias: “ó morte, onde está tua vitória?” (1 Cor 15,55). E, acrescentando nossas palavras: Ó dor, onde está a tua força? Ó desesperança, onde está teu fundamento?
- O Ano Arquidiocesano da Esperança tem sido, portanto, também um tempo para nos voltarmos em direção a Jesus Cristo. Tempo para começarmos ou recomeçarmos nossas vidas a partir Dele. Conscientes de que não nos quer apenas como servos, mas, acima de tudo, como amigos (Jo 15,13-15), sabemos onde colocamos nossa esperança (Sl 40,1). Podemos sofrer, passamos por angústias, mas não somos derrotados (2 Cor 4,8-9). Em consequência, permaneçamos sempre prontos a dar a razão de nossa esperança a quem nos pedir (1 Pd 3,15) e que o Deus da esperança nos cumule de toda alegria e paz em nossa fé, a fim de que, pela ação do Espírito Santo, a nossa esperança transborde (Rm 15,13). Alimentemos nossa esperança. Transmitamos nossa esperança. Diante de uma dura realidade de violência e incerteza como hoje, o católico deve ser, baseado no encontro com Cristo Ressuscitado, testemunha da esperança!
Alimentos para a esperança
- Para se manter, a esperança necessita ser alimentada. É como a chama de uma lamparina: pequena, às vezes pouco valorizada diante de grandes luminares, mas cuja importância se manifesta quando todas as outras formas de luzes já não são capazes de iluminar as escuridões que aparecem no dia-a-dia. Podemos até exemplificar com os aparelhos eletrônicos atuais. Eles nos permitem fazer muitas coisas. Necessitam, porém, ser recarregados, alimentados. Caso contrário, quando mais precisarmos deles, não terão condições de nos ajudar.
- A esperança é alimentada, pelo menos, de duas formas: na oração e na ação. Entre a esperança e a oração existe um forte elo. Por termos esperança no Deus da Esperança, colocamo-nos diante dele, em oração. Uma das consequências da oração é o fortalecimento da esperança. Homens e mulheres de esperança são também homens e mulheres que rezam, que não se fecham na autossuficiência e na prepotência de se acharem capazes de tudo. Em meio a todas as criaturas, somente aos seres humanos o Criador deu a graça de rezar, de colocar-se diante dele, abrir-lhe o coração e dele receber forças para permanecer de pé, caminhando. Se queremos, pois, ser gente de esperança, criaturas que correspondem ao desejo do Criador, não deixemos de rezar. Dentre tudo com que o Criador nos cumulou, possivelmente rezar seja a atitude mais simples. Basta nos colocarmos diante daquele que já está junto a nós. As diversas orientações, os caminhos e métodos para oração querem ser ajudas para que cada pessoa, com sua personalidade e história de vida, consiga se colocar diante do Deus da Esperança. No entanto, mesmo sem conhecer o rico tesouro que a Igreja possui em termos de caminhos para a oração, qualquer pessoa pode e deve se colocar diante de Deus. Tudo o mais o próprio Deus fará. Convido todos os queridos irmãos a se empenharem ainda mais, pessoalmente, em família ou em comunidade, a viver uma vida de intensa oração, que alimente em nós a esperança.
- Neste colocar-se diante de Deus, sabemos como é importante a participação sacramental! Pelo Batismo, saio das águas lavado de toda desesperança. Torno-me, entre outros aspectos, uma pessoa de esperança, pois o Batismo me aponta para o futuro, levando-me a uma vida na fé e na caridade. A Reconciliação, que mais conhecemos como Confissão ou Penitência, é fonte de esperança na medida em que separa o pecador do pecado cometido. Quando o sacerdote, em nome de Cristo, absolve dos pecados, ele também está dizendo “eu te restituo a esperança”. Ao manifestar o amor misericordioso de Deus, o sacerdote nos leva a perceber que a esperança é restituída e o caminho deve ser retomado. O Ano do Jubileu da Misericórdia, que se aproxima, deverá ser um belo momento de incrementarmos a celebração do Sacramento da Reconciliação e, com as várias iniciativas em nossas comunidades, levarmos tantas pessoas a fazerem a experiência da misericórdia.
