Economia da Vida: a proposta do Conselho Mundial de Igrejas

Publicado em 30/01/2013 | Categoria: Notícias |


 

“Mecanismos regulatórios não devem ser uma forma de opressão ou intervenção do Estado, mas uma baliza ética essencial na garantia da justiça”, adverte o teólogo.

 



O trinômio riqueza, pobreza e ecologia tem guiado as reflexões recentes do Conselho Mundial de Igrejas – CMI diante da conjuntura mundial, na busca pela justiça econômica. Com a proposta de pensar uma alternativa à economia e aos impactos sociais gerados pela má distribuição de riquezas, a Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas – CMIR, em parceria com o Conselho Mundial de Igrejas – CMI e Conselho para Missão Mundial – CMM, economistas e ativistas de vários países do mundo, elaborou a “Declaração de São Paulo”, intitulada Transformação Financeira Internacional para uma Economia da Vida. A declaração foi entregue ao governo boliviano na semana passada e será entregue aos demais chefes de Estado da América Latina.

Em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, o teólogo Marcelo Schneider esclarece que “além de uma análise estrutural, o documento traz uma série recomendações concretas que visam a transformação do sistema econômico e financeiro atual”. Entre elas, ele menciona a proposta de uma “reforma tributária que englobe uma política de impostos progressivos capaz de fazer com que indivíduos e empresas que acumulam quantias exorbitantes sejam levados a um maior comprometimento com as sociedades onde vivem. A Declaração ainda pede a adoção de indicadores econômicos alternativos, que englobem categorias como o bem-estar das pessoas e o impacto ambiental, a garantia de acesso a serviços bancários básicos por parte dos setores marginalizados das sociedades, uma regulamentação mais efetiva do setor bancário”.

Marcelo Schneider é doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia – EST, São Leopoldo, com tese intitulada Em busca de uma ética social ecumênica. A discussão no Conselho Mundial de Igrejas em perspectiva e práxis Latino-Americanas (2005). Também é assessor do moderador do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas e correspondente para América Latina do departamento de Comunicação do CMI. Além de membro da coordenação do Fórum Ecumênico Brasil e do grupo de comunicadores de ACT Aliança (Acting by Churches Together), já atuou como coordenador de comunicação e logística do escritório local da 9ª Assembleia do CMI (2005-2006).

Confira a entrevista especial com Marcelo Schneider


IHU On-Line – Como, por quem, e em que momento foi redigida a “Declaração de São Paulo”, intitulada Transformação Financeira Internacional para uma Economia da Vida?

Marcelo Schneider – O documento é fruto de uma conferência organizada pela Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas – CMIR, em parceria com o Conselho Mundial de Igrejas – CMI e Conselho para Missão Mundial – CMM. O encontro reuniu cerca de 80 economistas, ativistas e líderes de igrejas de todos os continentes, entre 29 de setembro e 5 de outubro de 2012, em Guarulhos, São Paulo.

No entanto, o evento não é um episódio isolado e tampouco representa a primeira iniciativa ecumênica em torno do tema da economia. O movimento ecumênico esteve criticamente envolvido em questões de justiça econômica e social desde a sua criação.

O termo “economia da vida” foi forjado ao longo de um processo promovido pelo CMI chamado de Alternative Globalization Addressing Peoples and Earth – AGAPE (Globalização Alternativa direcionada aos Povos e à Terra), que, por quase uma década, dedicou-se a disgnosticar as causas que perpetravam estruturas econômicas injustas, inserir-se em processos de debate da sociedade civil sobre este tema, como o Fórum Social Mundial, abrir frentes de diálogo com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, e encorajar os membros das igrejas a buscarem mais informações sobre o problema e engajarem-se na luta por justiça. À medida que o processo se desenvolvia, com conusltas regionais ao redor do mundo, tornou-se clara a ligação que existe entre riqueza, pobreza e ecologia. Este trinômio tem guiado as reflexões recentes do CMI em torno do tema da justiça econômica e foi através dele que a crescente preocupação com o impacto da economia na natureza se tornou um item crucial da agenda.

IHU On-Line – Quais são as principais propostas da Declaração, especialmente no que se

refere ao debate econômico e ecológico?

Marcelo Schneider – Além de uma análise estrutural, o documento traz uma série recomendações concretas que visam a transformação do sistema econômico e financeiro atual. Entre as propostas está a de uma reforma tributária que englobe uma política de impostos progressivos capaz de fazer com que indivíduos e empresas que acumulam quantias exorbitantes sejam levados a um maior comprometimento com as sociedades onde vivem. A Declaração ainda pede a adoção de indicadores econômicos alternativos, que englobem categorias como o bem-estar das pessoas e o impacto ambiental, a garantia de acesso a serviços bancários básicos por parte dos setores marginalizados das sociedades, uma regulamentação mais efetiva do setor bancário, e a proposta de criação de um Conselho de Segurança Econômica, Social e Ecológica na ONU.

