Espiritualidade das pequenas coisas: um modo de viver a fé no cotidiano

Publicado em 15/07/2016 | Categoria: Notícias |


 São nos pequenos feitos que nos alimentamos da espiritualidade e descobrimos o sentido de viver.


São nos pequenos feitos que nos alimentamos da espiritualidade e descobrimos o sentido de viver.

“Estava dormindo, porém meu coração se despertou,
foi a voz do meu amado chamando-o,
o Senhor, bendito seja Ele, dizendo: Abre-me uma abertura,
não seja ela maior do que o buraco de uma agulha,
e eu te abrirei as portas celestiais” – Sêfer haZohar – Livro do Esplendor.

 

Por Marcelo Silva*

Espiritualidade: abrindo a porta do desejo de saber sobre ela

Quando nós pensamos em espiritualidade do que estamos falando? O que vem a ser espiritualidade? Ao mesmo tempo em que está na boca de tantos, ela parece tão distante das atitudes e do cotidiano. Por que ela é tão importante hoje, na contemporaneidade?

Essas e outras perguntas nos apontam para a necessidade de um caminho a seguir. O convite que faço aos caros leitor e leitora é o da abertura interior e, ao mesmo tempo, exterior. Não precisa ser grande, mas basta ser sincera e interessada para com este tema que é, ao mesmo tempo, tão antigo e tão novo; atual e necessário à vida humana.

Espiritualidade: abrindo a porta de alguns autores em nossa compreensão

Como o combustível de um carro é o que o move em nossas andanças pela vida afora, pois é com ele que vamos onde desejamos, diminuindo distancias, fazendo pontes entre dois lugares, tornando possível os encontros festivos da vida e sereno os necessários quando o sofrimento bate à nossa porta, assim, também, é com a espiritualidade que podemos nos deslocar no chão da vida e, ficando de pé, nos movermos nas direções necessárias.

No exemplo do carro, o combustível não pode ser visto à olho nu, mas sabemos que está lá, no motor sustentando toda a engrenagem do carro. Assim também é com a espiritualidade na vida cotidiana das pessoas: não pode ser vista, mas é o que move o orante, o homem e a mulher espirituais.

Nesta direção, busquemos dar sentido a esta compreensão de espiritualidade a partir de três compreensões que se complementam.

Giordano Frosini vai nos dizer que a espiritualidade pode ser compreendida como sendo uma vida movida segundo o Espírito. Neste sentido, se o Espírito é sopro, ar, ele está em nosso meio para ser respirado, absorvido e ao mesmo tempo espalmado, ventilado aos quatro cantos.

Esta compreensão de espiritualidade coloca um acento na vida segundo o Espirito, que é movimento. Daí que, quem tem uma espiritualidade segundo o cristianismo, deve buscar movimentar sua vida em seu jeito de olhar, sentir, pensar e agir no Espírito de Deus.

Já o carmelita Frei Cláudio van Balen vai dizer que espiritualidade diz respeito a uma maneira determinada de viver a globalidade da vida, isto é, seus afazeres cotidianos, superações, desafios; alegrias, sofrimentos…  e projetos, tudo, orientado à luz da fé cristã.

Esta compreensão de espiritualidade tem a ver com “um jeito de ser” da pessoa perante a vida interior e exterior. Nesta via de Frei Cláudio, cada um vai ter seu próprio jeito para revestir-se desta globalidade. Vejamos um exemplo: 10 pessoas de um mesmo grupo, sob as mesmas circunstâncias, terão cada uma sua forma subjetiva e original de processar e transmitir uma mesma vivência. E isso depende da espiritualidade que ela alimenta. Pense num caso de enfermidade, ou de desemprego, ou de perda familiar. Veja como nestas horas somos testados em nossa espiritualidade.

Por fim, uma leitura não cristã. Certa vez, em diálogo com Leonardo Boff, Dalai-Lama definiu espiritualidade como aquilo que produz no ser humano uma mudança interior. Isto é, o que sustenta a base de vida de alguém e que no movimento interno e externo faz com que ela esteja constantemente em mudança, tornando-se uma pessoa melhor, capaz de transformar pedras em degraus, limões em limonadas, perdas em ganhos. Em geral, a qualidade e profundidade de nossa espiritualidade são testadas em momentos mais sofridos, difíceis e nos quais somos provados e comprovados na vida. É ali, na encruzilhada da existência, que decidimos, às vezes em uma pequena fração de tempo, novos rumos, trilhas, plataformas de vida que tanto podem nos edificar quanto nos subtrair em nossa edificação de fé e de humanidade.

Espiritualidade: uma via de integração dos opostos

Ao visitarmos de passagem os autores acima referidos, podemos concluir que a espiritualidade é o modo como cada um busca sustentar os apelos da vida e resistir, para não sucumbir, aos desafios do campo da morte – entendendo como morte tudo aquilo que nos subtrai, que nos rouba de nosso centro vital (bio-psíquico-sócio-espiritual). Vejam que ambos os autores nos apontam para um principio comum chamado movimento e crescimento interior e exterior.

Este princípio chamado movimento nos remonta à noção de Espírito (sopro, ar). É então no movimento entre a criatura e o Criador; o mundo imanente e transcendente; o corpo e a alma; ao que é material e espiritual; ou seja, tudo ao mesmo tempo que mostra-se distinto revela-se também misturado, irmanado num único ser que somos, sem separação.