- A Eucaristia é o alimento da esperança! Com esta certeza, celebramos a Semana Eucarística de 2015 e a Solenidade do Corpo e Sangue do Senhor. Assim motivados, realizamos as horas santas no Santuário Nacional da Adoração Perpétua e nas demais comunidades, bem como a procissão, que juntos fizemos para testemunhar nossa fé e nossa esperança. Agora nos reunimos às vésperas de Cristo Rei para celebrar, na festa da Unidade, que “a esperança não decepciona”. Ao comungarmos, unimo-nos a Jesus e, nesta união, percebemos que se fortalecem em nós a Fé, a Esperança e a Caridade. Este é o grande efeito do banquete celestial, onde nos é servido o melhor dos pães, o Pão Divino: feito do mais simples e humilde pão humano, um pão sem fermento, temperos ou recheios, mas transubstanciado pela força do Espírito Santo. No mistério da simplicidade do pão humano, manifesta-se o amor d’Aquele que se fez Pão do Céu. E, do mistério do Pão do Céu, decorrem nossa esperança e força para caminharmos em meio às tribulações da vida. É em torno da Eucaristia que nos unimos sempre e cada vez mais.
- O Senhor Jesus não nos deixou, como memorial de sua Paixão, algo complexo e, portanto, inatingível para muitos. Ao contrário, deixou-nos a Eucaristia, simples para ser consumida como expressão da profunda comunhão entre Ele e nós, simples para ser adorada por quem quer que seja, simples para ser levada aos enfermos e aos impedidos de participarem da celebração do memorial do Senhor. Simples, enfim, como o Eterno e Todo-Poderoso é simples. Como é importante fazer com que os nossos irmãos enfermos ou idosos, que não podem se locomover, se sintam unidos à comunidade através da presença da Eucaristia em seus leitos!
- Dentre os textos bíblicos que têm alimentado a oração e a reflexão dos católicos cariocas no Ano da Esperança, encontra-se um momento especial na vida do profeta Elias (1 Rs 19,1-8). O profeta, como sabemos, perdeu toda a esperança. Perseguido injustamente, tombou junto a uma grande árvore e pediu a morte. Em meio à sua desesperança, o Anjo do Senhor veio até ele, alimentou-o para que continuasse caminhando. O profeta imaginava que seu único apoio seria a grande árvore, mas seu verdadeiro apoio era o Senhor. O profeta imaginava que seu futuro seria a morte, mas seu verdadeiro futuro seria caminhar até a morada do Senhor, representada pelo Monte Horeb. O profeta imaginava que sua força viria do descanso à sombra da grande árvore, mas sua verdadeira força veio do alimento trazido pelo Anjo.
- Nesta experiência do profeta, os cristãos, desde cedo, enxergaram a Eucaristia, alimento para a esperança. Na perseguição ao profeta, podemos imaginar os diversos motivos para desanimar e, à semelhança daquele homem que, pouco antes, se mostrava tão corajoso e confiante (1 Rs 18-,1-39), podemos também desanimar e até pedir a morte. Em nossa vida, sempre haverá momentos iguais a esse. Na imagem da grande árvore, podemos enxergar os apoios aos quais nos agarramos na hora do desespero, iludindo-nos às vezes com a aparência de poder e força, como era o caso da grande árvore. O Senhor nos conhece e compreende. Ele sabe de nossos sofrimentos e desânimos. Sabe também que, nas horas mais difíceis, tendemos a nos apoiar no que surge de imediato. Entretanto, em seu amor, sem deixar de ser o Todo-Poderoso, Ele se manifesta simples, pequeno, frágil, carinhoso e atencioso. Através do Anjo, Ele cuidou do profeta. Alimentou-o pacientemente, fornecendo-lhe repetidas porções do alimento que revigora. Assim alimentado, o profeta se ergueu e caminhou até o local de Deus (Ex 19,20-20,26). Elias experimentou e nos mostra que Deus ama, compreende, alimenta e aguarda. Como não ter esperança?
- Também nós, diante do Senhor Sacramentado, reconhecemos que “Ele nos amou até o fim” (Jo 13,1), não nos entregando algo, mas dando-se a si mesmo em alimento, força para permanecer caminhando, ainda que tudo ao redor nos empurre para o desânimo e a desistência. Pela Eucaristia, o Senhor cuida de seu povo. Ela é pão para os fracos e para os que se acham fortes; para os pecadores e para os que reconhecem que necessitam perseverar na santidade; para os enfermos e os sadios; para que os abatidos se revigorem e os fortalecidos assim permaneçam. A Eucaristia é, portanto, alimento da esperança!
