Em busca de uma economia fraterna
Em 1991, a italiana Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares visitou o Brasil. Espantada com os bolsões de desigualdade social, começou a refletir sobre os motivos pelos quais a cidade de São Paulo abrigava, lado a lado, a extrema riqueza e a extrema pobreza. Como uma cidade com imensos e luxuosos arranha-céus, convivia com favelas vizinhas e com os indigentes habitando as calçadas dos prédios?
Impelida pela urgência de viabilizar alimentação, moradia, tratamento médico e, se possível trabalho para os pobres e inspirada pela recém-publicada Encíclica Centesimus Annus, de João Paulo II, que lançava luz sobre a questão operária e mercadológica, Chiara Lubich pensou na “Economia de Comunhão” (EdC).
Esse projeto, voltado para o meio empresarial, tem três esferas: ajudar os que se encontram em necessidade, oferecendo-lhes condições de melhoria de vida e possibilidade de emprego; incrementar os ganhos das empresas; e, por fim, desenvolver as estruturas, visando a formação interpessoal das pessoas, construindo o que Chiara denomina “homens novos”, porque sem eles não se faz uma sociedade nova.
Os sujeitos produtivos da Economia de Comunhão (empresários, trabalhadores, até mesmo clientes e fornecedores, e demais agentes empresariais) buscam inspiração em princípios fundamentados numa cultura diferente da prática e da teoria econômica vigente. Essa cultura pode ser definida como “cultura do dar”, em antítese à “cultura do ter”.
Empresas, empresários e funcionários
Os empresários que aderem à Economia de Comunhão formulam estratégias, objetivos e planos empresariais, tendo como critério a gestão ética e buscando envolver no trabalho os membros da empresa. Realizam investimentos com prudência, mas dão particular atenção à criação de novas atividades e postos de trabalho.
O ser humano, e não o capital, está no centro da empresa. As capacidades e habilidades de cada funcionário são valorizadas da melhor forma possível pelos gestores da empresa, que procuram ainda estimular a criatividade, a responsabilidade e a participação na definição e na realização dos objetivos empresariais. Os funcionários que passam por dificuldades financeiras ou mesmo problemas pessoais recebem atenção especial.
A empresa é administrada de modo a destinar os lucros em três partes: para o desenvolvimento da empresa; para as pessoas em dificuldades financeiras, iniciando por quem compartilha a opção pela “cultura do dar”; e para a difusão dessa cultura.
Marcelino Vaz participou ativamente durante dois anos dessa realidade. Ele foi funcionário de uma marcenaria em São Paulo e ressalta que o tratamento dispensado aos trabalhadores é diferente, com respeito e, por conta desse aspecto, a produtividade é elevada.
Dentro dessa expectativa está a Campo Fertile Delicatessen, uma empresa dos paranaenses Marcos e Inês Gugel, que nasceu em Recife, e que já faturou dois prêmios para Micro e Pequenas Empresas do Sebrae, pela inovação e pela responsabilidade social.
Inês Gugel conta que a empresa auxilia muitos jovens em situação de vulnerabilidade social. “Não nos vangloriamos por ter iniciado nossa empresa em uma favela. Somos empresários como quaisquer outros, procuramos ser gestores competentes e formar cidadãos comprometidos e multifuncionais para um mercado cada vez mais exigente”, explica.
Segundo a proprietária, o trabalho social é fruto basicamente do compromisso como cristãos e cidadãos, não um meio de se fazer negócio. “Deus não se deixa vencer em generosidade, a Campo Fertile ano passado cresceu cerca de 25%, bem acima da média nacional referente ao setor de panificação. Os lucros ou a queda destes, não têm correlação com o trabalho social, os lucros aumentam ou diminuem apenas por uma razão: competência nos controles, rigidez na redução dos desperdícios, consciência dos colaboradores”, completa.
Na Fazenda da Esperança, uma economia que restaura vidas
Em 1983 um jovem sem pretender nada, a não ser colocar em prática o Evangelho, aproximou-se de uma boca de fumo. Depois de um tempo de relacionamento, um dos jovens ligados àquele ambiente pediu-lhe ajuda para mudar de vida.
