“Daí-lhes vós mesmos de comer”
Liturgia da Missa – Reflexões para a Mesa da Palavra
Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo – Ano C
Jesus acolheu as multidões, falava-lhes sobre o Reino de Deus e curava todos os que precisavam. A tarde vinha chegando. Os doze apóstolos aproximaram-se de Jesus e disseram: ‘Despede a multidão, para que possa ir aos povoados e campos vizinhos procurar hospedagem e comida, pois estamos num lugar deserto.’ Mas Jesus disse: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer.’ Eles responderam:’Só temos cinco pães e dois peixes. A não ser que fôssemos comprar comida para toda essa gente.’ Estavam ali mais ou menos cinco mil homens. Mas Jesus disse aos discípulos: ‘Mandai o povo sentar-se em grupos de cinqüenta.’ Os discípulos assim fizeram, e todos se sentaram. Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, elevou os olhos para o céu, abençoou-os, partiu-os e os deu aos discípulos para distribuí-los à multidão. Todos comeram e ficaram satisfeitos. E ainda foram recolhidos doze cestos dos pedaços que sobraram. Lc 9, 11-17
Três inquietações enquanto celebramos o Corpo do Senhor:
1 – Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) a cada minuto doze crianças morrem de fome. Sim, é isto mesmo, se você gastou dois minutos para ler estes parágrafos até aqui, significa que 24 meninos e meninas tiveram os sonhos, os seus e os de seus pais, cortados pela morte.
2 – Há um livro de Alberto Hurtado, santo chileno, publicado nos anos 50 do Século XX que tem por título: É o Chile um país católico? O santo fazia tal questionamento diante da miséria e fome existentes em seu país. Enquanto isto acontecia, alardeava-se que o Chile (tal qual o Brasil à época) tinha mais de 90% da sua população que se declarava católica, quando indagada sobre qual era a sua religião. Obviamente que Hurtado teve problemas com o livro, inclusive tendo sido taxado de comunista.
3 – Outro homem de Deus, agora aqui no nosso país, Dom Helder Câmara, costumava dizer assim: “Quando arregimento as pessoas para que alimentemos os pobres me chamam de santo. Agora, quando pergunto a razão pela qual há tanta gente faminta e miserável, me taxam de comunista…”
Celebrando Corpus Christi me vem à mente estes dois santos profetas e as suas palavras provocadoras. Os discípulos, presos à sua zona de conforto, sabedores de que o Mestre lhes pouparia da resolução dos problemas, empurram para Ele a solução da questão que os preocupava.
Só não contavam com o modo todo peculiar de Jesus, de nos ensinar a solidariedade. O que Ele nos está a dizer, é que não basta pedir para que os céus nos resolvam as dificuldades da vida aqui na Terra. É preciso agir. “Daí-lhes vós mesmos de comer”, devolve-lhes assertivo o Mestre, reforçando sermos nós os responsáveis pelo provimento da comida para todos.
Celebramos uma festa linda e nela o que reparo de ainda mais bonito, é o fato da Igreja ter conseguido conciliar a religiosidade popular, inserindo-a na liturgia proposta para a celebração. É uma infinidade de gente simples, com grande criatividade, a nos propiciar em várias das nossas cidades, verdadeiras obras de arte, para que sobre elas o Senhor possa passar.
Celebramos uma festa de rara beleza, mas há que se ter os pés no chão, tal qual ficam os lindos tapetes. Por isto é preciso tomar um certo cuidado com esta bela festa. Há que se evitar o risco de se considerar Jesus comida, o Pão Eucarístico, como que limitado ao horizonte do ambiente eclesial. O perigo de nos alimentarmos do Senhor e entender ter sido o bastante. Fazermo-nos esquecidos de que a Eucaristia não se completa no Templo, mas na vida e nela há muita gente a ser atendida, cuidada.
Atenção também para não deixar que a Eucaristia se afaste daqueles que mais necessitam dela, os maiores pecadores. Nota-se em alguns lugares uma certa “eugenia” eucarística. Um pudor mais que excessivo com a Hóstia, o que costuma fazer com que os fiéis terminem se afastando dela. Acaba que Ela deixa de ser remédio para os fracos, tornando-se, apenas, uma espécie de tônico fortificante para os que já estão fortes (como se alguém dentro da Igreja o fosse).
Cuidado também para que a Eucaristia seja mais acolhedora. Como bem lembrava o Papa Francisco, há pouco tempo, somos pouco receptivos e aí cabe nos perguntarmos, se o “discurso” em tons ameaçadores professado nos microfones, antes da comunhão em muitas paróquias, não estaria inibindo corações mais escrupulosos a se aproximarem do Senhor?
Pensando bem, e isto veremos no Evangelho do oficial romano, do próximo domingo (Lc. 7, 1-10), nenhum de nós pode se considerar com dignidade para receber o Senhor. O que ocorre da parte de Deus é que a misericórdia dele é infinita e, mesmo assim, sabedor da nossa pequenez, Ele se oferece, sempre de braços abertos, a nos acolher.
Eucaristia é festa da comida abundante. Não é por acaso que o Evangelho escolhido pela Igreja para esta solenidade, vem nos falar do milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. Quando acolhemos o Senhor Eucarístico no coração, ele se faz mais largo e sua carne mais macia, para que nós mesmos possamos dar de comer aos famintos.
Pistas para ajudar a reflexão
– É o Brasil um país cristão?
– Como fazer a Eucaristia partilha em minha vida?
– Corpo e Sangue de Cristo me fazem mais solidário?