Natal e Epifania

Publicado em 05/01/2012 | Categoria: Notícias |




CATEQUESE

Sala Paulo VI

Quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Queridos irmãos e irmãs,

estou contente por acolher-vos nesta primeira Audiência Geral do novo ano e, de todo o coração, dirijo a vós e às vossas famílias minhas afetuosas saudações. Deus, que no nascimento de Cristo, Seu Filho, inundou de alegria o mundo inteiro, conceda obras e dias na sua paz. Estamos no Tempo Litúrgico do Natal, que inicia na noite de 24 de dezembro, com a Vigília, e conclui-se com a celebração do Batismo do Senhor. O arco dos dias é breve, mas denso de celebrações e mistérios e se recolhe em torno das duas grandes Solenidades do Senhor: Natal e Epifania. O próprio nome dessas duas festas indica suas respectivas fisionomias. O Natal celebra o fato histórico do nascimento de Jesus em Belém. A Epifania, nascida como Festa no Oriente, indica um fato, mas, sobretudo, um aspecto do mistério: Deus revela-se na natureza humana de Cristo e esse é o sentido do verbo grego epiphaino, tornar-se visível. Nessa perspectiva, a Epifania recorda uma pluralidade de eventos que têm como objeto a manifestação do Senhor: de modo particular, a Adoração dos Magos, que reconhecem em Jesus o Messias esperado, mas também o Batismo no Rio Jordão com a sua teofania – a voz de Deus do alto – e o milagre nas Bodas de Caná, primeiro “sinal” operado por Cristo.

Uma belíssima antífona da Liturgia das Horas unifica esses três acontecimentos em torno do tema das núpcias entre Cristo e a Igreja: “Hoje, a Igreja une-se ao Seu Esposo celeste, porque, no Jordão, Cristo lavou os seus pecados; os Magos acorrem com dons às núpcias reais, e os convidados alegram-se vendo a água transformada em vinho” (Antifona delle Lodi). Podemos quase dizer que, na Festa do Natal, sublinha-se o escondimento de Deus na humildade da condição humana, no Menino de Belém. Na Epifania, ao contrário, evidencia-se o Seu manifestar-se, o aparecer de Deus através desta mesma humanidade.

Nesta Catequese, gostaria de recordar brevemente alguns temas próprios da celebração do Natal do Senhor, a fim de que cada um de nós possa beber da fonte inexaurível deste mistério e produzir frutos de vida.

Antes de tudo, perguntemo-nos: Qual é a primeira reação diante desta extraordinária ação de Deus, que se faz criança, que se faz homem? Penso que a primeira reação não pode ser outra que não alegria. “Alegremo-nos todos no Senhor, porque nasceu no mundo o Salvador”: assim inicia a Missa de Natal, e ouvimos há pouco as palavras do Anjo aos pastores: “Eis que vos anuncio uma grande alegria” (Lc 2,10). É o tema que abre o Evangelho, e é o tema que o encerra, porque Jesus ressuscitado repreenderá os Apóstolos exatamente por estarem tristes (cf. Lc 24,17) – incompatível com o fato de que Ele permanece Homem eternamente.

Mas demos um passo adiante: De onde nasce essa alegria? Diria que nasce do estupor do coração em ver o quanto Deus nos é próximo, o quanto pensa em nós e age na história. É uma alegria, portanto, que nasce do contemplar o rosto daquele humilde Menino, porque sabemos que é o Rosto de Deus, presente para sempre na humanidade, para nós e conosco. O Natal é alegria porque vemos e estamos finalmente seguros de que Deus é o Bem, a Vida, a Verdade do homem e se abaixa até o homem para levantá-lo a Si. Deus torna-se tão próximo a ponto de se deixar ver e tocar. A Igreja contempla esse inefável mistério e os textos da Liturgia deste tempo são permeados pelo estupor e pela alegria; todos os cantos de Natal expressam esta alegria. O Natal é o ponto em que céu e terra unem-se, e várias expressões que ouvimos nestes dias sublinham a grandeza do que aconteceu: o distante – Deus parece distantíssimo – torna-se próximo; “o inacessível quis ser alcançável. Ele, que existe antes do tempo, começou a estar no tempo, o Senhor do universo, velando a grandeza de sua majestade, assume a natureza de servo”, exclama São Leão Magno (Sermone 2 sul Natale, 2.1). Naquele Menino, necessitado de tudo, como são as crianças, está aquilo que Deus é: eternidade, força, santidade, vida, alegria, que se une àquilo que somos nós: debilidade, pecado, sofrimento, morte.

