Deus capacita os escolhidos para a missão
Liturgia da Missa – Reflexões para a Mesa da Palavra
Solenidade de São Pedro e São Paulo
Chegando ao território de Cesaréia de Filipe, Jesus perguntou a seus discípulos: No dizer do povo, quem é o Filho do Homem? Responderam: Uns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros, Jeremias ou um dos profetas. Disse-lhes Jesus: E vós quem dizeis que eu sou? Simão Pedro respondeu: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo! Jesus então lhe disse: Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus. Mt. 16, 13-19
A fábrica estava quase pronta. Chegara a hora de recrutar as pessoas para dirigi-la. Numa pilha grande de currículos o patrão iria escolher os líderes maiores da organização. Havia muita gente boa, mas ele se encantara com dois perfis que nem tinham sido selecionados pelo pessoal de recursos humanos. Um havia sido pescador de um lago meio desconhecido. Na sua história era possível reparar que se tratava de homem impulsivo e levado a rompantes geradores de conflitos. Um comentário, de alguém que o conhecia bem, dizia ter fama de mentiroso. O outro currículo era ainda mais complicado. Tratava-se de um fanático religioso. Um perseguidor implacável de quem tinha outro credo. Os especialistas desaconselhavam aquelas contratações, mas o dono não lhes dava ouvidos. Ele acreditava por demais nas pessoas. Sabia que elas são criadas para o mais e que pela força do Amor são capazes de se transfigurar e realizar coisas incríveis.
Celebramos a festa de dois grandes líderes da Igreja. Foram homens de importância fundamental para a fixação e divulgação da fé cristã. O primeiro recebeu a missão de liderar e cuidar da organização da instituição e o outro saiu célere, mundo afora, para levar a boa nova a todos os cantos da civilização conhecida de então.
Fossem usados critérios humanos, com toda certeza que os dois não teriam sido “nomeados” para tão importantes missões. Diferentes parâmetros teriam sido considerados e a vida pregressa de um e outro não oferecia muitos indicadores de sucesso no trabalho.
Mas que bom que não somos nós quem indicamos os profetas, apóstolos e discípulos missionários. Sempre é Ele quem os escolhe e o Senhor nunca se cansa de acreditar no ser humano. A vida passada e os problemas acontecidos não lhe interessam. Deus só sabe olhar para frente. Ele acredita que é lá no futuro que cada um dos seus filhos irá demonstrar a sua potencialidade.
Homens, como todos os demais, com falhas e defeitos, mas com um coração imenso para acolher, com entusiasmo contagiante, o trabalho ao qual estavam sendo convocados, de fixação e difusão da Igreja. Interessante reparar que além do currículo pouco animador aos nossos olhos, eles eram seres humanos muito diferentes entre si.
Um era do círculo dos amigos de Jesus, tento convivido por três anos diariamente com Ele. Homem rude e simples. O segundo, ao contrário, só veio a conhecer o Senhor, a quem seguiria com tanta motivação e empenho, já depois da ressurreição. Homem culto e refinado. As missões também que recebem e que são bastante distintas: um deve fixar-se e o outro está sempre fazendo as malas para viajar.
Pedro permanece em Roma, a cidade mais importante do mundo naquela época, para servir à Igreja. Nela tem dois grandes serviços. O de liderar a organização institucional da fé e também de abrir as portas acolhendo os filhos e fechando-as para que não a invadissem os que a queriam perseguir, ou criar divisões. Na organização da Igreja Pedro se torna o servidor dos servidores e seguidores do Cristo.
Paulo, ao contrário, sai pelo mundo. É o grande peregrino da fé. Impressionante ver no mapa o tanto de lugares por ele visitados na missão. Mesmo levando-se em consideração os meios que temos hoje, os caminhos do apóstolo, através dos quais ele levou a fé a tanta gente, continuam sendo causadores de espanto.
Paradoxalmente, Paulo, aquele que antes de conhecer a Jesus era totalmente radical quanto à religião, vai se tornando mais aberto e acolhedor. Pedro, mesmo tendo convivido com Jesus, aquele que não tinha nenhum preconceito e acolhia a todos, sente dificuldades com os diferentes.
Tal fato vem nos demonstrar que, a priori, não se está pronto para a missão. Deus capacita seus escolhidos, diz uma expressão bem verdadeira e muito repetida nas comunidades. É no serviço que a gente vai se tornando competente na vocação.
Mas tal capacitação só se dará verdadeiramente quando nos colocamos disponíveis para acolher o Senhor. Será nele e com Ele que realizaremos aquilo para o qual somos chamados e até mais ainda, eis que na verdade somos capazes de realizar obras que nem mesmo imaginamos.
Houve tensão entre eles, os líderes, e com toda certeza essa crise acabava se irradiando pela Igreja. A tensão faz parte do processo criativo. Não há desenvolvimento quando tudo está parado e frio. É preciso o calor e o debate entre as ideias, para que se possa crescer. Hoje também vivemos tensões na Igreja. Olhando para Roma e de lá se ampliando a visão para o mundo, nessa celebração que é também do Papa, iremos ver a complexidade imensa que se tornou o governo da Igreja.
O mundo pós-moderno é bem mais complicado do que aquele no qual Pedro e Paulo viviam. Nosso pastor, Francisco, se vê às voltas com problemas inimagináveis àquela época. É preciso rezar pelo Papa. Rezar pela Igreja toda, o que significa também por nós ordenados e não ordenados. Rezar para que continuemos abertos às intuições do Concílio Vaticano II para uma Igreja mais aberta e colegiada.
Por último, uma breve reflexão sobre a nossa crença nas pessoas e na sua capacidade de mudança e de superação. Costumamos ser bem duros com as pessoas que erraram. Vale aqui se perguntar o que teria acontecido, caso houvesse sido conosco as mentiras de um e as perseguições de outro?
Vendo a vida de Pedro e Paulo parece-me que há aí um convite para que olhemos também para as histórias daqueles que cometeram erros e que os punimos enquanto sociedade. Que sejamos capazes de acreditar que podem se transformar e fazer diferente, podendo assim serem de novo inseridos em nosso meio.
Pistas para reflexão durante a semana:
– De que maneiras posso ajudar na acolhida daqueles que erraram?
– Como Pedro e Paulo, também tenho clareza da minha missão na Igreja?
– Rezo pelo Papa e pela Igreja?