Jesus sobe aos céus. O cristão torna-se responsável pelo mundo
Liturgia da Missa – Reflexões para a Mesa da Palavra
Ano C – Ascensão do Senhor
Durante o seu processo de conversão Inácio de Loyola alimentava grande sonho: visitar Jerusalém. Na verdade o que pretendia era bem mais. O santo desejava morar na cidade. Lutou demais pela viagem, até que, partindo de Veneza, conseguiu realizá-la. Na Cidade Santa o peregrino foi levado ao monte das Oliveiras, lugar no qual antiga tradição considera tenha havido a Ascensão de Jesus. Uma pedra com duas leves depressões era venerada como o lugar derradeiro, sobre o qual estiveram os pés do Senhor na Terra. Inácio encantou-se com o que via. Tinha diante de si uma prova cabal da partida de Jesus para o céu. Rezou bastante diante da relíquia até que foi obrigado a retornar ao hotel. Continuou contemplando a cena com os olhos da imaginação e foi então que lhe bateu forte dúvida. Afinal, tratava-se a depressão maior referente ao pé direito, ou esquerdo do Senhor? Resolveu retornar àquele sítio. Naquele momento tornara-se importantíssimo para ele ter esta clareza. O grande problema é que Jerusalém estava sob o domínio dos muçulmanos e estes não facilitavam o trânsito de cristãos. Mesmo correndo sérios riscos e tendo sido até abordado no caminho por soldados, lá se foi Inácio na busca da certeza. Qual pé de Jesus tinha ficado, mais fortemente, impregnado na pedra.
Também o nosso processo de caminhada cristã passa por caminhos semelhantes a este vivido pelo santo. No começo dele, ainda quando vivíamos os tempos da catequese, a imagem que criávamos dos fatos bíblicos referentes ao Cristo da fé eram bastante concretas.
Era assim que observávamos a ascensão e outros relatos bíblicos relativos à ressurreição. Com certeza que as gravuras e pinturas dos artistas, reforçaram demais esta compreensão concreta. O Senhor era por nós percebido mais com os sentidos do corpo, do que com a profundidade de se acreditar naquilo, que os cinco sentidos são incapazes de captar.
À medida que vamos vivendo a caminhada como seguidores de Jesus. Ou, melhor dizendo, enquanto vamos vivenciando este nosso processo contínuo de conversão, também como ocorreu com Inácio, estas visões vão se depurando. Elas vão, pouco a pouco, deixando de pertencer ao reino dos sentidos, para adentrar nos muito mais amplos, profundos e belos desígnios e dimensões da fé.
Vamos então concluindo o quão incapazes são os nossos sentidos, para captar a realeza e a glória do Ressuscitado. Em outras palavras, passamos a considerar que a visão da subida gloriosa aos céus do nosso Senhor, não se dá para a “visão do olhar”, mas sim para a “visão da fé”.
Daí que os lugares de peregrinação como a tal pedra de Inácio em Jerusalém, para aqueles que vão caminhando na fé, deixam de ter fim em si mesmo e passam a serem donas de um simbolismo muito mais rico. Tornam-se ícones de uma realidade profunda e misteriosa. Totalmente incapaz de ser captada pelos sentidos do corpo.
A ascensão não deve ser vista como um evento independente. Está profundamente ligada à ressurreição. Na verdade estas são duas realidades totalmente complementares. A experiência que fazemos da subida de Jesus aos céus é mera continuidade daquela experiência, fundante para todos nós, da sua ressurreição.
Na ressurreição o movimento é do alto para baixo. É o Pai quem resgata o Filho condenado das garras da morte e o conduz à glória. Na ascensão o movimento se dá, literalmente, em sentido oposto. Somos nós que, ao assumir a maioridade de fé. estamos a dizer para Jesus que “agora é conosco”.
Relatar a subida gloriosa de Jesus aos céus, parece ser uma maneira inteligente e criativa de Lucas, para nos mostrar a responsabilidade que precisamos assumir no mundo. Para que reflitamos sobre este sentido Ele nos apresenta então a subida do Filho para o Pai dessa maneira bonita e simbólica.
Mas mesmo contemplando tal cena, o fato é que sabemos que Ele não foi embora. Jesus continua conosco. Não é por acaso que em toda Eucaristia o presidente diz à assembleia: “O Senhor esteja convosco”. E a resposta lhe volta em uníssono: “Ele está no meio de nós”.
É interessante reparar que temos neste domingo duas versões da ascensão. Esta do Evangelho de Lucas, sobre a qual vamos refletindo, e a segunda escrita muito provavelmente pelo mesmo evangelista e que está posta na primeira leitura, tirada do início dos Atos dos Apóstolos.
Lá o autor é mais explícito, ao mesmo tempo em que vai deixando, ainda de maneira mais patente, a incapacidade dos sentidos de perceberem o que realmente se passa. Jesus é coberto, diz a narrativa, por uma nuvem. Dois anjos vêm então, alertando os discípulos (a todos nós) de que não é para se ficar mirando o céu, esperando que, de lá das alturas, venham as soluções para os problemas, que somos nós quem devemos resolver.
A experiência desses dois mil anos retrata a dura realidade de que, apesar de termos, metaforicamente, afirmado ao Senhor que estamos em condições de assumir a idade adulta na fé, a prática não tem sido nem um pouco coerente. Continuamos bem distantes da criação de um mundo de paz, justiça e misericórdia, o Reino de Deus, ou seja, nos mantemos esperando que o Senhor faça a nossa parte.
Pistas para reflexão durante a semana:
– Jesus está nos céus, ou permanece comigo?
– O que tenho feito no lugar de Jesus para tornar o mundo melhor?
– Consigo ver a ressurreição e a ascensão como as duas faces de uma mesma moeda?