A teologia e a espiritualidade do Natal usam uma expressão para descrever esse fato: falam de admirabile commercium, isto é, de um admirável intercâmbio entre divindade e humanidade. Santo Atanásio de Alexandria afirma: “O filho de Deus se fez homem para fazer-nos Deus” (De Incarnatione, 54, 3: PG 25, 192), mas é sobretudo com São Leão Magno e as suas célebres Homilias sobre o Natal que essa realidade torna-se objeto de profunda meditação. Afirma, de fato, o Santo Pontífice: “Se apelamos à inexprimível condescendência da misericórdia divina que levou o Criador dos homens a fazer-se homem, essa nos elevará à natureza d’Aquele que nós adoramos na nossa” (Sermone 8 sul Natale: CCL 138,139). O primeiro ato deste maravilhoso intercâmbio realiza-se na própria humanidade de Cristo. O Verbo assumiu a nossa humanidade e, em troca, a natureza humana foi elevada à dignidade divina. O segundo ato do intercâmbio consiste na nossa real e íntima participação na natureza divina do Verbo. Diz São Paulo: “Quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma lei, a fim de remir os que estavam sob a lei, para que recebêssemos a sua adoção de filhos” (Gal 4,4-5).

O Natal é, portanto, a festa em que Deus se faz tão próximo ao homem a ponto de partilhar o seu próprio ato de nascer, para revelar-lhe a sua dignidade mais profunda: aquela de ser filho de Deus. E, assim, o sonho da humanidade iniciado no Paraíso – queremos ser como Deus – realiza-se de modo inesperado não pela grandeza do homem, que não pode se “fazer Deus”, mas pela humildade de Deus, que desce e assim entra em nós na sua humildade e nos eleva à verdadeira grandeza do seu ser. A esse propósito, o Concílio Vaticano II diz assim: “Na realidade, só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente o mistério do homem” (Gaudium et spes, 22); de outra maneira, permanece um enigma: O que quer dizer esta criatura homem? Somente vendo que Deus está conosco podemos ver luz para o nosso ser, sermos felizes por sermos homens e viver com confiança e alegria. E onde se torna presente de modo real esse maravilhoso intercâmbio, para que aja na nossa vida e a torne uma existência de verdadeiros filhos de Deus? Torna-se muito concreta na Eucaristia. Quando participamos da Santa Missa, apresentamos a Deus o que é nosso: o pão e o vinho, fruto da terra, para que ele os aceite e transforme, doando a Si mesmo e fazendo-se nosso alimento, a fim de que, recebendo seu corpo e sangue, participemos de sua vida divina.

Gostaria, enfim, de deter-me em outro aspecto do Natal. Quando o Anjo do Senhor apresenta-se aos pastores na noite do Nascimento de Jesus, o Evangelista Lucas escreve que “a glória do Senhor refulgiu ao redor deles” (2,9); e o prólogo do Evangelho de João fala do Verbo feito carne como da Luz verdadeira que vem ao mundo, a luz capaz de iluminar a cada homem (cf. Jo 1,9). A liturgia natalícia é permeada de luz. A vinda de Cristo dissipa as trevas do mundo, enche a Noite santa de fulgor celeste e difunde no rosto dos homens o esplendor de Deus Pai. Também hoje. Envoltos pela luz de cristo, somos convidados com insistência pela liturgia natalícia a iluminar nossa mente e coração por Deus, que mostrou o fulgor do seu Rosto. O primeiro Prefácio de Natal proclama: “No mistério do Verbo encarnado apareceu aos olhos da nossa mente a luz nova do teu fulgor, para que, conhecendo Deus visivelmente, por seu intermédio sejamos arrebatados pelo amor às realidades invisíveis”. No Mistério da Encarnação de Deus, após ter falado e intervindo na história mediante mensageiros e com sinais, “apareceu”, saiu de sua luz inacessível para iluminar o mundo.

