Evento no Vaticano discute as várias condições das mulheres no mundo.
Pode parecer apenas conversa fiada, sem muita ação. Mas vale a pena notar: nas semanas que se passaram, o Vaticano recebeu, organizou ou se envolveu em uma série de seminários, colóquios e conferências – todos tendo a ver com as mulheres. O mais recente evento, entre muitos outros, lidou com as formas como a Igreja Católica está abordando as várias condições das mulheres no mundo em geral. O evento ocorreu dentro do Estado da Cidade do Vaticano e foi organizado pelo jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano, e pelo seu suplemento mensal sobre as mulheres: Donne, Chiesa, Mondo (Mulheres, Igreja, Mundo).
Como pude testemunhar durante a conferência, os participantes leigos – a maioria mulheres – ficaram surpresas ao se verem falando abertamente sobre assuntos sensíveis à Igreja, tais como o aborto ou se a imagem tradicional de uma Virgem Maria como alguém “dócil” não estava enviando uma mensagem equivocada sobre o papel feminino.
Irmãs, não servas
“Muito frequentemente, as mulheres são vistas como inferiorizadas na Igreja como servas e não como irmãs, que estão encarregadas tanto quanto os irmãos”, disse Lucetta Scaraffia, editora do L’Osservatore Romano. Lucetta lançou um debate no ano passado ao afirmar ser teologicamente possível criar mulheres cardeais.
O papa Francisco brincou com a ideia. Mas o fato de que ele esteja permitindo que estas discussões se desenvolvam no Vaticano mostram, em si, que ele está buscando novas formas de empoderar as mulheres dentro da Igreja – e que não está satisfeito com a situação atual.
“Uma teologia da mulher”
Na primeira coletiva de imprensa, em julho de 2013, o papa disse:
“O papel da mulher na Igreja não deve ser só o de mãe e com um trabalho limitado (…). Não! Há algo mais! (…) Acredito que nós temos muito mais a fazer no sentido de tornar explícito este papel e este carisma da mulher (…) Tudo o que dizemos é: elas podem fazer isso, elas podem fazer aquilo, agora elas são coroinhas, agora elas fazem as leituras, são as responsáveis pela Caritas. Mas há mais o que fazer. Precisamos fazer uma profunda teologia da mulher”.
Talvez para desfazer as expectativas, na sequência ele advertiu, em sua exortação Evangelii Gaudium, que o sacerdócio deveria continuar exclusivamente masculino. Em sua opinião, desenvolver o papel das mulheres na Igreja não deveria somente se restringir a copiar os modelos existentes com uma mentalidade clerical. Porém, o papa ainda não se apresentou com grandes mudanças na manga. O seu pontificado ainda se encontra no estágio inicial de exploração nesse sentido.
Algumas pequenas mudanças já estão acontecendo na Cúria Romana. No ano passado, o número de mulheres na prestigiada Comissão Teológica Internacional mais do que dobrou (de 2 para 5 num total de 30 membros). Ao mesmo tempo, pela primeira vez uma mulher foi nomeada chefe de uma das Pontifícias Universidades Romanas. Poder-se esperar que um dos próximos dicastérios a serem criados (departamentos da Cúria) seja chefiado por uma freira, como parte de uma reforma em curso…
Igualdade salarial
A primeira mulher a ser contratada no Vaticano remonta ao ano de 1915. Hoje, o Vaticano emprega 762 mulheres de um total de 4.078 pessoas, segundo os dados divulgados no fim de 2014. Uma participante da Associação dos Trabalhadores Leigos do Vaticano recentemente afirmou que, quanto aos salários, não há absolutamente nenhuma diferença entre as mulheres e as suas contrapartes masculinas. Isso permitiu que o papa Francisco dissesse, em uma audiência geral em abril deste ano: “Por que se pensa que as mulheres deveriam receber menos que os homens? Não! Elas têm os mesmos direitos. Esta disparidade é uma desgraça absoluta!”
Mas Francisco sabe que dar o exemplo no nível mais alto do governo central da Igreja não é o mais importante. A questão da mulher na Igreja deve envolver uma mudança de mentalidade. Durante uma fala improvisada nas Filipinas no mês de janeiro, ele publicamente criticou o fato de que havia somente homens convidados no palco para partilhar as suas dificuldades com ele:
“As mulheres têm muito que nos dizer na sociedade de hoje. Às vezes somos muitos ‘machistas’ e não deixamos lugar para a mulher. Mas a mulher é capaz de ver as coisas com olhos diferentes dos dos homens. A mulher é capaz de fazer perguntas que os homens não conseguem entender (…) Quando o próximo papa vier a Manila, deverá haver mais mulheres”.
“Discípulas mulheres”
Jorge Bergoglio frequentemente ressalta esta diferença. Ele crê que a mulher é mais ousada. Em sua homilia de Páscoa sobre a Ressureição, em abril, ele elogiou “as (que) mulheres foram as primeiras a ver este grande sinal: o túmulo vazio; e foram as primeiras a entrar nele” e as comparou com os “homens (que) permaneceram fechados no Cenáculo”.
Quando o papa Francisco viajar para o Paraguai em julho, é provável que vá lembrar a forma como as mulheres se encarregaram do futuro deste país em 1870 após a guerra. Ele já mencionou este momento histórico antes para apontar os grandes riscos que as mulheres estão prontas a assumir. Resta saber se ele irá correr o risco de ir mais longo nesse sentido em seu pontificado.
Por Sébastien Maillard*