- A esperança é igualmente alimentada pela ação. Talvez alguém considere estranho que eu assim me manifeste, pois costumamos dizer o contrário. Dizemos que a esperança alimenta a ação. Isso é verdade, mas é igualmente verdade que cada ato de amor, de caridade, de perdão e de anúncio do Evangelho produz, entre seus efeitos, o fortalecimento da esperança em quem o pratica. É certo que nem sempre conseguimos fazer tudo que gostaríamos e precisaríamos. Reconheço que nem sempre temos condições de ser os evangelizadores que desejamos. Lembro, porém, que, se a distância entre o sonho e a realidade é demasiada, podemos começar com pequenos passos. Se não desanimarmos e dermos estes poucos passos, a esperança se fortalece. E, assim como o profeta Elias, que caminhou quarenta dias e quarenta noites até o monte de Deus, também nós caminhamos na prática do amor, da caridade e no anúncio do Evangelho. Os omissos e os inertes assassinam a esperança. Tenho visto, porém, que a ação, como consequência do Evangelho que acontece em tantos lugares da Arquidiocese, também em momentos difíceis, alimenta a esperança no coração de nosso povo.
Esperança e Missão
- É por isso que eu me alegro tanto ao ver como temos correspondido com generosidade através do gesto concreto do Ano da Esperança que se liga à missão. Como já mencionei antes, na estrutura do 11º Plano de Pastoral de nossa Arquidiocese, cada ano foi dedicado a uma virtude teologal, com um gesto concreto. No Ano da Esperança, saímos em missão (saliento que esta atitude deve ser permanente). Desde sua origem, a Igreja sempre se reconheceu em saída, em movimento, em missão. Neste caminhar, ao longo dos séculos, alguns momentos colocaram a missão num destaque ainda maior. Estamos vivendo um desses períodos históricos em que a missão se torna mais que uma indicação pastoral. Ela se torna urgência, fazendo-nos deixar de lado tudo mais para atendê-la, pois ela pede atenção imediata. Além deste ano, em que se escolheu uma parcela da paróquia para as reuniões e visitas, a nossa proposta é que a cada ano uma outra parte seja visitada e a ela anunciada a esperança da salvação em Cristo Jesus. E assim, se estabeleça uma continuidade em nossa Arquidiocese, fazendo eco ao pedido do documento de Aparecida: sermos a missão permanente.
- Dores, incertezas, conflitos, solidão e tantas outras situações de sofrimento imploram aos católicos que saiam de seus confortos pastorais, joguem as redes mais longe (Lc 5,4, NMI 1), avancem rumo às periferias existenciais[3], expressão tão cara ao Papa Francisco, e anunciem a beleza da Esperança que brota do Evangelho. Como pastor, não deixo de me angustiar ao reconhecer que todo ser humano tem direito a ouvir o anúncio do Evangelho. Se o Evangelho não for aceito, ficarei triste e preocupado, imaginando novas formas de apresentá-lo. Entretanto, angustio-me bem mais com o Evangelho que não é apresentado. Lembro que não seremos cobrados pela aceitação ou não do Evangelho. Seremos cobrados por o termos anunciado ou não (Mc 19,15-16). Exorto, pois, o coração de cada diocesano para que, impregnado pelo ardor missionário, responda com generosidade a este apelo, hoje e sempre!
- Neste tempo em que estou no Rio de Janeiro, aprendi que o carioca se alegra em ser cristão, em participar da Igreja e, nela e com ela, anunciar o Evangelho. Agradeço a Deus a vigorosa ação missionária desenvolvida em diversas frentes, desde os que generosamente se dispuseram a permanecer algum tempo em outros locais, até os que, há décadas, vêm participando do que chamamos de missões populares. São formas diferentes de viver o mesmo anúncio da Boa Nova. Meu sonho de pastor é que todas essas formas se integrem cada vez mais, que se revigore nos católicos o desejo de animar outros a viver a missão, que todos os lares sejam visitados e que o Evangelho, enfim, seja anunciado, especialmente a quem dele está distante. É o que sempre tenho dito: os diversos carismas a serviço da comunidade devem se conjugar na unidade! Unidade na diversidade! Todos os diversos dons conjugados na mesma direção! “Que todos sejam um”!
