Igreja promove uma verdadeira consulta católica
O mais notável sobre a consulta promovida pela Igreja é sua implicação de que as coisas têm que mudar.
É importante que o maior número de católicos possível, de todos os matizes de opinião, participem do questionário vaticano, e não apenas aqueles que podem desemaranhar questões complicadas sobre o papel da lei natural na vida familiar.
O mais notável sobre a consulta referente ao sexo, ao casamento e à vida familiar, em que a Igreja Católica pediu que os católicos do mundo inteiro participem, é a sua brava implicação de que as coisas têm que mudar. Uma frase no documento oficial que acompanha o questionário do Vaticano é um exemplo disso. Como resultado da situação atual, ele afirma: “Muitos adolescentes e jovens (…) poderão nunca ver os seus pais aproximar-se dos sacramentos”, à luz do que “compreendemos como são urgentes os desafios apresentados à evangelização pela situação atual”.
Sem dúvida, essa é uma referência à atual política da Igreja sobre os católicos que se divorciam e se casam de novo e que depois são informados de que não podem receber a Sagrada Comunhão, porque ele então diz: “Esta realidade encontra uma correspondência singular no vasto acolhimento que tem, nos nossos dias, o ensinamento sobre a misericórdia divina”. Em suma, como a Igreja pode começar a evangelizar essas pessoas – e os seus filhos – e parar de condená-las?
Essa consulta única está ocorrendo como parte dos preparativos para o Sínodo Extraordinário dos Bispos que o papa Francisco convocou para outubro próximo. Há uma crescente energia por trás desse argumento. O bispo de Portsmouth, Philip Egan, escreveu em uma recente carta pastoral que ele espera que o Sínodo encontre “alguma forma” de oferecer misericórdia, ajuda e reconciliação a católicos em uniões irregulares ou que estão divorciados e recasados – e ele é um dos bispos mais conservadores da Inglaterra. Esse já se tornou um campo de batalha chave deste papado, em que o chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, o arcebispo Gerhard Müller, negou que a misericórdia tenha algo a ver com isso, levando-o, assim, a um confronto com membros-chave da hierarquia alemã.
O fato de que os católicos comuns podem contribuir oficialmente com esse debate tomando parte da consulta não tem precedentes. O fato de se recusar a atender o que os católicos leigos comuns têm a dizer sobre questões como o divórcio e a contracepção não será mais um marco definidor da Igreja, razão pela qual essa consulta equivale a admitir que essa não será mais uma forma sustentável para dirigir a Igreja.
Mas o processo de substituição de uma mentalidade por outra vai levar tempo para se ajustar, assim como a formulação do questionário ocasionalmente transmite. Os autores das perguntas parecem divididos entre aceitar que o ensino, digamos, da Humanae vitae sobre o controle de natalidade foi rejeitado por um grande número de católicos casados, e perguntar como esse ensino pode ser ensinado de forma mais efetiva. Uma pergunta inesperada – “Como favorecer o aumento dos nascimentos?” – convida a uma resposta educada – “Por que deveria?”. A Igreja possivelmente não pode saber que tamanho da população é o caminho certo.
Por isso, o questionário é uma mistura de coisas. Mas é importante que o maior número de católicos possível, de todos os matizes de opinião, participem, e não apenas aqueles que podem desemaranhar questões complicadas sobre o papel da lei natural na vida familiar. Os católicos praticantes são mais propensos a ouvir e a querer participar da consulta, mas é importante que eles também reflitam sobre os pontos de vista da comunidade católica mais ampla, que inclui muitos que se sentem excluídos da Igreja. De fato, a clara intenção do Papa Francisco é encontrar formas para que esse sentimento de exclusão possa ser revertido. Essa é uma iniciativa pastoral reconfortante.
Não é menos importante que as autoridades da Igreja responsáveis por cotejar os resultados da consulta devam levar em conta evidências como a produzida pela professora Linda Woodhead, resumida na The Tablet, que mostra o quanto a prática católica se distanciou da teoria católica. A Igreja provocou um grande dano a si mesma no passado, ao ouvir apenas aquelas pessoas leigas com opiniões “aceitáveis”. Mas essa consulta marca o fim da familiar suposição de que aqueles que não assinam embaixo do pacote católico sobre sexo e casamento inteiro não são a realidade e, portanto, podem ser descontados.
A antiga abordagem ignorou o conselho do cardeal Newman, que escreveu em seu ensaio “Sobre a consulta aos fiéis em matéria de doutrina”: “A tradição dos Apóstolos (…) manifesta-se de várias formas em vários momentos. Às vezes, pela boca do episcopado, às vezes pelos doutores, às vezes pelas pessoas, às vezes pelas liturgias, ritos, cerimônias e costumes, pelos eventos, disputas, movimentos (…) Segue-se que nenhum desses canais da tradição podem ser tratados com desrespeito”. O papa Francisco, ao autorizar essa consulta, está respeitando todos eles, o que é algo muito católico, embora muito incomum, para um papa moderno.
Instituto Humanitas Unisinos/ Dom Total