IHU On-Line – Na semana passada a Declaração foi entregue ao Ministro da Casa Civil da Bolívia, Juan Ramón de la Quintana. Qual a postura e acolhida do governo boliviano acerca do documento? Que papel o governo boliviano pode ter na discussão acerca do desenvolvimento?

Marcelo Schneider – O Pastor luterano brasileiro Walter Altmann, moderador do Comitê Central do CMI, que chefiou a delegação ecumênica naquela ocasião e responsável pela entrega do documento, foi extremamente bem recebido tanto no palácio do governo, pelo Ministro da Casa Civil, como na chancelaria, pelo vice-ministro para assuntos inter-religiosos. A Bolívia tem desempenhado um papel muito importante no debate e encaminhamento de resoluções nas Nações Unidas (ONU) acerca do tema do desenvolvimento, principalmente no que tange à questão da água.

Graças ao minucioso e incansável trabalho de diplomatas bolivianos, por exemplo, é que a Assembleia da ONU, em 2010, aprovou a resolução que declara a água como direito humano fundamental. A visita ao governo boliviano, portanto, foi peça importante neste plano estratégico que busca consolidar e encaminhar as reflexões ecumênicas em esferas onde elas possam influenciar, de forma mais direta, os processos decisórios internacionais tanto na sociedade civil quanto junto aos governos.

Percebemos interesse por parte dos membros do governo boliviano em relação ao conteúdo da declaração. Temas como a necessidade de mecanismos globais de controle da especulação financeira, a proposta de criação de um Conselho de Segurança Econômica, Social e Ecológica na ONU, e o reconhecimento e alerta acerca do impacto ecológico negativo de estruturas econômicas injustas vigentes estiveram na pauta das conversas com os governantes que, por sua vez, manifestaram interesse em adotar o documento como um subsídio complementar aos seus diálogos com a sociedade civil daquele país.

IHU On-Line – Que outros chefes de Estado já receberam a declaração e ainda irão recebê-la? Qual a expectativa ao entregar essa Declaração a eles?

Marcelo Schneider – Em outubro de 2012, poucas semanas depois da publicação do documento, aproveitamos a presença de algumas lideranças ecumênicas latino-americanas reunidas em Buenos Aires para encaminharmos um pedido de audiência na chancelaria argentina. Na ocasião, o bispo anglicano panamenho Julio Murray, presidente do Conselho Latino-Americano de Igrejas – CLAI, chefiou a delegação e o documento foi entregue ao vice-ministro para assuntos religiosos do Ministério de Relações Exteriores da Argentina. De acordo com a estratégia regional de incidência em torno do conteúdo da declaração, depois de Argentina e Bolívia, estamos encaminhando o mesmo pedido aos governos do Peru e do Brasil. Obviamente, novas frentes irão se abrir e a lista deve aumentar ao longo do ano. Esperamos que iniciativas assim motivem organismos regionais de outras partes do mundo a fazerem o mesmo, além do próprio CMI.

Como já afirmei acima, nossa expectativa neste processo é fazer com que nossas reflexões atinjam esferas decisórias mais diretas, tanto na sociedade civil como nos governos. Nos anos 1970 e 1980, o CMI e o movimento ecumênico em geral, desfrutavam de bandeiras mais claras e desempenhavam um papel de peso em diversas áreas da ética social, como a luta contra o Apartheid, na África do Sul, por exemplo. Ao longo dos anos 1990 e da primeira década do novo século, como consequência mais triste de nossa própria busca por contextualização e identidade, fomos perdendo envergadura e deixamos de participar de processos mais diretos, ficando relegados a uma espécie de gueto profético que, ainda que seguisse fiel à causa por justiça, parecia ter perdido o momento histórico e deixado de tomar este ou aquele caminho. Por isso, é importante retomar a caminhada nos espaços onde estes temas estão sendo debatidos de forma mais ampla.

IHU On-Line – O documento também será entregue à presidente Dilma? Qual a contribuição do Brasil nesse debate?