- Nós, os cristãos, colocamos nossa esperança na vida eterna. Temos plena consciência de que “não temos aqui morada permanente” (Hb 13,14; 2 Cor 5,1) e que, se nossa esperança se limita apenas a esta vida, somos dignos de pena (1 Cor 15,19). Nosso sonho está além de tudo que nossos olhos podem ver e nossas mãos podem tocar (1 Cor 2,9). Isto, porém, não nos isenta da responsabilidade pelas realidades deste mundo. Ao contrário, nos insere muito diretamente nas alegrias e esperanças de todas as pessoas, sobretudo das que sofrem (GS 1). Neste ano em que celebramos o cinquentenário de encerramento do Concílio Vaticano II e a promulgação da Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, somos convocados a sair em missão, na certeza de que, buscando e anunciando a vida eterna, nossos corações estão voltados para o alto, mas nossos pés estão enraizados no chão da vida. A nossa presença no mundo deve ser cada vez mais efetiva e, de modo especial, nestes tempos de tantas incertezas e desesperanças. Ao anunciarmos a esperança, nós o fazemos também com atitudes concretas de nossas vidas.
Nossa esperança missionária não tem limites
- Por isso, não tenho me cansado de repetir, como o Papa Francisco, a urgente necessidade de irmos às periferias existenciais. Penso que devamos refletir bastante sobre o que o Santo Padre nos quer dizer com esta expressão tão rica em significado. Os exemplos e as concretizações destas periferias existenciais são inúmeros, pois nelas estão todos os que, marcados por suas dores, sonhos, lutas e esperanças, encontram-se afastados de Jesus Cristo e da Igreja. Num mundo de profundas transformações, já não conseguem enxergar a importância de irem até uma comunidade eclesial e, ali, com Jesus Cristo, recuperar as forças e perseverar caminhando em meio às tribulações e alegrias da vida. Por isso, já não basta mais sermos uma Igreja que apenas acolhe. Precisamos ser também uma Igreja que sai ao encontro. Precisamos ser uma Igreja em saída (EG 20-24). Mantemos a consciência e as atitudes de acolhimento. Enriquecemos, porém, nossa ação evangelizadora com as atitudes missionárias. Somos uma Igreja que, ao mesmo tempo, acolhe os que vêm e sai em busca dos que não vêm, dos que estão distantes.
- Mesmo reconhecendo a dificuldade em indicar quais sejam as periferias existenciais (impossível enumerar todas), pois, na indicação, diversas realidades serão deixadas de fora, gostaria de recordar algumas que, no cotidiano de minha vida de pastor, tenho encontrado. A elas, dedico minha oração e para elas peço a carinhosa atenção pastoral dos católicos individualmente, dos grupos, associações e comunidades. A cada cumprimento nas portas das Igrejas, cada um que se achega sempre traz consigo uma dor ou um ferimento em sua vida e em sua existência. São tantos que nos impelem ainda mais a ser sinais de esperança para este nosso querido povo!
- Neste ano em que a Igreja realizou o Sínodo sobre a Família, recentemente concluído, não posso deixar de reconhecer na família uma dessas periferias existenciais. Reconheço todo o trabalho feito pela Pastoral Familiar, pelos movimentos e por todos, enfim, que se dedicam à defesa e à evangelização da família. Penso, no entanto, que, ao se tratar da família, nunca se terá feito o suficiente. Não fomos criados para o isolamento, mas para o convívio, a relação fraterna e amorosa e, como bem sabemos, é na família que isso tudo é aprendido.
- Reconheço que, já há algum tempo, a estrutura familiar vem se transformando como resultado de outras transformações pelas quais o mundo tem passado. Preocupo-me, entretanto, com a disseminação, consciente ou não, de que a família, constituída conforme a criação de Deus, seja uma realidade apenas histórica e, por isso mesmo, secundária, irrelevante e até desnecessária. Não creio estar julgando quem quer que seja pela história de suas vidas e pelos caminhos encontrados para enfrentar o que a realidade, algumas vezes tão dura, apresenta a cada um. Consciente da condição irrenunciável da família, estou convicto de que devemos, incansavelmente, trabalhar para que todas as famílias permaneçam caminhando no amadurecimento de sua vocação de escolas de amor e fé. Tenho clareza de que é meu dever, como cristão e pastor do rebanho, proteger, defender e promover a família como realidade desejada pelo Criador. Não fosse assim, por que, ao se encarnar, o Verbo de Deus o fez exatamente no seio de uma família? Sejamos, pois, uma Igreja sempre mais atenta à família, a todas as famílias e a cada família, em especial às que estão sofrendo, seja qual for o motivo. Sejamos cada vez mais uma Igreja que vai ao encontro das famílias, uma Igreja, portanto, esperança para as famílias. As discussões, as exposições, as reuniões dos grupos de estudos no Sínodo durante as três semanas de outubro demonstraram, de um lado, a necessidade de fortalecer a família, e de outro, a proximidade da Igreja com todas as várias e multíplices situações familiares hoje, além da busca de caminhos de cura para as feridas abertas.
