Jesus atrai para si o diferente e o distante
Reflexão sobre a Mesa da Palavra
Domingo da Epifania
Na festa de Natal daquela família ocorreram surpresas. Pessoas trajando roupas esquisitas. Gente a agir e pensar conforme a realidade das suas culturas. Tinham gestos, palavras e atitudes bem distintas daqueles ali praticados. Até a fé que professavam não era a que se vivia naquela casa. Apesar de serem assim tão diferentes, eles foram acolhidos. E então celebraram juntos aquele que os visitantes não entendiam ainda bem quem era.
Celebramos a epifania, a manifestação do Senhor. Trata-se da festa, assim a considero, da acolhida aos diferentes. A recepção amiga àqueles que não pensam e vivem como nós. Através dessa celebração entenderemos mais claramente o que nos ensina o Concílio Vaticano II, ao afirmar que “o mundo está cheio de sementes do Evangelho”.
Basta que haja a atitude de abertura do coração para que elas germinem, fazendo com que caminhem para Jesus. Isaías nos lembra isso na primeira leitura. Poderia dizer, escrevesse-nos atualmente, que os estacionamentos ficariam cheios de carros e ônibus daqueles que vêm para ver o Senhor. A imagem que usa, adequada ao seu tempo fala da invasão dos camelos e dromedários.
Paulo, escrevendo aos Efésios alerta-nos para essa mesma realidade. Ele vem nos contar que os “pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, associados à mesma promessa, em Jesus Cristo, por meio do evangelho.” Jesus é o grande e potente imã que a todos atrai.
Esses são tempos de fechamento ao diferente, ao que vive de maneira distinta e professa outra fé. Gente assim é, na melhor das hipóteses, vista com desconfiança. Na hipótese mais radical será, de algum modo, rechaçada violentamente. É preciso olharmos mais de perto a acolhida dos magos ao presépio. Acho que aqui cabe nos indagarmos: fosse hoje seriam acolhidos com a mesma abertura que Maria e José os receberam?
Às vezes tenho a sensação que nós, os cristãos, nos colocamos em círculos e ao invés de olharmos, a partir deles, para fora, nos voltamos para dentro e ficamos só nos reparando. Manter-se assim nessa posição é terrível, eis que teremos dificuldades em perceber os que estão fora da nossa casa. Terminamos por, consciente ou mesmo inconscientemente, os excluir.
Nos diferentes está a semente do Evangelho e cabe aproximarmo-nos para receber os “presentes” que nos trazem. Por termos recebido a revelação plena de Deus, podemos achar que nada precisamos aprender dos outros. Triste engano ao pensar assim. O outro tem sempre algo para ensinar, clareando a revelação de Deus para mim. É o Espírito Santo que, livre, age também nele me trazendo, caso se esteja aberto para acolher, coisas novas e bonitas a respeito do Senhor.
Desde o seu nascimento e o Evangelho desse Domingo nos prova isto, Jesus atrai e acolhe os diferentes e distantes. Ele é para nós exemplo gritante da necessidade de darmos mais atenção ao diálogo inter-religioso, ainda mais em tempos, como os nossos tão violentos na questão religiosa. Buscarmos com os diferentes o que nos aproxima. E há várias coisas que nos são comuns. A ética, a busca do bem e da justiça, a paz, o cuidado com o mundo, o respeito a vida…
Os Magos que chegam eram cientistas daquela época. Homens que sentiram a vinda do Messias através da sua fé e ciência e que vieram adorá-lo. Possuíam outras crenças e acreditavam em outros deuses. É bem provável que tivessem os astros como divindades.
Com abertura de coração eles se colocam a caminho e viajam para saber melhor quem é aquele menino. Sentem grande alegria ao vê-lo e se ajoelham para adorá-lo. Mateus, ao nos mostrar este diálogo de adoração entre a fé da Sagrada Família e a ciência dos magos, quer também nos mostrar que a tecnologia, a ciência e a inteligência humana, dons de Deus, devem se colocar a serviço da fé.
Há que se tomar cuidados para não misturá-las no mesmo caldeirão como se fosse uma só coisa. Fé e Ciência são caminhos paralelos e complementares. A fé que dá sentido à ciência e essa trazendo-nos, a partir do entendimento das coisas, uma maior proximidade com o Transcendente.
Em muitos países é na Epifania que se dão os presentes. Valerá a pena refletir sobre eles atualizando o seu sentido dentro dos Evangelhos da infância de Jesus. O presente em última instancia é dar o Cristo para o outro.
O que o presente é:
– Símbolo do dar-se ao outro – no presente vou eu. Ao levar ouro, incenso e mirra os magos se dão ao Senhor.
– Testemunho de amor – Eu presenteio porque amo o outro e reconheço nele o Amor maior que é Deus.
– Mostra da importância do outro para a minha história – Ele é presente de Deus para mim e quero que saiba o quanto de bem a sua presença na minha vida causa.
– Gratuidade – O presente é o transbordamento em mim dos dons de Deus. É graça, é de graça e é dado pela graça…
O que o presente não é:
– A “compra” do outro – Ao contrário, com o presente quero dizer que o outro é totalmente livre, porque é fruto do Amor.
– Fazer com que o presenteado se torne devedor – Esta é a forma mesquinha de tratar o presente e quem sabe não seja por isto que nas festas de “amigo oculto” se estipule um “valor mínimo”, para que ninguém fique em dívida ou deixe o outro seu devedor. A pergunta que se precisa fazer é: Trata-se mesmo de presente o que se dá e o que se recebe desta forma?
– Maneira de receber afeto, amor e reconhecimento – Tratar o dar e receber presente como forma de atender às carências afetivas.
– Demonstração de poder – “Posso mais dou presente mais caro“ é o que parecem estar querendo dizer os que assim presenteiam.
– Compensações pela falta de tempo e atenção, “abafar a consciência”. Caso perguntemos aos envolvidos com o comércio quem compra os presentes mais caros, talvez nos surpreendamos que não sejam os mais ricos, mas sim aqueles com menos tempo para os seus queridos.
Para refletir nesses dias
– Quem é o diferente para mim?
– Consigo perceber Deus mesmo naquelas pessoas que não expressam a mesma fé, ou mesmo a fé?
– Qual foi o sentido dos presentes que dei este ano?
1ª Leitura – Is 60,1-6
2ª Leitura – Ef 3,2-3a.5-6