Escolas de Esperança
Foi et Joie (Fé e Alegria)
Algo novo está acontecendo no Chade e no Haiti —na realidade algo milagroso— e os professores francófones que se desempenham no terceiro mundo estão começando a perceber isso. Há pouco tempo, os jesuítas em Mongo, Chade e em Porto Príncipe no Haiti criaram os colégios Foi et Joie (Fé e Alegria), depois de terem se afiliado formalmente a Fé e Alegria, um sistema internacional de educação, procedente de Caracas, Venezuela. As palavras têm o mesmo significado em francês e em espanhol.
Em Mongo, uma cidade de 20.000 habitantes no centro do Chade, em qualquer dia da semana bem antes das 7 da manhã, pequenos grupos de estudantes —meninos vestidos informalmente com calças pretas e camisa branca, e meninas usando longas túnicas brancas e lenços negros na cabeça— caminham lentamente para a escola local. À medida que vão cruzando as ruas principais do lugar, quase desaparecem de vista devido às nuvens de poeira. Eles aceitam este meio ambiente como normal. Durante a temporada de seca nesta parte do Chade, que vai de novembro a junho, a água é extremamente escassa. Quando a seca é extrema pode-se encontrar esqueletos de gado, totalmente brancos jogados nos campos ressecos. Os redemoinhos de poeira estão por todas as partes, elevando-se pelo ar, são causados principalmente por ônibus de passageiros e caminhões carregados que passam em alta velocidade.
Se os estudantes em Mongo aprendem a sobreviver no complicado meio ambiente das regiões subsaarianas, os de Porto Príncipe têm a desalentadora tarefa de passar pelos restos das catedrais católicas que ainda estão derrubadas, como se nada tivesse sido feito nos últimos dois anos. Vila Manrèse, uma imponente casa de repouso construída pelos jesuítas da qual o antigo ditador François Duvalier (“Papa Doc”) apoderou-se quando expulsou 18 jesuítas em 1964, por promover temas de fé e justiça, agora parece um grande estacionamento de veículos, vazio; não resta pedra sobre pedra!
Enquanto os refugiados haitianos continuam morando em acampamentos improvisados e malcheirosos, que ocupam toda a cidade, e onde é fácil contrair cólera, eles não veem o progresso estrutural nem as mudanças sociais que deveriam ser feitas com urgência. Depois do terremoto chegou muitíssima ajuda financeira ao Haiti, mas é difícil fazer um seguimento detalhadamente do dinheiro. Por exemplo, antes do Natal de 2011, o Clinton Bush Haiti Fund concedeu um subsídio de US$ 914.000 a Quisqueya, uma universidade praticamente nova de Porto Príncipe, para o desenvolvimento atual e futuro de líderes empresariais. Este fundo estima que US$5,5 se perdeu no setor privado. Os Estados Unidos gastaram US$ 1,1 bilhão em assistência pós-terremoto imediata, segundo uma nota da Associated Press (29 de setembro, 2010), no entanto, nem um só centavo dos US$ 1,15 bilhão prometido em março de 2010 pelos Estados Unidos para reconstrução, chegara a Porto Príncipe no momento em que o artigo para a AP foi escrito. E menos de 15% dos compromissos de outros 50 países para a reconstrução (US$ 686 milhões de quase US$ 8,75 bilhões comprometidos para 2010-11) tinha chegado. Portanto, devemos fazer a pergunta do milhão: Quais são as prioridades a serem fixadas, para provocar uma transformação da paisagem haitiana e da mentalidade de seu povo?
EDUCAÇÃO MEDIANTE NOTAS E MEMÓRIA
Segundo Paul Farmer, médico e diretor do Departamento de Saúde Global e Medicina Social da Escola de Medicina de Harvard, em seu livro Haiti After the Earthquake (2011) “O capital humano sempre foi o principal capital do Haiti, e a primeira prioridade era conseguir levar os meninos e os jovens a colégios seguros que oferecessem pedagogia moderna”.