- Uma segunda periferia existencial que muito tem chamado minha atenção é a juventude. Também aqui eu me alegro com tantas experiências significativas de presença da Igreja junto aos jovens. Alegro-me ao ver a coragem e a generosidade de tantos jovens buscando a consagração, em suas mais diversas formas, e, assim, o serviço a Deus e ao próximo. Como me alegro ao escutar belas experiências de jovens animados pelo Evangelho e que dão um belíssimo testemunho de vida em meio a essa grande cidade! A cada momento, abençoo os jovens que, criativamente, encontram recursos para retiros e momentos de formação, os jovens que dedicam seu tempo a cuidar dos abandonados, dos esquecidos, dos largados nas ruas de nossa cidade. Estes jovens são o braço estendido do amor misericordioso do Cristo Bom Samaritano. Sinto-me bem em meio aos jovens. Com eles, eu me alegro. Com eles, eu aprendo a manter nos olhos e no coração o brilho da esperança. Neles, eu percebo o chamado do Senhor a nunca perder a esperança. Agora que, mesmo com dificuldades, nos organizamos para participar da Jornada Mundial da Juventude em Cracóvia, na Polônia, vejo o entusiasmo juvenil que sabe vencer obstáculos e continua dando testemunho de que, mesmo com tantas expressões jovens, caminham unidos e na fraternidade.
- Preocupo-me, no entanto, com os jovens que não descobriram a alegria da fé, do encontro com Jesus Cristo e com a Igreja. Entristeço-me diante das notícias, quase diárias, de jovens atingidos pelas drogas e por outras formas de violência. Rezo incessantemente por aqueles que esta mesma violência levou embora deste mundo, como se um ser humano fosse produto descartável que se destroi num estalar de dedos. A cada dia as notícias de jovens que morrem marcam nossa cidade, aos quais acrescento aqueles que não são noticiados. Na Jornada Mundial da Juventude, o Papa Francisco encontrou-se com um pequeno grupo de oito jovens, que, tendo passado por situações sofridas, estavam buscando um novo rumo para suas vidas. O Papa os ouviu atentamente e, a cada momento, repetia a esses jovens e aos poucos adultos que estavam na mesma sala, uma frase que me marcou: “Nunca mais a morte!” Lembro-me, então, do brilho nos olhos daqueles oito jovens ao ouvir este clamor pela vida e pela esperança. Sentiram-se à vontade diante do Santo Padre, falaram de suas vidas, suas dores e, acima de tudo, de sua fé e sua esperança. Lembrando-me daquele momento e, recordando toda a Jornada Mundial da Juventude, eu me pergunto o que mais podemos fazer para acolher e saborear a esperança que transborda de cada jovem? Percorrendo a cidade, vendo jovens nas mais diversas situações, eu me indago o que mais deve ser feito para que também estes jovens, que me parecem tão distantes de Jesus Cristo e da Igreja, tenham pelo menos a chance de ouvir falar do amor de Deus, da fé e da esperança?
- Por fim, na certeza de que não conseguirei esgotar a lista das periferias existenciais, lembro-me dos prediletos de Jesus, para os quais o Papa Francisco tem chamado tanto nossa atenção: os pobres. A Fé me ensinou a ver em cada um deles o próprio Senhor Crucificado. Esta é a consciência da Igreja (Sd 178, DAp 393). Esta deve ser a consciência de cada cristão e mesmo de quem, não professando a fé cristã, tem o coração aberto para tudo que é humano. Por trás de cada pessoa desfigurada pela miséria, há um ser humano e, através de cada ser humano, somos convidados a ver o Cristo, Senhor Crucificado. Sinto-me pequeno diante das expectativas que muitas vezes são colocadas sobre mim, pedindo-me ajuda. Não deixarei nunca de estar ao lado dos mais pobres, dos sofredores, dos humildes e humilhados. Não desanimarei de abençoá-los e de convocar toda a Igreja do Rio de Janeiro a ser uma Igreja samaritana, que interrompa seu caminhar a fim de se dedicar ao ser humano que encontrar jogado na estrada, às vezes na margem, às vezes no meio do caminho, à vista de todos, que, porém, continuam passando, seguindo suas vidas. Não podemos nos acostumar com a visão de pessoas abandonadas pelas ruas e praças! Não podemos nos acostumar com a violência entre nós! Ao me deparar com os jovens que me assaltaram duas vezes aqui no Rio de Janeiro, o meu olhar de pastor foi de sentir uma grande preocupação com a vida e a história desses adolescentes e jovens tão cedo já na senda do crime. Todos com histórias de sofrimento e abandono, e também influenciados por uma sociedade de consumo que os leva a buscar não só a droga, mas bens efêmeros que logo se esvaem.