Esses dois jovens foram a origem e a inspiração do grupo que deu início à Fazenda da Esperança. Este primeiro grupo de jovens voluntários e recuperandos tomaram a decisão de colocar todos os seus bens em comum e fizeram um pacto de sustentarem aquela primeira casa com os resultados obtidos do suor do trabalho de cada um.
Depois de 30 anos, a missão continua a mesma: colocar em prática o Evangelho e refazer o conceito de existência por meio do suor no trabalho dos mais de três mil homens e mulheres (sobretudo jovens), em 88 Fazendas da Esperança espalhadas por mais de dez países.
Atualmente os jovens que se recuperam são responsáveis pelo cultivo, distribuição e venda de produtos orgânicos, ou seja, livres de agrotóxicos. Tudo o que é utilizado para a produção, desde a muda, é feito com métodos que não agridem o meio ambiente, sem intervenção química, o que torna o produto saudável e mais rico em nutrientes.
De acordo com o assessor de imprensa da Fazenda, Maurício Araújo, em cada unidade da instituição o trabalho acontece de forma diferente. Em Coroatá (MA), a unidade produz acerola. Os jovens em recuperação são responsáveis pelo cuidado da planta desde o plantio, adubação e outros cuidados como poda; já a venda é feita por um jovem membro da Família da Esperança que conseguiu uma parceria na Europa, para onde as frutas são enviadas ainda verdes para a produção de vitamina C.
Em outras regiões, ocorre o plantio da Aloe Vera, conhecida popularmente por babosa. Os jovens fazem a seleção da muda, o preparo do campo, o plantio, a conservação (capina do mato), a extração da folhas e o preparo do bem manufaturado para o próprio consumo. A Fazenda da Esperança utiliza a planta como aliada no processo de desintoxicação dos jovens dependentes químicos.
Além de auxiliar nas despesas de manutenção da instituição, essas atividades ajudam a maioria dos jovens a descobrirem um potencial até então obscurecido pelo uso de entorpecentes. “A maioria dos jovens nunca desenvolveram uma atividade e os que trabalhavam anteriormente já haviam perdido o trabalho em consequência da drogadicção. Ter os horários bem definidos e a responsabilidade diária do trabalho possibilita ao jovens uma boa auto-estima, porque descobrem que podem se auto-sustentar”, destaca Maurício Araújo.
Jeferson Alves Rosa Junior (17), que há nove meses está na Fazenda da Esperança em Nanuque (MG), tem experimentado a palavra do Evangelho por meio do trabalho. “Estava trabalhando na plantação da babosa e o coordenador me pediu para capinar a plantação, muito rápido e bem feito. Porém, a minha vontade era de largar tudo e ir embora para casa, mas por causa da Palavra eu fiquei, fiz bem feita minha parte, dessa forma o dia foi mais produtivo e me deu uma alegria muito grande que nunca senti antes”, se alegra.
Segundo o assessor, essa atividade também beneficia a comunidade local, que encontra nos alimentos orgânicos uma fonte de renda. Esse é o caso de Maria Luiza de Sousa Santos (66), que vive em Croatá (CE).
Há 22 anos, ela foi convidada pela Fazenda das Esperança a ajudar no “projeto das acerolas” e foi com esse trabalho que conseguiu sustentar os filhos e educar seus netos. “Sou feliz e grata a Deus pelo que faço. Tenho o costume de dizer que nasci para catar acerola e pescar, pois pesco muito bem também”, brinca.
A coordenadora do projeto de orgânicos, Priscila Uchoas, conta que o consumidor além de adquirir um produto de qualidade, ajuda na construção de uma sociedade melhor, tanto na preservação do meio ambiente, como na restauração dos jovens. “O consumidor tem a certeza que esta consumindo um alimento que não agredirá sua saúde; ao contrário, estará fazendo um bem para ela, além de estar contribuindo com a preservação ambiental”, frisa.
Fonte: CNBB