Em todos esses pontos opostos do ser, mas que ao mesmo tempo se tocam e interagem ao longo da vida, descobrimos que algo se move dentro de nós e para além de nós o tempo todo. E esse algo podemos chamar de espiritualidade no cotidiano.

Espiritualidade das pequenas coisas: um modo de viver a fé no cotidiano

Mais do que nos grandes feitos, são nos pequenos que vamos nos alimentando da espiritualidade e descobrindo a força da vida e o sentido de viver. Os momentos festivos, comemorativos e celebrativos da vida só ganham o tom de relevância porque se apoiam na pujança do cotidiano. Vejam uma formatura de um filho. O casamento. Uma conquista relevante no campo do trabalho. Só festejamos com tanta intensidade porque a vida não é uma festa contínua. Só vivenciamos de forma quase que degustativa um momento ápice da vida, porque ele brota lá de baixo, do cotidiano. E isso vivido a partir da vida interior, espiritual é sublime. Cativante.

Mas vejam bem, para se ter este olhar, precisamos nos exercitar no tempo chamado cotidiano, das pequenas coisas, afazeres, rotina. No ir e vir da vida.

Vida esta que se mostra integradora se for sustentada na ordem das pequenas coisas, gestos, sentimentos. Pois é destas que chegamos às maiores, mais densas e, às vezes, pontuais em nossas vidas.

Esse quantum de alegria, felicidade e bem-estar é verdadeiro e importante na medida em que integra e transforma o ato de viver incluindo o Criador na criatura, a luz na escuridão, o todo nos detalhes, o prazer no sofrimento… o caos na ordem. E reunindo, nestes conjuntos vitais da existência, um aprendizado continuo. Isso é espiritualidade das pequenas coisas.

Por isso, a espiritualidade vive da gratuidade e da disponibilidade, vive da capacidade de enternecimento e de compaixão, vive da honradez diante dos quadros da realidade e da escuta da mensagem que vem permanentemente desta mesma realidade. Quebra a relação de posse das coisas para estabelecer uma relação de comunhão e gratidão com elas. Mais do que desejar possuir (coisas, pessoas, lugares e funções), vai aprendendo com a espiritualidade das pequenas coisas, a contemplar o milagre da vida e suas fragilidades.

Uma pessoa que busca nutrir-se desta espiritualidade no cotidiano procura exercitar-se na fé diante de cada acontecimento, pois o vê como uma oportunidade que a Vida e Deus nos dão. Seja de alegria ou de dor; de conquista ou de perda. E não sentirá mais necessidade de perguntar, por exemplo, diante das perdas “por que eu, Senhor?”, mas passa a um outro estágio da vida: “para que isso em minha vida, Senhor?”

Nas crises mais profundas, mesmo quando morre um ente querido, quando se desfaz um matrimônio, quando perdemos um filho por causa da droga, podemos sempre perguntar: “Qual o significado disso tudo para mim? Que coisa, que caminho, que direção esse acontecimento quer me mostrar?”; “Que sentido mais profundo essa realidade traz para mim? De que me purifica? Em que me pode fazer crescer?”

Enfim, uma pessoa de êxito, seja profissional, emocional, relacional e espiritual, terá sido, sempre antes destas conquistas, alguém com um olhar sensível sobre a realidade. Uma pessoa capaz de ver o que muitos não veem. Sentir o que muitos não sentem. Pensar e intuir o que muitos não intuíram e não pensaram. Uma pessoa capaz de ver nas pequenas coisas o milagre extraordinário de Deus na vida. E descobrirá nesta, inclusive, o maior e primeiro milagre de todos, dos quais os outros só serão possíveis de reconhecimento na medida em que esta vida for bem cuidada. Para que isso aconteça, invistamos na força do cotidiano, na espiritualidade das pequenas coisas, gestos, sentidos. Para que quando os grandes momentos chegarem sejamos capazes de reconhecê-los e saboreá-los como uma criança que saboreia, na estação das jabuticabas, cada uma delas: com o olhar, o olfato, o tato e o paladar. Amém!

 

Para pensar:

  • O que calou mais fundo no percurso deste texto em sua leitura?

 

  • Partilhe com um amigo, com uma pessoa íntima de sua vida, um acontecimento importante aos olhos da espiritualidade.

 

O re-encantamento do ser
(Marcelo Silva)

Dentro de cada um de nós há um sábio, um artista
e um  místico gemendo  como uma  mulher em dores de parto,
Fazendo nascer, à luz da aurora ou do crepúsculo,
As silhuetas de uma Nova Humanidade.
…Despertai, ó vós que dormis na escuridão nublada deste dia.
Deixai nascer de vós as promessas de um convite esperançoso:
Olhai o Reino acontecendo entre vós!
Deixar nascer de vós a semente do Logos Eterno,
Que não nos criou para a queda,
Mas sim para o soerguimento.
O  mundo está à espera de vossa resposta.
Enquanto ela não vier à luz de vossa consciência,
O  mundo das essências será mais pobre e torpe,
Pois um traço do Eterno não será desvelado ao Mundo das Formas…
No grande tecido humano, uma nova criatura lancinante segue em tatos,
Cacos e passos, ensaiando a chegada à terra prometida,
O Jardim perdido, onde lá diremos ao Criador:
Senhor, fazei-nos UM em VÓS.

 

Fonte: Dom Total



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