- Não posso aceitar que existam pessoas sem teto, sem emprego, sem acesso ao mínimo necessário para a preservação ou recuperação da saúde e tudo mais a que todo ser humano tem direito. Não posso aceitar que, diante de tanta penúria, se desviem quantias inimagináveis, numa corrente de corrupção e de irresponsabilidade diante da sociedade e, mais ainda, diante de Deus. Não estou assustado só por que são altos os valores que circulam nas teias da corrupção. Uma única moeda desviada de seu destino, que é o bem comum, já é motivo suficiente para a indignação de quem se importa com a própria consciência e com os demais seres humanos. É por isso que se fortalece em mim a certeza de que nosso tempo necessita de um choque de solidariedade, do impacto causado pelo bem que se pratica, pelo serviço desinteressado e pela renúncia a pactuar com o mal. Se a maldade humana, em nossos dias, assume também a forma da corrupção, não deixemos que, junto aos grandes valores financeiros levados embora, retirem também de nós a esperança de que é possível construir um mundo de justiça, honestidade, solidariedade e paz.
Esperança e Misericórdia
- Ao meditar sobre a esperança, não posso deixar de enxergar a forte conexão entre ela e a Misericórdia. Desde agora, imagino quanto bem o Ano Santo da Misericórdia que se aproxima fará aos cristãos e ao mundo todo, que dela tanto precisam. As incertezas diante da vida e do futuro levam os corações a se fecharem em si mesmos, levam as consciências a responderem à violência, ao individualismo e à indiferença com igual medida (EG 54). Nosso tempo precisa transcender o imediatismo das soluções, que, à semelhança de quem instintivamente reage às agressões, acredita poder resolver tudo através da força e da destruição. O Papa Francisco nos alerta de que nosso mundo teria se esquecido até mesmo da palavra perdão (MV 10). Fico pensando se já nos demos conta da gravidade desta advertência que o Santo Padre nos fez. Precisamos começar com a experiência do perdão entre nós. Somos perdoados no Sacramento da Reconciliação e chamados a ser sinais de perdão mútuo. Quantos rancores e vinganças ainda existem entre nós! A Igreja é chamada a ser sinal de tempos novos. Que o Jubileu da Misericórdia nos faça enxergar e experimentar estes tempos novos!
- Desde já desejo que, no Rio de Janeiro, o Ano da Misericórdia e o Ano da Esperança estejam de tal forma unidos que não se perceba o término de um e o início do outro, pois só a Misericórdia é capaz de romper as cadeias da desesperança. Desejo que a ação missionária, vivida ao longo de 2015, suscite ainda mais nos corações cariocas o sonho de testemunhar e construir misericórdia, acolhendo cada pessoa como quem acolhe o próprio Senhor (Mt 25,31-46), abrindo portas para a conversão, para a transformação das mentes e dos corações. As indicações concretas já foram dadas para vivermos juntos o Ano Santo da Misericórdia no Rio de Janeiro. Porém, gostaria de lembrar que a misericórdia não pode esperar indicações nem aguardar prazos. A Misericórdia é dom de Deus e, por isso mesmo, sua urgência é sempre válida e contínua. Se foi necessário que o Papa nos convocasse a um Ano Santo da Misericórdia, não será por que nos esquecemos disso?
Uma história de esperança
- Neste ano, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro celebra 450 anos. Marcada por belezas e mazelas, esta cidade é um convite à esperança. Lembro-me do que sobre ela falou São João Paulo II, ao mencionar a beleza da arquitetura de Deus e da arquitetura humana (frase famosa do querido Papa ao ver esta nossa bela cidade!). As belezas naturais, aproximando mar e montanha, são para mim um chamado contínuo a colocar minha esperança no Criador de tudo isso. As belezas criadas pela mão humana não me deixam esquecer que, por trás delas, é o Deus da Inteligência e da Criatividade que está agindo. Agora, especialmente, que a cidade passa por tantas mudanças, vejo a reação de muitos que aguardam com esperança que tudo poderá ser melhor.