Os meninos do Haiti sabem muito bem sobre a importância da educação. No entanto, aqueles que não vão ao colégio ocupam os dias numa tarefa simples e quase própria de um robô: copiar diligentemente em seus cadernos frases e números escritos num quadro. Mais tarde, eles aprenderão de cor o que escreveram enquanto ainda tiver luz de dia. Tanto no Haiti como no Chade, a pedagogia não mudou por anos, parte de uma forma de vida firmemente enraizada em muitos colégios: os alunos chegam às aulas, o professor escreve as lições no quadro, e os alunos se deslocam e se dobram para ver o que este escreveu. Raramente se espera ou se demanda criatividade. Os sinais de sucesso na escola são cadernos cheios e caligrafia bem feita.
O que com frequência se esquece de que os alunos do Haiti e do Chade têm nome, vêm de famílias específicas e querem muito adquirir o melhor que suas culturas e sociedades possam oferecer —especialmente educação que os torne competitivos no lugar e no país, e se Deus quiser, internacionalmente também—. Alguns colégios mantidos por ordens religiosas, como o exemplar colégio São Luís Gonzaga, administrado pelos Irmãos da Instrução Cristã de Porto Príncipe; e o colégio jesuíta Charles Lwanga em Sarh, no Chade, foram inovadores em tomaram a dianteira. Mas constituem exceção. Há muito tempo que o sistema educacional geral de ambos países requer inovação na pedagogia. Esta tarefa apresenta obstáculos linguísticos para populações cujos idiomas oficiais são uma infinidade de dialetos locais, além do francês-árabe no Chade ou a língua creole no Haiti.
Os jesuítas do Chade e do Haiti e suas contrapartes laicas estão convencidos de que as sementes plantadas em 1955 por José Maria Vélaz, S.J., professor da Universidade Católica Andrés Bello e seu amigo Abraham Reyes, que transformou sua própria casa num colégio para os pobres, obtiveram resultados notáveis na América Latina, Espanha e ultimamente no Chade e no Haiti. Depois de percorrer a favela Gato Negro, em Catia, perto de Caracas, o padre Vélaz e José Reyes perceberam o vínculo fundamental que existe entre pobreza e falta de educação e decidiram fazer algo a esse respeito. Inspirados nas aldeias jesuítas do século 17 no Paraguai, denominadas reduções, e pelos dedicados esforços de seus próprios estudantes universitários, o padre Vélaz avançou com audácia e velocidade. Nos anos 60 abriram colégios Fé e Alegria no Equador, Panamá, Peru e na Bolívia, antes de se estenderem em outros países.
Hoje em dia Fé e Alegria inclui pelo menos 1.200 colégios, 2.400 centros educacionais para segmentos específicos e 946.600 alunos em 19 países. O credo de Fé e Alegria se baseia numa pedagogia educativa e filosófica firme e sólida: construir uma sociedade educada mediante a participação dos envolvidos como sócios ativos na construção de um programa acadêmico que dá conta tanto da fé no desejo de Deus de ajudar as pessoas, como da fé que todos precisamos ter no próximo para promover o reino de Deus na terra.
Fé e Alegria/ Foi et Joie se baseia na certeza de que um sistema educativo cristão, que deve enfrentar inúmeras injustiças sociais e políticas, pode ser uma parte importante dos esforços da Igreja em construir um mundo mais justo e em paz. A visão de Santo Ignácio de Loyola —especialmente a preocupação pelos alunos (em latim cura personalis)— alimenta todas as dimensões deste programa.
APLICANDO A VISÃO
Embora as escolas Fé e Alegria estejam organizadas e sejam de natureza particular, tanto no Chade como no Haiti elas têm reconhecimento legal e são promovidas pelos departamentos de educação locais nos lugares onde funcionam. Depois de uns poucos anos, já existem 25 escolas primárias Fé e Alegria nas áreas rurais de Mongo e na vizinha Bitkine. Cada colégio, desenhado para atender aproximadamente 180 alunos, tem vários edifícios, incluindo salas de aula, uma biblioteca, uma cozinha administrada pelos pais dos alunos e um lugar para armazenar material educativo e grãos, assim como também instalações independentes onde se encontram os banheiros e as pias. Em todos os casos os alunos têm acesso à água. O governo do Chade simplesmente não está em condições de prover este tipo de educação personalizada para os 80.000 alunos de educação primária na área de Mongo. No entanto, é de esperar-se que o governo veja que o planejamento cuidadoso de Fé e Alegria e suas inovações também podem ser aplicados em suas escolas.