Marcelo Schneider – Em 2011, o CMI reabriu um canal importante de diálogo com o governo brasileiro graças ao projeto Brasil: Nunca Mais! Digit@al. Uma parte dos registros de abusos da ditadura militar estava salvaguardada nos arquivos do CMI, em Genebra, Suíça. Durante ato público realizado em junho de 2011, em São Paulo, cópias destes documentos foram entregues ao Procurador-Geral da República e isto ajudou a resgatar a imagem pública do CMI como um aliado

histórico consistente na defesa dos Direitos Humanos na América Latina. Como fruto deste processo, o moderador do Comitê Central do CMI, Walter Altmann, inaugurou uma nova frente de diálogo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Uma proposta de acordo bilateral de cooperação entre o CMI e o governo brasileiro na área de direitos humanos está em fase de elaboração. Tudo isto facilita muito o caminho para que se consiga um momento para fazer a “Declaração de São Paulo” chegar às mãos da Presidenta Dilma. O Brasil é, atualmente, considerado um país em ascensão por grande parte da comunidade internacional. Estrategicamente, seria de grande valia se as colocações ecumênicas em torno do tema da economia global chegassem ao governo brasileiro.

IHU On-LineQuais são os maiores desafios econômicos considerando a conjuntura econômica e ecológica do mundo hoje?

Marcelo Schneider – O maior desafio é conter a ganância e buscar meios de partilha das riquezas existentes. O conceito da “linha da pobreza” está amplamente difundido e, muitas vezes, serve para comover a comunidade internacional em relação a este ou aquele contexto onde pessoas vivem em absoluta miséria. Mas é preciso que se fale também de uma “linha da riqueza”. Qual o limite da ganância? Até que número é digno que um indivíduo ou uma empresa acumule riqueza? Até onde se pode ser rico sem assumir nenhum tipo de compromisso com as outras pessoas?

A especulação financeira foi a grande responsável pela grande crise de 2008. Esta crise foi causada por uma frouxidão calculada de alguns governos que, em nome de uma agenda de prosperidade a todo custo, deixaram os banqueiros agirem de forma desenfreada. Mecanismos regulatórios não devem ser uma forma de opressão ou intervenção do Estado, mas uma baliza ética essencial na garantia da justiça.

Se, por um lado, é preciso resguardar o direito que cada pessoa tem de ter uma boa ideia, implementá-la e obter lucro com isso, por outro lado, temos que encontrar formas de tornar o acesso à riqueza menos excludente e, principalmente, fazer com que os pobres tenham acesso a recursos e reencontrem uma vida digna.

Em meio a tudo isso, ou melhor, em cima, em baixo e no meio de tudo isso, está a natureza. As recentes conferências da ONU sobre mudanças climáticas (COPs) e aquela dedicada ao desenvolvimento sustentável (UNCSD, Rio+20) foram enfáticas em mostrar o inexorável impacto negativo do sistema econômico global em voga, que ignora completamente a finitude dos recursos naturais existentes, o tempo que a natureza precisa para renovar-se e a necessidade urgente de medidas que contenham a poluição das fontes naturais e que impeçam a mercantilização da vida em todas as suas formas. Tão importante quanto dar voz e vez aos excluídos e conter a ganância dos bilionários é perceber que a natureza pede socorro e que esta ajuda só pode sair de nossas mãos.

IHU On-Line – Como as Igrejas vêm a proposta de Sumak Kawsay? Como esse modo de vida tem sido discutido pelo Conselho Mundial de Igrejas?

Marcelo Schneider – Na reunião com o governo boliviano, utilizamos o Sumak Kawsay por este conceito ter sido forjado naquela região, através daquela espiritualidade. O conceito quéchua de Sumak Kawsay (bem viver) é muito mais abrangente do que a noção de desenvolvimento que vem sendo trabalhada em diversas frentes de cooperação e ajuda humanitária. No âmbito ecumênico, encontramos experiências e saberes que enriquecem muito a reflexão teológica e inspiram ações de incidência, como o Ubuntu, na África e Sansaeng, na Coreia. Por ser um espaço de encontro da comunidade cristã global, o CMI absorve estes conceitos e os toma como inspiração e referência na busca da contextualização da causa por justiça inspirada no Evangelho.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Marcelo Schneider – Curta a página do Conselho Mundial de Igrejas no Facebook e fique por dentro de notícias, fotos, vídeos e iniciativas ecumênicas ao redor do mundo: www.facebook.com/worldcouncilofchurches

Fonte: Unisinos



Uma resposta para “Economia da Vida: a proposta do Conselho Mundial de Igrejas”

  1. HILARIO DO CARMO SEVERIANO disse:

    EU GOSTEI DE SABER QUE EXISTE ESTE CONSELHO MUNDIAL DAS IGREJAS ONDE TEMOS A ONU AUTORIDADES MUNDIAS FMI BANCO MUNDIAL SE FALA DA ERCONOMIA GLOBAL DISTRIBUIÇÃO DE RENDA MOSTRA QUE IGREJAS OS TEMPLOS PRESCISA FAZ PARTE DA ECONOMIA GLOBAL.

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