- Em meio a tudo isso, vejo a beleza maior desta cidade, beleza que, para mim, é também fonte de esperança: o povo carioca, um povo que não se abate diante de agudas formas de sofrimento, que não se desconcerta diante de escândalos nem desanima de ser feliz e de ajudar a ser feliz. Este povo que na Jornada Mundial da Juventude, há dois anos atrás, enfrentou medos e inseguranças, abrindo as portas das casas como sinal da abertura dos corações. Certamente, todos já me ouviram mencionar este fato, que tanto me marcou. Se agora eu o repito, é por que, de diversas maneiras, é isso que o carioca faz diariamente, ainda que sem o grande impacto da Jornada.
- Todos sabem que fala forte ao meu coração percorrer a cidade, estar nas comunidades e visitar as pessoas. Já se consolidou, com a graça de Deus, a Trezena de São Sebastião, período em que, tendo comigo a imagem do Santo Padroeiro, percorro a cidade, entrando onde for preciso, sem discriminar quem quer que seja. Pelo olhar humano, não levo muito. Levo apenas a imagem de um santo. Contudo, pelo olhar da Fé, levo comigo a esperança. Na imagem daquele jovem soldado que, em nome da Fé, não temeu enfrentar o pecado e conclamar os pecadores à conversão, eu me empenho por fortalecer a esperança em todos os cariocas. Se, às vezes, o carro com a imagem do querido São Sebastião necessita acelerar a velocidade, nem por isso as pessoas deixam de fazer o sinal da cruz, de elevar seus olhos e seus corações aos céus, pedindo força e esperança. E eu termino cada dia da Trezena bendizendo a Deus pela graça de ter podido partilhar este dom da esperança com os cariocas. Se, diariamente, levo um pouco da esperança de Deus, com certeza recebo muito mais desta mesma esperança, tão presente, por exemplo, sob as lágrimas de tristeza da mãe a quem devolveram o corpo sem vida do filho; tão presente no sorriso do idoso, que, naquele momento da visita, se esquece de que está abandonado em local apto apenas para se guardar detritos; presente também nos jovens sob medidas socioeducativas, que realizam apresentações artísticas como sinal de que podem fazer muito mais em suas vidas; presente, enfim, nos enfermos que colocam suas forças no Deus da Esperança, mesmo que os médicos lhes tenham dito nada mais poderem fazer.
- Este é o Rio de Janeiro, Rio do Redentor, Rio de São Sebastião, de Nossa Senhora da Penha, cujo mês estamos a terminar, e de todos os santos e santas de Deus, Rio do carioca lutador, persistente, esperançoso, alegre, sensível e, como disse antes, acolhedor. Se neste ano celebramos quatro séculos e meio de fundação, é porque temos a certeza de que há um caminho longo a percorrer para que as mazelas não encubram as belezas, para que as dores não levem embora a esperança. E nós o faremos porque a esperança circula em nossas veias.
Somos um povo de esperança
- Sim! Fazemos parte de uma história repleta de esperança e de gente que testemunhou intensamente esta esperança que vem de Deus. Abraão a viveu “contra toda esperança” (Rm 4,18). Deixou a segurança de sua terra natal, acolheu a promessa de posteridade, já estando na velhice e com a esposa estéril, levou o filho para oferecer a Deus na confiança de que este mesmo Deus proveria a vítima para o sacrifício (Gn 12,1-9;15,5-7;22,1-13). Moisés não temeu conduzir o povo rumo ao mar, na esperança de que não pereceria nas mãos do faraó (Ex 14,1-22). Davi não temeu reconhecer seu pecado e, na esperança, clamar pelo perdão divino (2 Sm 12,1-13). Nestes três exemplos, uma história repleta de testemunhos da esperança, repleta de homens e mulheres que tiveram muitos motivos para não crer nem ter esperança, mas que, perseverando, abriram as portas para que o Mistério de Deus se manifestasse em toda a sua grandeza.
