A voz do pastor – Março/2014
Amados irmãos e irmãs da Igreja em Niterói.
Daqui a dias começamos a Quaresma de 2014. Tempo forte de espiritualidade, tempo forte de repensamento dos pensamentos, questionamento das certezas, reorientação de toda força instintiva que nos governa, reorganização de todos os vínculos que mantemos com o mundo, nossos semelhantes e nós mesmos. Quaresma é isso: metanoiete (Mc 1,15). A palavra é grega. Aparece no primeiro capítulo do Evangelho de Marcos. Sendo Marcos o primeiro evangelho escrito, esta é a primeira palavra escrita pronunciada por Jesus: metanoiete!
O que significa? Começo dizendo que é a forma imperativa de um verbo. Meta+noia, literalmente, significa ir além da consciência. Geralmente é traduzido por “convertei-vos” ou “arrependei-vos”. Mas é muito mais que isso. Na verdade, significa a atitude imprescindível de quem não pode ficar do mesmo jeito como estava antes. Significa que o sujeito não se aguenta mais nem suporta mais a manutenção do status quo das coisas como sempre estiveram. É preciso ir além. “Convertei-vos”! Ir além da consciência, do gesto, das atitudes, dos pensamentos. Jesus não se contenta com pouco, porque nem ele nem você são pouca coisa. Na verdade, ele não pede muito. Ele pede tudo. A Quaresma é a época de pensar no quanto estamos dispostos a dar… tudo.
No início da Quaresma acontece também o lançamento da Campanha da Fraternidade. Desde seus inícios, em 1962, em Natal, RN, todo ano na Quaresma a Campanha da Fraternidade elege um tema em torno do qual se possa avaliar nossa condição de cristãos engajados, discípulos e missionários, com o Projeto do Evangelho de Jesus.
No dia 15 de fevereiro, tivemos a alegria de realizar um encontro com representantes das paróquias e comunidades da Arquidiocese. Esse encontro aconteceu na Paróquia Santíssima Trindade do Vicariato Alcântara. Refletimos sobre o documento de estudos 104, da CNBB, sobre “Comunidade de comunidades: uma nova Paróquia” e também sobre o tema da Campanha da Fraternidade 2014.
Este ano o tema é “Fraternidade e Tráfico Humano”. O Tráfico de Seres Humanos é a prática hedionda de retirar pessoas de um determinado local para levá-las para outra região de um mesmo ou de outro país. As pessoas, na maioria dos casos, são abordadas e aliciadas por meio de falsas ofertas de trabalho e de altos ganhos financeiros. Na verdade, são submetidas a viagens realizadas em condições degradantes e a trabalhos semiescravos, incluindo a prostituição.
Segundo o UNODC, Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, o tráfico de pessoas tem movimentado mais dinheiro do que o tráfico de drogas e o de armas. Algumas fontes afirmam que o Tráfico de Seres Humanos movimenta mais de 30 bilhões de dólares ao ano. O combate a esse tráfico é regulamentado pelo Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas. Esse protocolo foi assinado em Palermo, no ano de 2000, e procura dar conta, sobretudo, das condições degradantes do tráfico de mulheres e crianças. Na maioria dos casos, mulheres e crianças são transferidas de um lugar para o outro para serem vendidas ou prostituídas, e são utilizadas como “produtos humanos” para o chamado “turismo sexual”. Em sua maioria, são pessoas que sonham trabalhar e fazer fortuna em outros países. Mas se tornam vítimas fáceis num sistema ilegal de migração de trabalhadores.
Além da prostituição e das falsas ofertas de trabalho, seres humanos também acabam sendo utilizados para venda e tráfico de órgãos. A maioria dessas pessoas é pobre ou está em situação de grande vulnerabilidade. As redes criminosas do tráfico valem-se dessa condição, que facilita o aliciamento com promessas enganosas de vida mais digna. Uma vez nas mãos dos traficantes, mulheres, homens e crianças, adolescentes e jovens são explorados em atividades contra a própria vontade e por meios violentos (CF 2014). Imaginem isso! Já imaginaram um filho ou filha de vocês sendo traficado para terem órgãos comprados e transplantados? É um horror! Se o tráfico de animais gera indignação, que dirá o tráfico humano? De crianças! É o horror!
No Brasil, o tráfico de seres humanos é mais intenso nos estados do Amazonas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Roraima e São Paulo. O principal destino dos brasileiros aliciados tem sido Portugal, Espanha, Itália e Venezuela. Segundo as autoridades brasileiras, nos últimos anos, o número e brasileiros levados para o exterior já atingiu o de 70.000.
O tema parece distante da nossa realidade. Mas não é distante da realidade de milhares de pais que perderam seus filhos e de seres humanos que perderam a vida e a dignidade, o presente e o futuro. Esse tema será trabalhado durante o ano nas paróquias e dioceses. Mas de forma mais intensa durante a Quaresma. É preciso identificar as causas, denunciar as estruturas envolvidas no tráfico e reivindicar dos poderes públicos o resgate dessas pessoas e a reinserção na cidadania.
A palavra resgate, por si só, já diz muito em época de Quaresma. Fomos resgatados pelo Filho ao preço de seu sangue. Não há como responder a esse amor senão com outro amor, senão igual, pelo menos, semelhante. Há irmãos, irmãs, crianças a serem resgatados. Passou da hora! Vamos resgatá-los. Para Deus.
Irmão e irmã: participe intensamente da Quaresma e da Campanha da Fraternidade em sua comunidade. Quando escrever de novo para vocês, estaremos em meados da Quaresma e a Páscoa estará mais próxima. É isso que buscamos intensamente em nosso coração: que a Páscoa esteja cada vez mais próxima e que a Redenção nos alcance em todo nosso ser.
Fonte: Arquidiocese de Niterói