Na Solenidade da Epifania, 6 de janeiro, que celebraremos dentro de poucos dias, a Igreja propõe um trecho muito significativo do Profetas Isaías: “De pé! Deixa-te iluminar! Chegou a tua luz! A glória do SENHOR te ilumina. Sim, a escuridão cobre a terra, as trevas cobrem os povos mas sobre ti brilha o SENHOR, sobre ti aparece sua glória. As nações caminharão à tua luz, os reis, ao brilho do teu esplendor” (60, 1-3). É um convite destinado à Igreja, a Comunidade de Cristo, mas também a cada um de nós, a tomar ainda mais viva consciência da missão e da responsabilidade diante do mundo em testemunhar e levar a luz nova do Evangelho. Ao início da Constituição Lumen Gentium do Concílio Vaticano II, encontramos as seguintes palavras: “A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura” (n. 1). O Evangelho é a luz a não se esconder, mas colocar sobre a mesa. A Igreja não é a luz, mas recebe a luz de Cristo, acolhe-a para ser por ela iluminada e para difundi-la em todo o seu esplendor. E isso deve acontecer também na nossa vida pessoal. Mais uma vez cito São Leão Magno, que disse na Noite Santa:”Reconhece, cristão, a tua dignidade e, tornado participante da natureza divina, não queira recair à condição miserável de outro tempo com uma conduta indigna. Recorda-te de quem é a tua Cabeça e de qual Corpo és membro. Recorda-te de que, arrancado do poder das trevas, fostes trazido à luz e ao Reino de Deus” (Sermone 1 sul Natale, 3,2: CCL 138,88).

Queridos irmãos e irmãs, o Natal é deter-se no contemplar daquele Menino, o Mistério de Deus que se faz homem na humildade e na pobreza, mas é, sobretudo, acolher novamente em nós mesmos aquele Menino, que é Cristo Senhor, para viver da sua mesma vida, para fazer sim que os seus sentimentos, os seus pensamentos, as suas ações, sejam os nossos sentimentos, os nossos pensamentos, as nossas ações. Celebrar o Natal é, portanto, manifestar a alegria, a novidade, a luz que esse Nascimento trouxe a toda a nossa existência, para sermos também nós portadores de alegria, da verdadeira novidade, da luz de Deus aos outros. Ainda a todos o desejo de um tempo natalício abençoado pela presença de Deus!




Ao final da Catequese, o Papa dirigiu-se aos peregrinos de língua portuguesa:

Queridos irmãos e irmãs,

É com grande alegria que vos recebo nesta primeira Audiência Geral do novo ano. Estamos no tempo litúrgico do Natal. Por isso, gostaria de tratar hoje de alguns temas particulares desta celebração. Primeiramente, do tema da alegria. De fato, a alegria é a primeira reação diante da extraordinária ação de Deus que se faz homem. Esta alegria nasce da admiração de ver que Deus age na história permitindo-nos contemplar o Seu rosto ao olhar para aquele menino humilde. Outro tema característico deste tempo é o chamado “admirável intercâmbio”, ou seja, que o Filho de Deus se fez homem para nos tornar filhos de Deus. Por fim, está o tema da luz. Com efeito, a liturgia natalina está toda permeada de luz: a vinda de Cristo dissipa as trevas do mundo, difundindo no rosto dos homens o esplendor de Deus Pai, convidando-nos a receber esta luz e levá-la aos demais.

Queridos peregrinos de língua portuguesa,

sede bem-vindos! O Natal é um convite a contemplar no Menino Jesus o Mistério de Deus que se faz homem na humildade e pobreza, e, sobretudo, a acolher em nós mesmos este Menino, que é o Cristo Senhor, para fazer com que os seus sentimentos, pensamentos e ações sejam também os nossos. Portanto, sede portadores da alegria, novidade e luz de Deus manifestadas no Natal. De todo o coração, desejo-vos um Ano Novo abençoado!

Fonte: Canção Nova

Boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé

(tradução de Leonardo Meira – equipe CN Notícias)

Veja as fotos da Missa da Epifania do Senhor na Paróquia São Francisco Xavier



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