- Olho com carinho para cariocas cuja vida foi um semear de esperança. Refiro-me à querida Odetinha e ao jovem Guido Schäffer, ambos em processo para reconhecimento oficial da santidade. Uma criança e um jovem, dois cariocas e uma esperança: fazer deste mundo um lugar para Deus. Na pureza dos corações, estes dois jovens cariocas representam todos os demais que se empenham por fazer o mesmo. Recordo também do casal Jerônimo e Zélia, fluminenses que deram exemplo de uma família cristã e unida em tempos difíceis, que serão também modelos para nossas famílias hoje. Com a graça de Deus, todos serão levados aos altares e, com a intercessão deles, muitos outros cariocas seguirão o mesmo caminho. Olhar estas vidas que conseguiram transbordar a esperança deve ser para nós um estímulo a viver assim também. Com esses exemplos, neste dia em que celebramos a Solenidade de Todos os Santos, recordo a todos a vocação universal à santidade. É esse o nosso caminho, é essa nossa vocação comum: somos chamados à santidade!
- É verdade que alguns de nossos antepassados na fé sentiram o peso da vida e se deixaram envolver pelo desânimo. O profeta Elias, já antes mencionado, é um exemplo de que, em meio às tribulações da vida, cansamo-nos e pensamos em desistir. No entanto, lembremo-nos sempre de que Elias encontrou forças para chegar ao Monte de Deus. Outro exemplo é o profeta Jeremias. Humilhado em razão de sua fidelidade a Deus, reconheceu-se, porém, imensamente envolvido pelo Deus da Esperança e, apesar das humilhações, cantou louvores a Deus (Jr 20,7-13). Na proclamação do salmista, encontro a profissão de esperança de toda criatura, que, tendo esperado no Senhor, pode cantar alegres hinos de louvor (Sl. 40,1-3).
- É impossível não mencionar o Apóstolo Paulo, ele que eleva um dos mais bonitos cantos de esperança, ao dizer que, embora atribulados de todos os lados, não desanimamos, embora soframos e até nos verguemos, não nos deixamos quebrar (2 Cor 4,8s). É o mesmo Paulo que nos transmite o segredo para vivermos na esperança, partilhando-a uns com os outros: consolados pelo Deus da Esperança, devemos nos consolar e fortalecer uns aos outros (2 Cor 1,3-4).
- Se a vida nos apresenta mil motivos para não termos esperança, temos um motivo para mantê-la: Jesus Cristo. Caminhando em meio ao povo daquele tempo, Jesus semeou esperança. Sua fama se espalhava por todas as regiões (Mt 4,24;9,31), de modo que, desiludidos de tudo mais, os sofredores viam nele a razão de sua esperança. Por isso, não temiam gritar “Filho de Davi, tem piedade de mim”, mesmo que lhes tentassem impedir (Mt 9,27;15,22;20,30-31; Mc10,47-48). A esperança é mais forte que todas as pressões em contrário, que todos os empecilhos que desejam colocar, que todos os gritos que intentam abafar. “A esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5,1), e “Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de sabedoria” (2 Tm 1,7).
- Neste Ano Arquidiocesano da Esperança, em que, unidos a toda a Igreja que celebra o Ano da Vida Consagrada, unidos também à Igreja no Brasil, que celebra um Ano dedicado à Paz, renovemos nossa consagração, tenha ela a forma que tiver, buscando construir sempre mais a paz e, com isso, irradiar a esperança. Não deixemos que as dores dobrem nossas cabeças nem endureçam nossos corações. Contemplemos o Crucificado, que, em meio a tantas dores, entregou-se confiante nas mãos do Pai (Lc 23,46). Sejamos uma Igreja que, na esperança, olha para frente e, conscientes de que o futuro pertence ao Cristo Glorioso que há de vir para julgar os vivos e os mortos, repitamos com a vida e sem cansar o convite da Igreja: “Vem, Senhor Jesus! Maranatha! ” (Ap 22,17)
Senhor Jesus,
ao olharmos nosso mundo, ficamos assustados(as).
São muitas as dores!
São muitos os sofrimentos!
Há pessoas que deixaram de acreditar em si mesmas, na vida e em Vós.
Há pessoas que se tornaram prisioneiras do consumo, das soluções fáceis e imediatas, nem percebendo que geralmente são falsas.
Elas já não conseguem perceber a beleza da fraternidade, a alegria da caridade, o sabor da partilha, o perfume do convívio e a grandeza de crer.
Ajudai-nos, Jesus, a testemunhar a esperança!
Inundai-nos com a vossa esperança
para transmitirmos a todos os irmãos e irmãs,
em especial os que estão sofrendo.
Jesus, Senhor da Esperança, fazei-nos servos e testemunhas da esperança.
Amém!
São Sebastião do Rio de Janeiro, 1 de novembro de 2015,
Solenidade de Todos os Santos
Fonte: Arquidiocese do RJ