Parte da rotina dos professores das escolas Fé e Alegria consiste em se submeterem a uma capacitação supervisionada, às vezes por pessoal que vem de fora. Em novembro e dezembro de 2010, por exemplo, Beatriz Borjas, uma importante figura da educação venezuelana, passou dois meses assessorando a equipe de Fé e Alegria no Chade e assistindo às reuniões com professores em sessões plenárias, como também visitando as escolas de Fé e Alegria de maneira individual. Do mesmo modo, Anne Minguet, R.C.E., visitou Mongo em três oportunidades desde 2007. A longa experiência em educação destas duas dedicadas religiosas que trabalham com Fé e Alegria é garantia suficiente para que as escolas Fé e Alegria do Chade cumpram com os padrões internacionais.
Uma das principais razões pelas quais o projeto “Fé e Alegria” cresceu com tal rapidez é que os pais estão envolvidos em importantes aspectos do funcionamento das escolas. No Chade, os pais além de contribuírem com as pedras, também as carregaram, para construir seis edifícios, mas sob supervisão, eles mesmos trabalharam nas pedras deixando-as do tamanho necessário. Os pais depois ajudaram na construção de cada edifício. No Haiti, especialmente no novo colégio Fé e Alegria em Balem, não longe de Porto Príncipe e perto da fronteira dominicana, os pais estão envolvidos na construção e manutenção de uma série de tanques de água em Babaco. Um sistema subterrâneo de tubulações de duas milhas de longitude permite que os alunos tenham acesso à água de uma fonte livre de bactérias. Apesar de que muitos destes pais jamais tenham ido à escola, reconhecem o valor do trabalho que realizam voluntariamente.
As formas inovadoras de participação têm outro efeito muito claro: os alunos podem perceber o resultado do trabalho de seus pais —que às vezes efetuam sob um sol inclemente— e estão conscientes de que sua escola lhes proporciona os valores que precisam para ter sucesso na vida. Com esse nível de compromisso, os pais e os alunos não podem senão sentir-se orgulhosos de seu colégio Fé e Alegria. Não é preciso muito mais para perceber que uma escola Fé e Alegria é mais que um projeto educativo comunitário, já que sua influência abrange milhares de indivíduos anualmente. À medida que estas escolas amadurecem e desenvolvem programas sustentáveis, elas podem comunicar-se com outras escolas que precisam de orientação e um guia pedagógico.
Um grupo de acadêmicos, administradores e outro pessoal da Universidade Saint Joseph na Filadélfia, que se denominam SJU Projeto Haiti: aprendendo e crescendo juntos, fez uma associação com Fé e Alegria Haiti. Quatro membros deste grupo, sob a liderança de Terrance Furin do departamento de educação, visitaram Porto Príncipe durante vários dias em outubro do ano passado. Sua missão era simples: escutar as necessidades da equipe diretiva de Fé e Alegria, formada por cinco pessoas, habilmente dirigidas por Ambroise Gabriel, S.J., e visitar vários escolas do setor. Duas escolas fundadas pelo irmão jesuíta James Boynton no nordeste do país, a primeira em Balem e a segunda em Ouanaminthe, já estão funcionando; há outras 26 em diferentes etapas de construção. Além disso, o SJU Projeto Haiti convidou esta equipe de líderes para frequentar a Universidade Saint Joseph por uma semana em março de 2010.
Ali visitaram escolas locais como o Gesu School, o French International School, Archmere Academy e Waldron Mercy Academy, discutindo sobre as formas de pedagogia americanas que poderiam ser úteis para suas escolas.
Definitivamente, há ventos de mudança. E nos próximos anos, esses alunos do Chade ou do Haiti, que chegam a pé às escolas locais todos os dias da semana, poderiam transformar-se em catalisadores para maiores mudanças se já experimentaram o que as escolas básicas Fé e Alegria podem oferecer. Estes alunos deverão enfrentar um desafio baseado em experiências educativas muito positivas, assumindo posições de liderança em todos os setores da municipalidade. Poucos têm dúvida de que uma educação positiva, construtiva, que envolve todo um povoado ou cidade, é a chave para o sucesso de uma sociedade. Fé e Alegria sabe disso e está fazendo algo a esse respeito.
Como o padre Gabriel gosta de falar em creole: “Yon timoun ki lekòl se benefis tout moun” (“Um menino que vai ao colégio é uma ajuda para todos”).
Autor: Patrick Samway
Fonte: Mirada Global